Bibliologia - Parte 01


DISCIPLINA: BIBLIOLOGIA
CONCEITO GERAL DE BIBLIOLOGIA


O nosso assunto é o estudo introdutório e auxiliar das Sagradas Escrituras, para sua melhor compreensão. É também chamado Isagoge nos cursos superiores de Teologia. Este estudo auxilia grandemente a compreensão dos fatos da Bíblia. Um ponto saliente nele é a história de como a Bíblia chegou até nós. A necessidade desse estudo é que, sendo a Bíblia um livro divino, veio a nós por canais humanos, tornando-se, assim, divino-humano, como também o é a Palavra Viva: Cristo, que se tornou também divino-humano (Jo 1.1; Ap 19.13).

Através da Bíblia, Deus se revela em linguagem humana, para que o homem possa entendê-lo. Por essa razão, a Bíblia faz alusão a tudo que é terreno e humano. Ela menciona países, montanhas, rios, desertos, mares, climas, solos, estradas, plantas, produtos, minérios, comércio, dinheiro, línguas, raças, usos, costumes, culturas etc. Isto é, Deus, para fazer-se compreender, vestiu a Bíblia da nossa linguagem, adaptando-a ao modo humano de perceber as coisas.

A Bíblia é, sem dúvida, um dos mais apreciados legados literários da humanidade. Contudo o seu valor não se firma de maneira substancial no fato literário. A riqueza da Bíblia consiste no caráter essencialmente religioso da sua mensagem, que a transforma no livro sagrado por excelência, tanto para o povo de Israel quanto para a Igreja cristã. Nessa coleção de livros, a Lei se apresenta como uma ordenação divina (Êx 20; Sl 119), os Profetas têm a consciência de serem portadores de mensagens da parte de  Deus   (Is 6; Jr 1.2; Ez 2-3)  os Escritos ensinam que a verdadeira sabedoria encontra em Deus a sua origem (Pv 8.22-31).

Esses valores religiosos aparecem não só no título de Sagradas Escrituras, mas também na forma que Jesus e, em geral, os autores do Novo Testamento se referem ao Antigo, isto é, aos textos bíblicos escritos em épocas precedentes. Isso ocorre, por exemplo, quando lemos que Deus fala por meio dos profetas ou por meio de algum dos outros livros (Mt 1.22; 2.15; Rm 1.2; 1Co 9.9) ou quando os profetas aparecem como aquelas pessoas mediante as quais “se diz” algo ou “se anuncia” algum acontecimento, forma hebraica de expressar que é o próprio Deus quem diz ou anuncia (Mt 2.17; 3.3; 4.14); também quando se afirma a permanente autoridade das Escrituras (Mt 5.17-18; Jo 10.35; At 23.5), ou quando as relaciona especialmente com a ação do Espírito Santo (At 1.16; 28.25). Formas magistrais de expressar a convicção comum a todos os cristãos em relação ao valor das Escrituras são encontradas em passagens como 2Tm 3.15-17 e 2Pe 1.19-21.

A Igreja cristã, desde as suas origens, tem descoberto na mensagem do evangelho o mesmo valor da palavra de Deus e a mesma autoridade do Antigo Testamento (Mc 16.15-16; Lc 1.1-4; Jo 20.31; 1Ts 2.13), por isso, em 2Pe 3.16, se equiparam as epístolas de “nosso amado irmão Paulo” (v.15) às “demais Escrituras”. Gradativamente, a partir do século II d.C., foram sendo reconhecidos os 27 livros que formam o Novo Testamento a sua categoria de livros sagrados e, em conseqüência, a plenitude da sua autoridade definitiva e o seu valor religioso.

Tal reconhecimento, que implica o próprio tempo da presença, direção e inspiração do Espírito Santo na formação das Escrituras, não descarta, em absoluto, a atividade física e criativa das pessoas que redigiram os textos. Elas mesmas se referem a essa atividade em diversas ocasiões (Ec 1.13; Lc 1.1-4; 1Co 15.1-3,11; Gl 6.11). A presença de numerosos autores materiais é, precisamente, a causa da extraordinária riqueza de línguas, estilos, gêneros literários, conceitos culturais o reflexões teológicas que caracterizam a Bíblia.

A expressão “a palavra de Deus” (também “a palavra do Senhor”, ou simplesmente “a palavra”) possui várias aplicações na Bíblia. Obviamente, refere-se, em primeiro lugar, a tudo quanto Deus tem falado diretamente. Quando Deus falou a Adão e Eva (Gn 2.16,17; Gn 3.9-19), o que Ele lhes disse era, de fato, a palavra de Deus. De modo semelhante, Ele se dirigiu a Abraão (Gn 12.1-3), a Isaque (Gn 26.1-5), a Jacó (Gn 28.13-15) e a Moisés (Êx 3-4). Deus também falou à totalidade da nação de Israel, no monte Sinai, ao proclamar-lhe os dez mandamentos (Êx 20.1-19). As palavras que os israelitas ouviram eram palavras de Deus.

Além da fala direta, Deus ainda falou através dos profetas. Quando eles se dirigiam ao povo de Deus, assim introduziam as suas declarações: “Assim diz o Senhor”, ou “Veio a mim a palavra do Senhor”. Quando, portanto, os israelitas ouviam as palavras do profeta, ouviam, na verdade, a palavra de Deus.

A mesma coisa pode ser dita a respeito do que os apóstolos falaram no Novo Testamento. Embora não introduzissem suas palavras com a expressão “assim diz o Senhor”, o que falavam e proclamavam era, verdadeiramente, a palavra de Deus. O sermão de Paulo ao povo de Antioquia da Pisídia (At 13.14-41), por exemplo, criou tamanha comoção que, “no sábado seguinte, ajuntou-se quase toda a cidade a ouvir a palavra de Deus” (At 13.44). O próprio Paulo assegurou aos Tessalonicenses que, “havendo recebido de nós a palavra da pregação de Deus, a recebestes, não como palavra de homens, mas (segundo é, na verdade) como palavra de Deus” (1Ts 2.13; At 8.25).

Além disso, tudo quanto Jesus falava era palavra de Deus, pois Ele, antes de tudo, é Deus (Jo 1.1,18; 10.30; 1Jo 5.20). Lucas, escritor do  terceiro  evangelho,  declara explicitamente que, quando as pessoas ouviam a Jesus, ouviam na verdade a palavra de Deus (Lc 5.1). Note como, em contraste com os profetas do ANTIGO TESTAMENTO, Jesus introduzia seus ditos: Eu “vos digo...” (Mt 5.18, 20, 22, 23, 32, 39; 11.22, 24; Mc 9.1; 10.15; Lc 10.12; 12.4; Jo 5.19; 6.26; 8.34). Noutras palavras, Ele tinha dentro de si mesmo a autoridade divina para falar a palavra de Deus. É tão importante ouvir as palavras de Jesus, pois “quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna e não entrará em condenação” (Jo 5.24). Jesus, na realidade, está tão estreitamente identificado com a palavra de Deus que é chamado “o Verbo” [“a Palavra”] (Jo 1.1,14; 1Jo 1.1; Ap 19.13-16; Jo 1.1). A palavra de Deus é o registro do que os profetas, apóstolos e Jesus falaram, isto é, a própria Bíblia. No Novo Testamento, quer um escritor usasse a expressão “Moisés disse”, “Davi disse”, “o Espírito Santo diz”, ou “Deus diz”, nenhuma diferença fazia (At 3.22; Rm 10.5, 19; Hb 3.7; 4.7); pois o que estava escrito na Bíblia era, sem dúvida alguma, a palavra de Deus.

Mesmo não estando no mesmo nível das Escrituras, a proclamação feita pelos autênticos pregadores ou profetas, na igreja de hoje, pode ser chamada a palavra de Deus. Pedro indicou que, a palavra que seus leitores recebiam mediante a pregação, era palavra de Deus (1Pe 1.25), e Paulo mandou Timóteo “pregar a Palavra” (2Tm 4.2). A pregação, porém, não pode existir independentemente da Palavra de Deus. Na realidade, o teste para se determinar se a palavra de Deus está sendo proclamada num sermão, ou mensagem, é se ela corresponde exatamente à Palavra de Deus escrita.

O que se diz de uma pessoa que recebe uma profecia, ou revelação, no âmbito do culto de adoração (1Co 14.26-32)? Ela está recebendo, ou não, a palavra de Deus? A resposta é um “sim”. Paulo assevera que semelhantes mensagens estão sujeitas à avaliação por outros profetas. Todavia, há a possibilidade de tais profecias não serem palavra de Deus (1Co 14.29 “E falem dois ou três profetas, e os outros julguem”). É somente em sentido secundário que os profetas, hoje, falam sob a inspiração do Espírito Santo; sua revelação jamais deve ser elevada à categoria da inerrância (1Co 14.3).      

1- A BIBLÍA – A ORIGEM E OS VOCÁBULOS

1.1 Origem da Escrita

Tem sido difícil determinar com exatidão, onde, como e quando a escrita teve a sua origem. A escrita se originou quando o ser humano sentiu a necessidade de guardar seus feitos para que a posteridade os conhecesse. A escrita primitiva foi pictográfica onde figuras representavam objetos. Logo a seguir aparece a ideográfica, assim chamada pelo fato das figuras representarem idéias. Num terceiro estágio aparece o fonograma – figuras representando sons. Dos povos antigos, os dois que mais se destacaram, no desenvolvimento da escrita, foram os babilônicos e os egípcios. Cada um destes teve a sua destacada e particular escrita: os babilônicos criaram a escrita cuneiforme, assim denominada por consistir de pequenas cunhas, feitas especialmente em pedras; enquanto os egípcios usavam pequenas figuras para representar objetos e idéias, os famosos hieróglifos. A história nos relata que a decifração dessas escritas exigiu muito esforço e concentração. A escrita cuneiforme foi decifrada pelo oficial inglês Henrique Rawlinson, após 18 anos de labores intensos. Quanto à escrita hieroglífica, todos sabem, que foi Champollion, o notável egiptólogo francês, o primeiro a desvendar-lhe os mistérios.

1.1.1 A  Escrita  Cuneiforme

A princípio, certa espécie de marca representava uma palavra inteira, ou uma combinação de palavras. Desenvolvendo-se a arte de escrever, passou a haver 'marcas' que representavam partes de palavras, ou sílabas. Era este o gênero de escrita em uso na Babilônia no alvorecer do período histórico. Havia mais de 500 marcas diferentes, com umas 30.000 combinações. Geralmente, essas marcas se faziam em tijolos ou placas de barro macio (úmido), medindo de 2 a 50 centímetros de comprimento, uns dois terços de largura, e escritos de ambos os lados; depois eram secados ao sol ou cozidos no forno. Por meio dessas inscrições cuneiformes, em placas de barro, é que chegou até nós a vasta literatura dos primitivos babilônios. 




1.1.2 Origem  do  Alfabeto

Tem sido um assunto bastante controvertido a origem do alfabeto. Em geral se aceita que o alfabeto de 22 letras foi inventado pelos fenícios e por eles levado aos gregos e depois aos latinos. Até há pouco afirmava-se que a descoberta do alfabeto tinha sido pelos séculos XII ou XI a.C., sendo este argumento apresentado para provar que Moisés não podia ter escrito o Pentateuco, visto que em seu tempo não tinham ainda inventado a arte de escrever.

Ira M. Price no livro The Ancestry of Our English Bible, p. 13, escreveu: "A escrita é muito antiga na Palestina [...] O trabalho dos arqueólogos nos mostra muitos exemplos de escrita antes de Moisés". Escavações arqueológicas em Ur têm provado que Abraão era cidadão de uma metrópole altamente civilizada. Nas escolas de Ur os meninos aprendiam leitura, escrita, aritmética e geografia.

Três alfabetos foram descobertos: junto do Sinai, em Biblos e em Ras Shamra, que são bem anteriores ao tempo de Moisés (1.500 a.C.). Estudiosos modernos, baseados em evidências irrefutáveis, sustentam que Moisés escolheu a escrita fonética para escrever o Pentateuco. O arqueólogo W. F. Albright datou esta escrita de início do século XV a.C. (tempo de Moisés). Interessante é notar que esta escrita foi encontrada no lugar onde Moisés recebeu a incumbência de escrever seus livros. Em Êxodo 17.14 encontramos a ordem divina para que Moisés escrevesse num livro.

Note-se ainda a frase de Merril Unger sobre a escrita do Antigo Testamento: "A coisa importante é que Deus tinha uma língua alfabética simples, pronta para registrar a divina revelação, em vez do difícil e incômodo cuneiforme de Babilônia e Assíria, ou o complexo hieróglifo do Egito". Sobre o problema de Moisés ter escrito ou não seus livros vale acrescentar o que escreveu o Dr. Renato Oberg: "Os primeiros livros da Bíblia a serem escritos foram os que compõem o Pentateuco e o de Jó, sendo a autoria deles atribuída a Moisés pela tradição judaica que, por sua vez, é aceita sem contestação por grande número de cristãos. O Talmude Babilônico afirma que 'Moisés escreveu o seu próprio livro e as passagens e respeito de Balaão e Jó' (SDABC, vol. III, p. 493).

Como vimos, nem todos aceitam Moisés como sendo o real autor destes livros, especialmente o de Jó. Os que o fazem, dão Jó como tendo sido o primeiro dos livros escritos, e Moisés o teria feito quando pastoreava os rebanhos do seu sogro nas campinas de Midiã, após ter fugido do Egito. Os cinco livros que compõem o Pentateuco foram escritos posteriormente. Os que não aceitam esta tese, já escreveram muito a respeito do assunto, procurando arrazoar com argumentos os mais variados, inclusive a diferença de estilo entre os livros e até dentro de cada um deles.

Um dos argumentos mais fortes, porém senão o mais forte de todos, foi o que começou a dominar desde o fim do último quartel do século passado, quando Wellhausen, professor da Universidade de Greifswald, chegou a afirmar que se fosse tão-somente possível saber que Moisés pudesse escrever, seria ridículo não aceitá-lo. Evidentemente,  segundo tudo o que se conhecia até então, quando as primeiras grandes descobertas arqueológicas começaram a empolgar o mundo e quando se dizia que tudo tem de ser decidido pela razão, tinha-se como certo que a invenção do nosso alfabeto se devia aos fenícios que o tinham criado no afã de facilitar suas transações comerciais pelo mundo todo. Foi então que a decifração dos hieróglifos feita por Champollion revelou o conteúdo de uma série enorme de documentos com sinais tidos por muitos como decoração e misticismo religioso, e cujo conteúdo era, até então, desconhecido completamente. Ora sendo o alfabeto inventado pelos fenícios, cuja existência foi bem posterior à de Moisés, e se as escritas anteriores, hieróglifos e cuneiformes, foram apenas decifradas no século passado, como poderia Moisés ter escrito aqueles livros? Se o tivesse feito, só o poderia fazer em hieróglifos, língua na qual a própria Bíblia diz que Moisés era perito (Atos 7.22) e, neste caso ela, a Bíblia do Velho Testamento, teria ficado desconhecida por nós até Champollion! Daí a frase de Wellhausen.
Acontece, porém, que no princípio do século XX ou, mais precisamente, nos anos de 1904 e 1905, Sir Flinders Petrie, fazendo escavações na Península do Sinai, patrocinadas pela Escola Britânica de Arqueologia no Egito, descobriu algumas inscrições muito diferentes do cuneiforme mas, embora aparentassem alguma semelhança com o hieróglifo, não o eram, em absoluto. O caso despertou enorme interesse entre os que cuidavam do assunto, especialmente quando começaram a aparecer mais vasos e óstracos (cacos de vasos com inscrições) portadores de sinais idênticos, em outros lugares na Palestina. Para encurtar a história, os estudos que arqueólogos famosos como, inclusive, W. F. Allbright fizeram, elucidaram completamente o caso e hoje se sabe perfeitamente que os sinais descobertos por Flinders Petrie pertencem à escrita chamada de proto-fenícia, proto-sinaítica ou cananita e [...] era alfabética! Com esta descoberta, a origem do nosso alfabeto se transportava da época dos fenícios para a dos seus antecessores, séculos antes, os cananitas que viveram no tempo de Moisés e antes dele. Foram estes antepassados dos Fenícios que simplificaram a escrita, passando a usar o alfabeto em lugar dos hieróglifos, isto é, sinais que representam sons ao invés de sinais que representam idéias. Para nós, porém, assume importância igualmente grande o fato de estes cananitas, inventores da escrita alfabética, serem justamente os da região onde Moisés pastoreava as ovelhas do seu sogro. Convém, portanto que os conheçamos um pouco mais.

A partir da XII dinastia, os egípcios começaram a explorar as minas de cobre e turquesa da região do Sinai, e uma das maiores delas ficava em Serabitel-Khaden, acerca de oitenta quilômetros do tradicional Monte Sinai, onde foram dados os Dez Mandamentos. Em termos de jornada, esta região distava cerca de três dias de viagem do Egito. Neste local trabalhavam para os egípcios muitos semitas que praticavam uma religião muito semelhante à dos israelitas, tal como pôde ser observado pelos restos deixados por eles e descobertos pelos arqueólogos. Esta região era a mesma naquele tempo conhecida também pelo nome de 'Terra de Midiã', para onde Moisés fugiu da presença de Deus (Êx 2.15). Com estas descobertas, perderam sua razão de ser muitos dos argumentos contrários à Bíblia feitos pela Crítica Histórica, porque se verificou que a história bíblica daquele período passou a ser perfeitamente compreensível dentro dos costumes da época, inclusive a boa convivência de Moisés com o sacerdote Jetro, cujas religiões eram fundamentalmente as mesmas.

Ora vivendo Moisés quarenta anos nesta região, é óbvio que tomou contato com a escrita rude daquele povo, viu nela a escrita do futuro e passou a usá-la por duas grandes razões que teria julgado decisivas: a primeira foi a impressão grandiosa que teve de usar uma língua alfabética para seus escritos e que se compunha apenas de vinte e dois sinais bastante simples comparados com os ideográficos que aprendera nas Escolas do Egito; a outra teria sido o fato de compreender que estava escrevendo para seu próprio povo, cuja origem era semita como a dos habitantes da terra onde vivia, tendo estes uma religião idêntica à dos primeiros, ambas, porém, deturpadas pelas influências pagãs e oriundas do pecado; seus leitores seriam homens e mulheres, moços e moças do povo, especialmente israelitas que, não sendo versados em hieróglifos por causa da sua posição de escravos no Egito, aprenderam com muito mais facilidade os poucos e simples sinais alfabéticos que representavam sons do que os inúmeros e complicados hieróglifos que representavam idéias.

1.2 Materiais  Usados  para  Escrever

1.2.1 Manuscritos

Vulgarmente os dicionários registram MANUSCRITO como "escrito à mão". Em sentido técnico, esse nome refere-se à volumosa bagagem de rolos ou fragmentos escritos à mão com textos das Escrituras Sagradas. Em um sentido mais particular, alude aos escritos do Antigo e Novo Testamentos, desde os tempos patriarcais até à invenção da imprensa, na metade do século XV.

De conformidade com o Prof. Antonio Gilberto (1996, p.74,75), “desde os tempos mais remotos o homem tem usado vários materiais e técnicas sobre as quais tentava de alguma forma passar idéias, fatos de geração a geração”, alguns dos materiais usados foram:

a)     Pedra. Os caracteres eram gravados nas colunas dos templos, como os de Lúxor e Camaque, no Egito; ou em cilindros, como o código de Hamurabi; ou nas rochas, como em Persépolis; ou mesmo em lápides, como a pedra Roseta, decifrada por Champolion, nos dias de Napoleão.

b)     Cerâmica. Material usado desde tempos imemoriais na região da Mesopotâmia. Dois tipos de cerâmica têm sido encontrados pelos arqueólogos: seca ao sol e seca ao forno.

c)      Linho. Tem sido encontrado nas descobertas arqueológicas.

d)     Tábuas recobertas de cera (Is 8.1; Lc 1.63).

e)     Papiro. O papiro se destaca como o principal material antigo usado para escrever. Planta originária do Egito, muito comum nas margens lodosas do Nilo, e usada abundantemente na preparação de uma espécie de papel. Ele só cresce em terrenos alagadiços, por isso em Jó 8.11 há a seguinte pergunta: Pode o papiro crescer sem lodo? Normalmente se escrevia só de um lado do papiro e as folhas mais longas eram enroladas. Estes rolos recebiam o nome de volumes, palavra do latim – volvere que significa enrolar. Os egípcios guardavam ciosamente o segredo da preparação do papiro para a escrita. No século VI a.C. começaram a exportá-lo para a Grécia e depois para outros povos que habitavam nas margens do Mediterrâneo, onde se criou um importante comércio desta especialidade, mormente na cidade da Biblos. Quem hoje chega ao Cairo, capital do Egito, pode visitar, às margens do rio Nilo um navio-escola, onde se prepara o papiro com finalidades culturais e turísticas, mas não comerciais. The Interpreter's Dictionary of the Bible, vol. 3, p. 649, diz o seguinte sobre o papiro: "O papel, palavra derivada de papiro, era preparado de finas faixas da parte interior da folha do papiro arranjadas verticalmente, com outra camada aplicada horizontalmente em cima. Um adesivo era empregado (Plínio diz que era água do Nilo!) e pressão aplicada para ligá-las formando uma folha. Após secar, era polida com instrumentos de concha ou pedra; depois as folhas eram atadas, formando rolos".
f)        Pergaminho. A preparação do pergaminho para receber a escrita tem uma interessante história. De acordo com a História Natural de Plínio, o Velho (Livro XIII, capítulo XXI), foi o rei Eumene de Pérgamo, uma cidade da Ásia Menor, quem promoveu a preparação e o uso do pergaminho. Este rei planejou fundar uma biblioteca em sua cidade, que se rivalizasse com a famosa biblioteca de Alexandria. Esta ambição não agradou a Ptolomeu do Egito, que imediatamente proibiu a exportação de papiro para Pérgamo. Esta proibição forçou Eumene a preparar peles de carneiro ou ovelha para receber a escrita, dando-lhe o nome do lugar de origem – pergaminho. O pergaminho era muito superior ao papiro, por causa da maior durabilidade. Os principais manuscritos bíblicos estão escritos em Pergaminhos. Paulo na sua segunda Epístola a Timóteo (4.13) roga ao jovem ministro para que lhe trouxesse os pergaminhos. Em grego a palavra não é pergaminho mas membrana. O pergaminho continuou a ser usado até o fim da Idade Média quando o papel inventado pelos chineses e introduzido na Europa pelos comerciantes árabes tornou-se popular, suplantando todos os outros materiais da escrita. Os judeus eram bastante cuidadosos com a preparação de manuscritos destinados a receber os escritos sagrados, exigindo que a pele fosse de animal limpo e preparada por um judeu.

g)     Palimpsesto. Em virtude de crises econômicas o pergaminho tornava-se muito caro, era então raspado, lavado e usado novamente. Estes manuscritos eram chamados palimpsestos (do grego palin = de novo e psesto = raspado). Um famoso manuscrito – o Códice Efraimita está escrito em um palimpsesto. Por meio de reagentes químicos e raios ultravioletas eruditos têm conseguido fazer reaparecer a escrita primitiva desses palimpsestos. Dos 250 manuscritos unciais conhecidos hoje, do Novo Testamento, 52 são palimpsestos.

1.2.2 Caracteres dos Manuscritos
Na antiguidade havia dois tipos distintos de escrita em grego: o cursivo e o uncial. O cursivo, escrita rápida, empregado em escritos não literários, tais como: cartas, pedidos, recibos. Neste tipo de escrita eram comuns as contrações e abreviações. O uncial, usado mais em obras literárias, caracterizava-se por serem as letras maiores e separadas umas das outras. Assemelhar-se-iam às nossas letras maiúsculas. Os manuscritos bíblicos apresentam estes dois tipos de escrita, porém, não nos devemos esquecer que os principais se encontram em letras unciais.

No início do século IX a.D., houve uma reforma na maneira de escrever e uma escrita com letras pequenas, chamadas minúsculas, era usada na produção de livros. Letras minúsculas, economizando tempo e material, faziam com que os livros ficassem mais baratos e pudessem ser adquiridos por maior número de pessoas. Nos manuscritos bíblicos primitivos, normalmente, nenhum espaço era deixado entre as palavras e até o século VIII a pontuação era escassamente usada. De acordo com J. Angus em História, Doutrina e Interpretação da Bíblia, Vol, I, p. 39, somente no século VIII é que foram introduzidos nos manuscritos alguns sinais de pontuação e no século IX introduziram o ponto de interrogação e a vírgula. Sentidos distintos têm surgido, quando uma simples vírgula é mudada de lugar, como se evidencia da leitura da conhecida passagem: "Em verdade te digo hoje, comigo estarás no paraíso". Muitas outras passagens bíblicas podem ser lidas com sentido totalmente diferente ao ser mudada a sua pontuação como nos confirmam os seguintes exemplos: "Ressuscitou, não está aqui." "Ressuscitou? não, está aqui." "A voz daquele que clama no deserto: preparai o caminho do Senhor"; "A voz daquele que clama: no deserto preparai o caminho do Senhor."

1.2.3 Manuscritos gregos

a)       Papiros.  O texto do Novo Testamento continuou sendo escrito sobre papiro até ao século VII. Mas sabemos que a partir do século IV já se usava o pergaminho. Há nada menos de 76 papiros que contêm porções do Novo Testamento.

b)       Unciais e Cursivos. Existia uma variedade de escritos unciais e cursivos. Há 252 cópias unciais, atribuídas de 4 a 9 e mais ou menos 2646 cópias em cursivos, de 9 a 11 d.C.

c)       Lecionários. Igualmente escritos em pergaminho. Há 1997 cópias. Eram leituras escolhidas do texto do Novo Testamento, para serem lidas nas reuniões públicas nas igrejas. Portanto, há nada menos de cinco mil manuscritos gregos. De todas as obras literárias antigas, nenhuma é tão bem documentada como o Novo Testamento.

d)       Ostracas. Eram pedaços de jarros quebrados, grafados com pequenas porções do Novo Testamento ou de outras obras literárias. Do Novo Testamento há apenas vinte e cinco, com os seguintes textos: Mt 27.31,32; Mc 5.40,41; Lc 12.13-16; Jo 1.1-9,14-17; 18.19-25 e 19.15-17.

e)       Amuletos. Também chamados "talismãs da sorte." Eram pedaços de lança, madeira, barro, pergaminho e papiro, com inscrições, algumas com breves porções do Novo Testamento, inclusive a oração do Pai Nosso. Pertencem aos séculos IV à XIII.
1.2.4 Manuscritos Importantes do Antigo Testamento

Muitos dos manuscritos medievais do Antigo Testamen­to exibem uma forma positivamente padronizada do texto hebraico. Essa padronização reflete o trabalho de copistas medievais conhecidos pelo nome de massoretas (500-900 d.C.). O texto resultante desse trabalho é denominado texto massorético. A maioria dos manuscritos importantes, data­dos do século XI d.C. ou posteriores reflete essa mesma tra­dição textual básica. Mas, visto que o texto massorético não se firmou até bem depois de 500 d.C., muitas questões rela­cionadas ao seu desenvolvimento nos séculos precedentes não podiam ser respondidas. Então, a primeira tarefa para os críticos textuais do Antigo Testamento foi comparar as testemunhas antigas, a fim de descobrir como o texto massorético surgiu e como ele e os testemunhos antigos da Bíblia hebraica estão relacionados, o que nos leva à primeira tarefa da crítica textual: a compilação de todos os registros possíveis dos escritos bíblicos.

Todas as fontes primárias das Escrituras hebraicas são manuscritos (grafados à mão), geralmente escritos em peles de animais, em papiros ou, às vezes, em metais. O fato de serem escritos à mão é fonte de muitas dificuldades para o crítico textual. O erro humano e a interferência editorial são freqüentemente culpados pelas muitas leituras variantes nos manuscritos do Antigo e do Novo Testamento. Pela razão de os antigos manuscritos estarem escritos em peles ou em papiros, gera-se outra fonte de dificuldades. Devido à dete­rioração natural, a maioria dos antigos manuscritos subsistentes está fragmentária, difícil de ler [...] Há muitas testemunhas secundárias para o texto primiti­vo do Antigo Testamento, incluindo traduções para outras línguas, citações usadas tanto por amigos quanto por inimi­gos da religião cristã e evidências dos primeiros textos im­pressos. Grande parte das testemunhas secundárias passou por processos similares às testemunhas primárias. Elas tam­bém contêm numerosas variantes por causa de erros, não só intencionais como também acidentais, e estão fragmentári­as como resultado da degeneração natural. Considerando que as leituras variantes realmente existem nos antigos ma­nuscritos que subsistiram, estes devem ser compilados e com­parados. O trabalho de comparar e alistar as leituras varian­tes é conhecido por colação (COMFORT, 1998, p. 215).
1.2.5 O Texto Massorético

A história do texto massorético é um relato por si mesmo significativo. Esse texto da Bíblia hebraica é o mais com­pleto que existe. Forma a base para nossas modernas Bíbli­as hebraicas e é o protótipo pelo qual todas as comparações são feitas no estudo textual do Antigo Testamento. É chamado massorético porque, em sua presente forma, foi baseado na Massora, a tradição textual dos eruditos judeus conhecidos como os massoretas de Tiberíades (local dessa comunidade, no mar da Galiléia). Os massoretas, cuja es­cola de erudição prosperou entre 500 e 1000 d.C. padroni­zaram o tradicional texto consonantal, adicionando pontos vocálicos e notas marginais (o antigo alfabeto hebraico não tinha vogais).

O manuscrito massorético de data mais antiga é o Códice Cairense (895 d.C. atribu­ído a Moisés ben Aser. Esse manuscrito compreende os li­vros tanto dos primeiros profetas (Josué, Juízes, Samuel e Reis) quanto dos últimos (Isaías, Jeremias, Ezequiel e os 12 Profetas Menores). O resto do Antigo Testamento está fal­tando no manuscrito [...] Outro importante manuscrito subsistente atribuído à fa­mília Ben Aser é o Códice Alepo. De acordo com nota con­clusiva encontrada no manuscrito, Aron ben Moisés ben Aser foi responsável por escrever as notas massoréticas e colocar os pontos vocálicos no texto. Esse manuscrito continha todo o Antigo Testamento e data da primeira metade do século X d.C. De acordo com notícias divulgadas, foi destruído em um tumulto antijudaico em 1947, porém mais tarde tal in­forme comprovou-se ser apenas parcialmente verdadeiro. Uma grande parte do manuscrito subsistiu e será usada como base para uma nova edição crítica da Bíblia hebraica a ser publicada pela Universidade Hebraica de Jerusalém [...] O manuscrito conhecido como Códice Leningradense, atu­almente guardado na Biblioteca Pública de Leningrado, é de especial importância como testemunha ao texto de Ben Aser. Segundo nota contida no manuscrito, esse códice foi copia­do, em 1008 d.C., de textos escritos por Aron ben Moisés ben Aser. Visto que o mais antigo texto hebraico completo do Antigo Testamento (o Códice Alepo), não estava disponível aos eruditos no início do século XX, o Códice Leningradense foi usado como base textual para os populares textos hebraicos de hoje: a Bíblia Hebraica, editada por R. Kittel, e sua revisão, a Bíblia Hebraica Stuttgartensia, editada por K. Elliger e W. Rudolf [...] Há um número muito grande de códices de manuscritos menos importantes, que refletem a tradição massorética: o Códice de Petersburgo dos Profetas e os Códices de Erfurt. Também há vários manuscritos que não existem mais, em­bora tenham sido usados pelos eruditos no período massorético. Um dos mais distintos é o Códice Hillel, tradi­cionalmente atribuído ao rabino Hillel ben Moisés ben Hillel, de aproximadamente 600 d.C. Esse códice era dito como muito exato e foi usado para a revisão de outros manuscri­tos. Leituras desse códice são repetidamente citadas pelos antigos massoretas medievais. O Códice Muga, o Códice Jericó e o Códice Jerusalmi, também não mais subsistentes, foram igualmente citados pelos massoretas. [...] A despeito da perfeição dos manuscritos massoréticos da Bíblia hebraica, um importante problema ainda perma­nece para os críticos do Antigo Testamento. Os manuscri­tos massoréticos, antigos como são, foram escritos entre um e dois mil anos depois dos autógrafos originais. (COMFORT, 1998, p. 215-219).


1.2.6 Manuscritos do Mar Morto

Num dia de verão, em 1947, o pastor beduíno árabe, Muhammad ad Dib, da tribo dos Taa'mireh, que se acam­pa entre Belém e o mar Morto, saiu a procura de uma cabra desgarrada nas ravinas rochosas da costa noroeste do referido mar, e encontrou um inestimável tesouro bíbli­co. Estava o pastor junto à encosta rochosa do uádi Qüm­ramo Ao atirar uma pedra numa das cavernas ouviu um barulho de cacos se quebrando. Entrou na caverna e en­controu uma preciosa coleção de MSS bíblicos: 12 rolos de pergaminho e fragmentos de outros. Um dos rolos era um MS de Isaías do ano 100 a.C., isto é, mil anos mais antigo que os exemplares até então conhecidos. Os rolos estão es­critos em papiro e pergaminho e envolvidos em panos de li­nho. Outras cavernas foram vasculhadas e novos MSS fo­ram encontrados.

Novas luzes estão surgindo na interpretação de passa­gens difíceis do Antigo Testamento. Exemplos: em Êxodo 1.5, o total de pessoas é 75, concordando assim com Atos 7.14. (O hebrai­co não tem algarismos para os números e sim letras; daí, para um erro não custa muito) Em Isaías 49.12, o novo MS de Isaías diz "Siene" e não "Sinin". Ora, Siene era uma importante cidade fronteiriça do Egito, às margens do Nilo, junto à Etiópia. É hoje a moderna Assuam, com sua extraordinária represa.

Ezequiel 29.10 e 30.6 referem-se a essa cidade; a versão ARC grafa "Sevené". Muitos eruditos pensavam até agora que o termo "Sinin" de Isaías 49.12 fosse uma alusão à China. É muito confortante saber que os textos desses MSS encontrados concordam com os das nossas Bíblias. Pesquisas revelam que os MSS do mar Morto foram es­condidos pelos essênios - seita ascética judaica - durante a segunda revolução dos judeus contra os romanos em 132­135 d.C. Os responsáveis por um grande mosteiro agora descoberto, ao verem aproximar-se as tropas romanas, es­conderam ali sua biblioteca! Nas 267 cavernas examina­das, foram encontrados fragmentos de 332 obras, ao todo. Encontraram, inclusive, cartas do líder dessa revolta: Bar Kochba, em perfeito estado, estando sua assinatura bem nítida. Nos MSS encontrados há trechos de todos os livros do Antigo Testamento, exceto Ester.

1.2.7 Escritos em Blocos de Pedra

Dos escritos em blocos de pedra há documentos que se tornaram famosos pela antiguidade e conteúdo. Dentre estes se destacam: o Código de Hamurábi e a Pedra de Roseta. 


1.2.7.1 Código  de  Hamurabi

Foi esta uma das mais importantes descobertas arqueológicas que já se fizeram. Hamurabi, rei da cidade de Babilônia, cuja data parece ser 1792-1750 a.C., é comumente identificado pelos assiriólogos com o "Anrafel" de Gn 14, um dos reis que Abraão perseguiu para libertar Ló. Foi um dos maiores e mais célebres dos primitivos reis babilônios. Fez seus escribas coligir e codificar as leis do seu reino; e fez que estas se gravassem em pedras para serem erigidas nas principais cidades. Uma dessas pedras originalmente colocada na Babilônia, foi achada em 1902, nas ruínas de Susa (levada para lá por um rei elamita, que saqueara a cidade de Babilônia no século 12 a.C.) por uma expedição francesa dirigida por M. J. de Morgan. Acha-se hoje no Museu do Louvre, em Paris. Trata-se de um bloco lindamente polido de duro e negro diorito, de 2 m 60 cm de altura, 60 cm de largura, meio metro de espessura, um tanto oval na forma, belamente talhada nas quatro faces, com gravações cuneiformes da língua semito-babilônica (a mesma que Abraão falava). Consta de umas 4.000 linhas, equivalendo, quanto à matéria, ao volume médio de um livro da Bíblia; é a placa cuneiforme mais extensa que já se descobriu. Representa Hamurabi recebendo as leis das mãos do rei-sol Chamás: leis sobre o culto dos deuses dos templos, a administração da justiça, impostos, salários, juros, empréstimos de dinheiro, disputas sobre propriedades, casamento, sociedade comercial, trabalho em obras públicas, isenção de impostos, construção de canais, a manutenção dos mesmos, regulamento de passageiros e serviço de transporte pelos canais e em caravanas, comércio internacional e muitos outros assuntos.
1.2.7.2 A  Pedra  de  Roseta

É a chave da língua egípcia antiga. A língua da antigo Egito era hieroglífica, escrita de figuras, um símbolo para cada palavra. Pelo ano 700 a.C. uma forma mais simples de escrita entrou em uso, chamada 'demótica', mais aproximada do sistema alfabético, e que continuou como língua do povo até aos tempos dos romanos. No 5º século d.C. ambas caíram em desuso e foram esquecidas. De sorte que tais inscrições se tornaram ininteligíveis, até que se achou a chave de sua tradução. Essa chave foi a Pedra de Roseta. Achou-a M. Boussard, um dos sábios franceses que acompanharam Napoleão ao Egito (1799), numa cidade sobre a foz mais ocidental do Nilo, chamada Roseta. Encontra-se hoje no Museu Britânico. É de granito negro, cerca de 1,30 m de altura, 80 cm de largura, 30 cm de espessura, com três inscrições, uma acima da outra, em grego, egípcio demótico, e egípcio hieroglífico, o grego era conhecido. Tratava-se de um decreto de Ptolomeu V, Epífanes, feito em 196 a.C. nas três línguas usadas então em todo o país, para ser colocado em várias cidades. Um sábio francês, de nome Champollion, depois de quatro anos (1818-22) de trabalho meticuloso e paciente, comparando os valores conhecidos das letras gregas com os caracteres egípcios desconhecidos, conseguiu deslindar os mistérios da língua egípcia antiga.

1.2.8 Formato  dos  Livros

O livro, através da sua longa existência, apresentou duas formas bem distintas: o rolo e o códice.

(a)   Rolo. Entre o povo judeu, bem como no mundo grego-latino, os livros eram normalmente publicados em forma de um rolo feito de papiro ou pergaminho. Formava-se o rolo colocando várias folhas de papiro ou couro uma ao lado da outra. O tamanho médio de um rolo entre os gregos era de 11 metros. Alguns rolos chegaram a ter o comprimento de 30 metros. O maior rolo de papiro, conhecido, é uma crônica do rei egípcio Ramsés II, com a extensão de 40 metros, conhecido como o Papiro Harris. O comprimento médio de um rolo bíblico estava entre 9 e 11 metros. Livros longos como Reis, Crônicas e Isaías eram divididos em dois rolos. Os dois maiores livros do Novo Testamento, Lucas e Atos, cada um preencheria um rolo de mais ou menos 10 metros de comprimento. O manuseio de um rolo era mais difícil do que o de um livro atual, porque o leitor necessitava empregar as duas mãos, uma para desenrolá-lo e a outra para enrolá-lo. Além disso, as comunidades cristãs primitivas, em breve descobriram que era difícil encontrar específicos tópicos das escrituras num rolo. Diante dessas dificuldades, o engenho humano idealizou o livro nos moldes em que o temos hoje. Estes livros em seus primórdios eram chamados códices.

(b)   Códices. A palavra códice vem do latim "codex", que designava primitivamente um bloco de madeira cortado em várias folhas ou tabletes para escrever. O códice era formado de várias folhas de papiro ou pergaminho sobrepostas e costuradas. Estes códices começaram a substituir os primitivos rolos no segundo século a.D. A afirmativa de que as comunidades cristãs, começaram a usar os códices nas igrejas, para diferençar dos rolos, usados nas sinagogas, pode ser verdadeira, levando-se em conta o seguinte. Dos 476 manuscritos não cristãos descobertos no Egito, copiados no segundo século a.D., 97% estão na forma de rolo. Em contrapartida, dos 111 manuscritos bíblicos cristãos dos primeiros 4 séculos da Era Cristã, 99 estão na forma de códice.

As vantagens dos códices sobre os rolos, no caso dos manuscritos bíblicos, são evidentes pelas seguintes razões: Permitia que os quatro Evangelhos, ou todas as Epístolas paulinas se achassem num livro; era bem mais fácil o manuseio do livro; adaptava-se melhor para receber a escrita de ambos os lados, baixando assim o custo do livro; a procura de determinadas passagens era mais rápida.

1.3  O Vocábulo "Bíblia"

Este vocábulo não se acha no texto das Sagradas Escrituras. Consta apenas na capa. De onde, pois, vem? Vem do grego, a língua original do Novo Testamento. É derivado do nome que os gregos davam à folha de papiro preparada para a escrita - "biblos". Um rolo de papiro de tamanho pequeno era chamado "biblion" e vários destes eram uma "Bíblia". Portanto, literalmente, a palavra “Bíblia” quer dizer "coleção de livros pequenos". Com a invenção do papel, desapareceram os rolos, e a palavra “biblos” deu origem a "livro", como se vê em biblioteca, bibliografia, bibliófilo etc.
É consenso geral entre os doutos no assunto que o nome Bíblia foi primeiramente aplicado às Sagradas Escrituras por João Crisóstomo, patriarca de Constantinopla, no Século IV. E porque as Escrituras formam uma unidade perfeita, a palavra Bíblia, sendo um plural, como acabamos de ver, passou a ser singular, significando o Livro, isto é, o Livro dos livros; o Livro por excelência. Como Livro divino, a definição canônica da Bíblia é "A revelação de Deus à humanidade". Os nomes mais comuns que a Bíblia dá a si mesma, isto é, os seus nomes canônicos, são: Escrituras (Mt 21.42); Sagradas Escrituras (Rm 1.2); Livro do Senhor (Is 34.16); Palavra de Deus (Mc 7.13; Hb 4.12); Oráculos de Deus (Rm 3.2).

1.4 Nomes atribuídos a Palavra de Deus

a)       Bíblia. A palavra Bíblia, usada com referência às Escrituras Sagradas desde o IV século, é a forma latina da palavra grega Bíblia, plural neutro de Biblion, que por sua vez é diminutivo de Biblos – nome grego para a planta da qual se fazia o papel – papiro  Pelo uso que se fez do papiro é que biblos veio a significar livro e biblion um livro pequeno. Os fenícios se ocupavam grandemente do comércio de papiro, por isso no segundo século a.C. deram o nome de Biblos ao seu principal porto, passando depois à cidade, e conservado até hoje para as suas ruínas. A palavra Biblos encontra-se em Marcos 12.26 como referência a um livro de Velho Testamento, ou a um grupo no plural para designar os livros dos profetas – Daniel 9.2. O plural usado no Velho Testamento passou à Igreja Cristã e as Escrituras são designadas por livros, livros divinos, livros canônicos. O nome Bíblia para o conjunto dos livros sagrados, foi usado pela primeira vez por Crisóstomo, no IV século. Alguns pais da Igreja denominaram as Escrituras de Biblioteca Divina.

b)       Escrituras. O Novo Testamento, que ocupa menos da terceira parte do Velho, usa a expressão – Os Escritos ou as Escrituras para os livros do Antigo Testamento, em Mateus 21.42 e João 5.39.

c)       Outras  Expressões: A Palavra de Deus  (Hb 4.12); A Escritura de Deus  (Êx 32.16); As Sagradas Letras  (1Tm 3.15); A Escritura da Verdade (Dn 10.21); As Palavras da Vida (Atos 7.38); As Santas Escrituras (Rm 1.2).

d)       Nomes figurativos: Uma luz. "Uma luz para o meu caminho" (Sl 119:105); Um espelho (Tg 1.23); Ouro fino (Sl 19.10); Uma porção de alimento (Jó 23.12); Leite (1Co 3.2); Pão para os famintos (Dt 8.3); Fogo (Jr 23.29); Um martelo (Jr 23.29); Uma espada do Espírito (Ef 6.17).

e)        Pentateuco. Etimologicamente, Pentateuco significa cinco estantes, onde se colocavam os livros e depois, por metonímia, os próprios livros. Pesquisando um pouco mais se tem a impressão de que as estantes eram aqueles pedaços de madeira que sustentavam os rolos, vindo depois a designar os próprios rolos. O termo pentateuco, de origem grega, significando cinco rolos tem sido usado para os cinco livros de Moisés, enquanto o nome hebraico para estes mesmos livros é Torá. Este vocábulo começou a ser usado para os primeiros cinco livros da Bíblia depois da tradução da Septuaginta. Estes livros constituem a primeira divisão do Cânon Hebraico, que é formado, como é do conhecimento geral, da Lei, dos Profetas e dos Escritos. Eruditos modernos têm usado o termo "Hexateuco" em vez de Pentateuco, por adicionarem aos primeiros livros da Bíblia o livro de Josué, por notarem muita afinidade entre os seis. Nenhuma razão plausível existe para a aceitação desta nova nomenclatura, desde que o termo tem sido usado por críticos que não admitem tenha sido Moisés o autor do Pentateuco.
f)         Testamento. Este vocábulo não se encontra na Bíblia como designação de uma de suas partes. Sabemos que toda a Bíblia se divide em duas partes chamadas Antigo Testamento e Novo Testamento. Contendo a primeira, os escritos elaborados antes de Cristo, a segunda registra o que foi redigido no primeiro século da nossa era. A palavra portuguesa testamento corresponde à palavra hebraica "berith" – aliança, pacto, contrato, e designa aquela aliança que Deus fez com o povo de Israel no Monte Sinai, aliança sancionada com o sangue do sacrifício como vemos em Êxodo 24.1-8; 34.10-28. Sendo esta aliança quebrada pela infidelidade do povo, Deus prometeu uma nova aliança (Jr 31.31-34) que deveria ser ratificada com o sangue de Cristo. (Mt 26.28). Os escritores neotestamentários denominam a primeira aliança de antiga (Hb 8.13), contrapondo-lhe a nova (2Co 3.6,14). Os tradutores da Septuaginta traduziram "berith" para "diatheke", embora não haja perfeita correspondência entre as palavras, desde que berith designa aliança (compromisso bilateral) e diatheke tem o sentido de "última disposição dos próprios bens", "testamento" (compromisso unilateral). Pela figura de linguagem, conhecida como metonímia, as respectivas expressões "antiga aliança" e "nova aliança" passaram a designar a coleção dos escritos que contém os documentos respectivamente da primeira e da segunda aliança. O termo testamento veio até nós através do latim quando a primeira versão latina do Velho Testamento grego traduziu diatheke por testamentum. São Jerônimo revisando esta versão latina manteve a palavra "testamentum", eqüivalendo ao hebraico "berith" – aliança, concerto, quando a palavra como já foi visto não tinha essa significação no grego. Afirmam alguns pesquisadores que a palavra grega para contrato, aliança deveria ser suntheke, por traduzir melhor o hebraico "berith". As denominações Antigo Testamento e Novo Testamento, para as duas coleções dos livros sagrados, começaram a ser usadas no final do II século a.D. quando os evangelhos e outros escritos apostólicos foram considerados como Escrituras. O cristianismo distinguiu duas etapas na manifestação do dom de Deus à humanidade: A antiga – feita por Deus ao povo de Israel (2Co 3.14); A segunda ou nova designa a união que o próprio Deus, tomando a forma humana, selou com o homem pela oblação de Cristo (2Co 3.6).

g)       Torah. Palavra derivada do verbo Yarah, que no "hifil" significa lançar, jogar (Êx 15.4, 1Sm 20.36) e de modo especial lançar flechas para se conhecer a vontade divina (Js 18.6; 2Rs 13.17). O mesmo verbo é usado no sentido de mostrar com a mão, apontar com o dedo (Gn 46.28; Êx 15.25). A significação fundamental de yarah é, portanto; indicar uma direção. O substantivo cognato tem o sentido bíblico mais corrente: ensinamento, instrução, como se deduz da leitura de Isaías 30.9; 42.4; Mq 4.2; Ml 2.6; Jó 22.22, onde esta palavra aparece. Do estudo desta palavra conclui-se que o termo português "lei" não traduz o vocábulo hebraico em toda a sua extensão. A torah é o ensinamento que inspira bom procedimento em nosso viver.

h)       O termoPalavra”. No Antigo Testamento, a palavra dãbhãr de Deus é usada por 394 vezes para designar alguma comunicação divina provinda da parte de Deus aos homens, na forma  de mandamento, profecia, advertência ou encorajamento. A fórmula usual é  “a palavra de Yahweh veio (literalmente, foi) a ...”, ainda que algumas vezes a palavra de Deus seja vista como uma visão (Is 2.1; Jr 2.31; 38.21). A palavra de Yahweh é uma extensão da personalidade divina, investida de autoridade, e deve ser ouvida tanto pelos anjos como pelos homens (Sl 103.20; Dt 12.32). A palavra de Deus permanece para sempre (Is 40.8), e uma vez proferida não pode deixar de ser cumprida (Is 55.11). É usada como sinônimo da lei, tôrah, de Deus, em Sl 119, onde a referência é  à mensagem escrita e não à mensagem falada da parte de  Deus. No Novo Testamento, “palavra” geralmente traduz dois termos gregos, logos e rhema, a primeira é usada supremamente para designar a mensagem do evangelho cristão (Mc 2.2; At 6.2; Gl 6.6), embora a  última esteja revestida da mesma significação (Rm 10.8; Ef 6.17; Hb 6.5 etc.). Nos pontos seguintes veremos maiores detalhes
1.5 A Palavra “Rhema”

Rhema. Aquilo que é dito, palavra, dito, expressão (Mt 12.36; Mc 9.32). Ameaça (At 6.13). Coisa, objeto, assunto, evento (Mt 18.16; Lc 1.37; 2.15,19,51). Nosso Senhor falou sobre a palavra de Deus (na parábola do semeador, Lc 8.11; Mc 7.13; Lc 11.28), porém, nos evangelhos sinópticos Ele sempre usava o plural para indicar a Sua própria mensagem (“minhas  palavras”,   Mt 24.35 e paralelos; Mc 8.38; Lc 24.44). No quarto evangelho, entretanto, pode-se encontrar o singular com freqüência. Para a Igreja primitiva, a palavra era uma mensagem revelada da parte de Deus em Cristo,  que deveria ser pregada, ministrada e obedecida. Era a palavra da vida (Fp 2.16), da verdade (Ef 1.13), da salvação (At 13.26), da reconciliação (2Co 5.19), e da cruz (1Co 1.18).

1.6 A Expressão “Logos”
Significado etimológico. Tem um grande número de diferentes significados: sua tradução básica é “palavra”, isto é declaração significativa, de onde se desenvolvem seus muitos sentidos “afirmação, declaração, discurso, assunto, doutrina, questão” e, mediante um outro tipo de desenvolvimento, “razão, causa, motivo, respeito”.  Na Bíblia: palavra (Mt 12.37), dizer a palavra (Mt 8.8), assunto sob discussão, matéria, coisa, ponto, tema (Mt 5.32; Mc 9.10), declaração, asserção, afirmação (Mt 12.32; 15.12). A tradução do logos irá, freqüentemente, variar de acordo com o contexto.

Como termo gramatical significa uma sentença finita, em uma declaração lógica de fatos, definição ou julgamento, e na retórica significa uma declaração de oratória corretamente construída.

Como termo de psicologia e metafísica, foi empregado pela Stoá, seguindo Heráclitos, para significar o poder ou função divina pela qual o universo recebe sua unidade, coerência e significado. Logos spermatikos, palavra seminal que, à semelhança de semente, dá forma à matéria disforme. O homem foi criado de acordo com o mesmo princípio, e em si mesmo se diz possuir um Logos, tanto internamente (logos endiathetos, razão), e que se expressa pela fala externamente (logos prophorikos). O termo é igualmente usado como padrão ou norma mediante a qual o indivíduo pode viver  “de conformidade com a natureza”.

Na Septuaginta o termo “Logos” é usado para traduzir a palavra hebraica dãbhãr. A raiz desta palavra significa “aquilo que está por trás” e assim quando é traduzida por palavra, também significa som compreensível; e também pode significar coisa. De acordo com uma característica comum da psicologia dos hebreus, o dãbhãr de um homem é considerado como, em certo sentido, uma extensão de sua personalidade, e, além disso, como algo que possui uma existência substancial toda própria. A palavra de Deus, portanto, é Sua auto-revelação através de Moisés e dos profetas. Também pode ser usada para designar tanto visões isoladas e oráculos como o conteúdo total da revelação inteira, e assim, especialmente o Pentateuco. A palavra possui um poder semelhante ao de Deus, o qual a profere (Is 55.11) e efetua Sua vontade sem qualquer resistência. Por conseguinte o termo pode  referir-se à palavra criadora de Deus.

1.7 A Palavra Escrita e o Verbo Vivo

A revelação que Deus fez de si mesmo centraliza-se em Jesus Cristo. Ele é o Logos de Deus. Ele é o Verbo Vivo, o Verbo encarnado, que revela o Deus eterno em termos humanos. O título Logos só pode ser encontrado nos escritos joaninos, embora o emprego do termo haja sido relevante na filosofia grega daqueles dias. Alguns têm procurado uma ligação entre a linguagem de João e a dos estóicos, dos primeiros gnósticos, ou dos escritos de Filo de Alexandria. Estudos mais recentes sugerem que João foi influenciado primariamente pelos seus alicerces no Antigo Testamento e na fé cristã. É provável, porém, que tivesse consciência das conotações mais amplas do termo, e que a tivesse empregado deliberadamente, com o propósito de transmitir um significado adicional e especial.

O Logos é identificado com a Palavra de Deus na Criação e também com sua Palavra autorizada (a lei para toda a humanidade). João deixa nossa imaginação atônita quando introduz o Logos eterno, o Criador de todas as coisas, o próprio Deus, como o Verbo que se encarnou a fim de habitar entre a sua criação (Jo 1.1-3,14). "Deus nunca foi visto por alguém. O filho unigênito, que está no seio do Pai, este o fez conhecer" (Jo 1.18). O Verbo Vivo tem sido visto, ouvido, tocado, e agora proclamado mediante a Palavra escrita (1Jo 1.1-3). Quando do encerramento do cânon sagrado, o Logos vivo de Deus, o Fiel e Verdadeiro, está em estado de prontidão no Céu, prestes a voltar à Terra como Rei dos reis e Senhor dos senhores (Ap 19.11-16).
A suprema revelação de Deus acha-se no seu Filho. Durante muitos séculos, mediante as palavras dos escritores do Antigo Testamento, Deus havia se revelado progressivamente. Tipos, figuras, sombras e prefigurações desdobravam paulatinamente o plano de Deus para a redenção da humanidade (Cl 2.17). Depois, na plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho para revelar o Pai de forma mais perfeita e para executar aquele gracioso plano mediante a sua morte na Cruz (1Co 1.1 7-25; Gl 4.4). Toda a revelação bíblica, antes e depois da Encarnação de Cristo, centraliza-se nEle. As muitas fontes originárias e maneiras da revelação anterior indicavam e prenunciavam a sua vinda à terra como homem. Toda a revelação subseqüente engrandece e explica a sua vinda. A revelação que Deus fez de si mesmo começou pequena e misteriosa, progrediu no decurso do tempo, e chegou ao seu ponto culminante na Encarnação do seu Filho. Jesus é a revelação mais completa de Deus.

Na Pessoa de Jesus Cristo, coincidem entre si a Fonte e o Conteúdo da revelação. Ele não era mais um meio de comunicar a revelação divina, conforme o foram os profetas e apóstolos. Ele mesmo é "o resplendor da sua glória, e a expressa imagem da sua pessoa" (Hb 1.3). Ele é "o caminho, e a verdade, e a vida"; conhecer a Ele é conhecer também o Pai (Jo 14.6-7). Os profetas diziam: "Veio a mim a Palavra do Senhor", mas Jesus afirmava: "Eu vos digo"! Jesus inverteu o uso do termo "amém", começando assim as suas declarações: "Na verdade [hb. amen], na verdade te digo" (Jo 3.3). Tendo Ele falado, a verdade foi declarada de modo imediato e inquestionável. Cristo é a chave que revela o significado das Escrituras (Lc 24.25-27; Jo 5.39,40; At 17.2,3; 28.23; 2Tm 3.15). Elas testificam dEle e da salvação que Ele outorga mediante a sua morte. O enfoque que as Escrituras dedicam a Cristo não justifica, porém, o abandono irresponsável do texto bíblico nas áreas que parecem ter poucas informações abertamente cristológicas.

2 – LÍNGUAS – CARACTERISTICAS E LINGUAGEM

2.1 Línguas em que a Bíblia Escrita

Quase todos os estudantes da Bíblia sabem que o Velho Testamento foi escrito em hebraico, e o Novo, em grego, mas muitos desconhecem o fato de que há uma terceira língua na Bíblia – o aramaico.

2.1.1 Aramaico

O aramaico foi sem dúvida, desde muito tempo, a língua popular de Babilônia e da Assíria, cuja linguagem literária, culta e religiosa era o sumero-acadiano. Documentos assírios mencionam o aramaico desde 1100 a.C. Durante o reinado de Saul e Davi, os estados aramaicos ou sírios são mencionados na Bíblia (1Sm 14.47; 2Sm 8.3-9; 10.6-8). O aramaico foi trazido para a Palestina porque os assírios seguiam costume de transplantar os povos das nações subjugadas, por isso depois de terem vencido o reino de Israel, trocaram as pessoas e as espalharam através de todo o seu império. 2Rs 17.24 menciona explicitamente que entre os povos trazidos para Samaria a fim de repovoarem a terra devastada, encontravam-se aramaicos de Hamate. Esta língua dotada de grande poder de expansão, tornou-se usual nas relações internacionais de toda a Ásia, e na própria Palestina propagou-se tão largamente, que venceu o próprio hebraico.

O lar original do aramaico foi a Mesopotâmia. Algumas tribos arameanos viviam ao sul de Babilônia, perto de Ur, outras tinham seus lares na alta Mesopotâmia entre o rio Quebar (Khabúr) e a grande curva do Eufrates, tendo Harã como centro. O fato de os patriarcas Abraão, Isaque e Jacó terem conexões com Harã é provavelmente responsável pelo estatuto feito por Moisés de que Jacó era "arameano". Dt 26.5. Deste seu lar ao norte da Mesopotâmia o aramaico se espalhou para o sul de toda a Assíria.

Tudo indica que o aramaico foi preferido pelos assírios e babilônicos por ser mais simples do que a complicada escrita cuneiforme. A prova de sua simplicidade está relatada em 2Rs 18.26, quando Senaqueribe invadiu Judá no fim do VIII século a.C. os oficiais judeus que dominavam tão bem o hebraico quanto o aramaico, pediram ao general assírio que lhes falasse em aramaico. Esta ainda a razão porque durante os setenta anos do cativeiro babilônico os judeus se esqueceram muito do hebraico, adotando em seu lugar o aramaico. Ao voltarem do cativeiro continuaram falando o aramaico, como se depreende da leitura de Neemias 8.1-3 e 8. O aramaico era a língua usada por Jesus (Mc 5.41; 7.34; 15.34), pela maioria das pessoas na Palestina, bem como pelas primeiras comunidades cristãs. Segundo outros estudiosos entre os quais se destaca Robertson, Jesus falava aramaico na conversação diária, mas no ensino público e nas discussões com os fariseus a língua usada era o grego.

Já antes da Era Cristã suplantou totalmente o hebraico que se tornou a língua morta e exclusivamente religiosa. Na Ásia Ocidental, a língua aramaica se difundiu largamente, assumindo naquelas regiões e naquele tempo o mesmo papel que assumem em nossos dias o francês e o inglês. O aramaico, embora ainda utilizado em certas regiões, vai cedendo lugar ao árabe, e corre o perigo de desaparecer como língua falada, pois hoje é falada somente em algumas povoações da Síria. O aramaico desapareceu sob o impacto cultural do grego e do latim, já que deixou de ser conhecido pelos cristãos.

Quem conhece o hebraico pode com facilidade ler e entender o aramaico, dadas as suas marcantes semelhanças. As partes do Velho Testamento escritas em aramaico são as seguintes: A expressão "Jegar-Saaduta" de Gênesis 31.47; O verso de Jeremias 10.11; Alguns trechos de Esdras 4.8 a 6.18; 7.22-26; Partes do livro de Daniel, entre os capítulos 2.4 a 7.28.

2.1.2 Hebraico

A língua hebraica foi a língua dos Hebreus ou israelitas desde a sua entrada em Canaã. A sua origem é bastante misteriosa, porque além do Velho Testamento só possuímos escassos documentos para o seu estudo. O mais provável é que o hebraico tenha vindo do cananeu e foi falado pelos israelitas depois de sua instalação na Palestina. A atual escrita hebraica (chamada "hebraico quadrado") é cópia do aramaico e entrou em uso pouco antes da nossa era, em substituição ao hebraico arcaico. Os Targuns o denominam de "língua sagrada" (Is 19.18); e no Velho Testamento é chamado "a língua de Canaã" ou a língua dos judeus (Is 36.13, 2Rs 18.26-28). Salmo 114.1 mostra a grande diferença entre o hebraico e o egípcio. Israel por estar cercado de povos que falavam uma língua cognata – o aramaico – foi se esquecendo do hebraico, até que este veio a extinguir-se como língua falada. Era ainda a língua de Jerusalém no tempo de Neemias (13.24), cerca de 430 a.C., mas muito antes do tempo de Cristo foi substituída pelo aramaico.

O alfabeto hebraico consta apenas de consoantes, em número de 22. O hebraico é escrito da direita para a esquerda como o árabe e algumas outras línguas semíticas. Sua estrutura fundamental é, como em todas as línguas semíticas, a palavra raiz, composta de três consoantes. É uma língua bastante simples, seus melhores conhecedores sublinham sem hesitação a sua pobreza, quando comparado com o grego ou com línguas modernas, como o inglês e o português. De acordo com a Pequena Enciclopédia Bíblica o vocabulário hebraico na Bíblia conta com apenas 7.704 vocábulos diferentes. A Academia do Idioma Hebraico tem registrado o uso de cerca de 30.000 palavras. Quase não possui adjetivos nem pronomes possessivos, porém, é rica em advérbios. É uma língua quase indigente em termos abstratos.

Quase sempre os pronomes pessoais são ligados às formas verbais como se fossem sufixos ou prefixos. Com raras exceções não faz uso de palavras compostas. O alfabeto hebraico possui letras com sons bem próprios, por isso não apresentam nenhuma semelhança com o nosso alfabeto. Os dois exemplos mais característicos se encontram no "alef" e no "ayin". Se língua é um organismo vivo que se transforma, o hebraico quase pode apresentar-se como exceção, como comprovam os escritos de Moisés e de alguns profetas mil anos depois, cujas diferenças lingüísticas são insignificantes. Este fato tem levado a "alta crítica" a dogmatizar que os escritos do Velho Testamento foram produzidos num espaço de tempo bem pequeno.

Seus processos sintáticos são muito simples, usando pouco as orações subordinadas, preferindo sempre as coordenadas, quase sempre unidas pela conjunção "e" como inegável influência do hebraico. Os tempos do verbo, a exemplo do grego, indicam mais o "aspecto" da ação, conforme ela seja momentânea, prolongada ou repetida. Como língua semítica não classifica os fatos em passados, presentes e futuros, mas em realizados ou de ação acabada (perfeito), e não realizados ou de ação inacabada (imperfeito).

Uma das peculiaridades da língua hebraica com respeito ao sistema verbal é esta: a simples troca de um sinal vocálico determina uma mudança nas formas verbais. Não possui o verbo "ter", enquanto o verbo "ser" é ativo e significa existir eficazmente. Quando os judeus sentiram que o hebraico estava em declínio como língua falada, e que sua leitura correta ia perder-se, criaram um sistema de vocalização. Este trabalho foi feito pelos massoretas, por isso o texto hebraico usado hoje chama-se massorético.
2.1.3 Grego Bíblico

Como é do conhecimento geral, o Novo Testamento foi escrito na Koinê, língua na qual também foi traduzido o Velho Testamento hebraico pelos Setenta. O termo Koinê  significa a língua comum do povo entre os anos 330 a.C. e 330 a.D. Com exceção da Epístola aos Hebreus e da linguagem de Lucas (Evangelho e Atos) que se encontram num Koinê  mais literário, os outros escritos pertencem à língua mais comum ou Koinê  vulgar. O insigne erudito Gustav Adolf Deissmann foi quem primeiro mostrou a identidade do grego do Novo Testamento, salientando que o grego da Bíblia era o Koinê, e não o grego erudito, nem a chamada "linguagem do Espírito Santo" ardorosamente defendida por alguns autores.

2.1.3.1 Características da Linguagem do Novo Testamento

Se fosse possível caracterizar o Koinê, língua em que foi escrito o Novo Testamento, sintetizando-a em uma palavra, a melhor seria "simplificação". Esta conclusão é facilmente deduzida estudando-lhe as características: Substituição dos casos pelas preposições; tendência para simplificar a morfologia e a sintaxe; uso escasso de orações subordinadas, tendo preferência pelas coordenadas ligadas pela conjunção "e"; eliminação do dual e uso parcimonioso do modo optativo, aparecendo apenas 67 vezes no Novo Testamento; uso mais freqüente do artigo; simplificação das riquíssimas formas verbais do grego clássico; mudança de sentido de muitas palavras do grego clássico, por influência religiosa, tais como: batizar, justiça, graça, amor, glória, carne, cruz, mundo, crer, espírito, cálice, dia, etc.; as formas diminutivas se tornam mais comuns; emprego mais generalizado de construções perifrásticas nos verbos; os adjetivos são mais usados no grau superlativo do que no comparativo; preferência pela ordem mais direta, pois no grego clássico predomina a ordem inversa; emprego freqüente dos pronomes sujeitos, em casos dispensáveis, por estarem eles subentendidos nas desinências verbais; idêntico valor fonético para as vogais gregas; emprego de vários latinismos, tais como: legião, centurião, denário, colônia e flagelo; uso freqüente do presente histórico nas narrativas; aparecimento generalizado da parataxe, com prejuízo da hipotaxe.

Parataxe é uma construção mais simples da frase, como as orações coordenadas, enquanto a hipotaxe é mais complexa, isto é, formada de orações subordinadas; uso de palavras que são empréstimos diretos do aramaico, a exemplo de: geena, Eli Eli, Hosana, litóstrotos (gabatá), Satã, Talita cumi, Rabi, Maranata; freqüência de hebraísmos, sobretudo na sintaxe, fastidioso emprego da conjunção "e", pois esta partícula aparece muito no Novo Testamento, em expressões como estas: "e ele falou dizendo", "e disse", "e aconteceu que". As frases: "Filhos da luz'; "filhos da perdição" são eminentemente semíticas.

Quanto à linguagem dos escritores do Novo Testamento haveria muito que dizer, mas fiquemos somente com as seguintes observações: Apenas Hebreus, Lucas e alguns trechos de Paulo são escritos num estilo mais literário.
O vocabulário mais rico não é o de Paulo, mas sim o de Lucas, que emprega 250 palavras novas no Evangelho e, mais ou menos 500, em Atos. Se a linguagem mais polida e mais erudita é a de Lucas, a mais pobre e menos aprimorada, quanto ao estilo, é a de Marcos e a de João, especialmente no Apocalipse. O doutor Benedito P. Bittencour no livro O Novo Testamento, página 67, chama-nos a atenção para a linguagem pouco aprimorada do Apocalipse, onde há violações flagrantes dos corretos cânones da gramática.

2.2 A Sobrenaturalidade da Bíblia

A Bíblia é um fenômeno que só é explicável de um modo: é a Palavra de Deus. Ela não é o tipo de livro que o homem escreveria se pudesse, ou que poderia escrever se quisesse. Outros sistemas religiosos também têm seus desvios excêntricos do curso comum do procedimento humano, desvios esses que não são muitos, e são de pequena importância; e estes, realmente, são de se esperar, considerando que o homem está sempre determinado a crer em um Deus, ou deuses, quer sua crença seja baseada em fatos ou não. O estudante da verdade sempre será convidado a reconhecer contra reivindicações extra-bíblicas e intrabíblicas. Aquilo que é extrabíblico encampa todo o campo das religiões humanamente arquitetadas e especulações filosóficas. O que é intrabíblico encampa todos os cultos e declarações parciais da verdade divina que, embora professem edificar seus sistemas sobre as Escrituras, fazem-no, entretanto, através de falsas ênfases ou negligência da verdade, provocando uma confusão de doutrina que é parente ou talvez até mais desencaminhadora do que o erro sem mistura. Embora não seja possível apresentar uma lista exaustiva, enumeramos aqui alguns dos muitos aspectos sobrenaturais da Bíblia:

2.2.1 O Livro de Deus

Com este título queremos chamar a atenção para a reivindicação que a Bíblia apresenta de que é a mensagem de Deus ao homem e não uma mensagem do homem aos outros homens, muito menos uma mensagem do homem a Deus. Neste Livro, Deus é apresentado como o Criador e Senhor de tudo. É a revelação dele próprio, o registro do que Ele tem feito e vai fazer, e, ao mesmo tempo, a revelação do fato de que cada coisa está sujeita a Ele e que só descobre suas vantagens mais elevadas e seu destino quando se conforma à Sua vontade. Cada palavra da Bíblia é o resultado de sublimes declarações como esta: "Não há Deus como tu, em cima nos céus nem em baixo da terra" (1Rs 8.23), e, novamente: "Tua, Senhor, é a grandeza, o poder, a honra, a vitória e a majestade; porque teu é tudo quanto há nos céus e na terra; teu, Senhor, é o reino, e tu te exaltaste por chefe sobre todos" (1Cr 29.11). "Senhor, Senhor Deus compassivo, clemente e longânimo, e grande em misericórdia e fidelidade" (Êx 34.6). "As suas ternas misericórdias permeiam todas as suas obras" (SI 145.9). Quem, entre a humanidade cega, seria o escritor de ficção capaz de criar os conceitos de um Deus triúno de toda a eternidade que se encontra nas páginas das Escrituras? Quem, entre os homens, planejou o peculiar e perfeito equilíbrio das partes de cada Pessoa da Divindade na redenção, ou o caráter divino na sua consistente e inalterável exibição de santidade infinita e amor infinito: os juízos divinos, a avaliação divina de todas as coisas, inclusive das hostes angélicas e dos espíritos do mal? Quem, entre os homens, já foi capaz de conceber a criação de tais noções interdependentes, além de expressá-Ias perfeitamente numa história em andamento, a qual, sendo acidental, afinal não passa de imitação: uma imitação hipócrita e dissimulada da verdade? Que absurda é a presunção de que o homem sozinho poderia escrever a Bíblia, se assim o quisesse! Mas se o homem não deu origem a Bíblia, Deus o fez, e por causa disso sua autoridade tem de ser reconhecida.

2.2.2 A Bíblia e o Monoteísmo

O fato de que Deus é supremo implica em que não há nenhum outro que se lhe compare; mas quase universalmente a humanidade tem praticado, com uma contumácia que está longe de ser acidental, as abominações da idolatria. O povo judeu, de quem, considerando o lado humano, vieram as Escrituras, não ficaram imunes a esta tendência. Desde os dias do bezerro de ouro, através dos séculos seguintes, os israelitas estiveram sempre revertendo à idolatria e isto apesar da abundância de revelação e castigo. A história da igreja está manchada pelo culto de imagens esculpidas assimiladas do paganismo. Com que insistência o Novo Testamento adverte os crentes a fugir da idolatria e da adoração dos anjos! À luz destes fatos, como poderíamos supor que os homens (até mesmo Israel) pudessem, à parte da direção divina, dar origem a um tratado que, com os olhos apenas na glória de Deus, estigmatiza a idolatria como um dos primeiros e mais ofensivos crimes e insultos contra Deus? A Bíblia não é o tipo de livro que o homem escreveria se pudesse.

2.2.3 A Doutrina da Trindade

Embora defendendo o monoteísmo sem modificação, a Bíblia apresenta o fato de que Deus subsiste em três Pessoas ou modos de ser. A doutrina bíblica da Trindade consiste em que Deus é um em essência, mas três Pessoas em identificação. Sem dúvida, este é um dos grandes mistérios. A doutrina vai além do alcance da compreensão humana, embora seja fundamental na revelação divina. Quando consideradas separadamente, as Pessoas individuais da Divindade apresentam as mesmas evidências indiscutíveis quanto à origem sobrenatural da Bíblia.

Deus Pai. Vasto realmente é o campo das Escrituras que apresenta as atividades e as responsabilidades distintivas que são características da Primeira Pessoa. Dizemos que Ele é o Pai de toda a criação, o Pai do Filho eterno (a Segunda Pessoa) e o Pai de todo aquele que crê para a salvação de sua alma. Esta revelação estende-se a todos os detalhes do relacionamento paternal e inclui a dádiva do Filho para que a graça de Deus pudesse ser revelada. Nenhuma mente humana poderia dar origem ao conceito de Deus Pai como Ele é revelado na Bíblia.

Deus Filho. O registro referente à Segunda Pessoa, que, de acordo com a Palavra de Deus, é o Filho desde a eternidade, que sempre é a manifestação do Pai e que, embora esteja agora sujeito ao Pai, é o Criador das coisas materiais, o Redentor e Juiz final de toda a humanidade, oferece as evidências mais extensas e mais incomensuráveis da origem divina das Escrituras. A Pessoa e a obra do Filho de Deus com Sua humilhação e glória é o tema dominante da Bíblia; mas o Filho, em troca, dedica-se à glória do Pai. As perfeições do Filho não podem nunca ser comparadas ao mais sábio dos homens, nem compreendidas por ele. Se, afinal, esta revelação ilimitada do Filho não passa de ficção, não seria um desafio razoável (mesmo para a mente não regenerada) que este suposto autor fosse descoberto e, com base no truísmo de que a coisa criada não pode ser maior do que o seu criador, fosse adorado e reverenciado acima de tudo o que é chamado de Deus?

Deus Espírito. O Espírito Santo que é apresentado na revelação como igual em cada particular ao Pai e ao Filho, é, não obstante e para a promoção dos atuais empreendimentos divinos, retratado como sujeito a ambos, o Pai e o Filho. Do mesmo modo, Seu serviço é considerado como complemento e administração da obra do Pai e do Filho.

Assim o Deus triúno revelou-se ao homem em termos que o homem, mesmo quando ajudado pelo Espírito, só pode compreender debilmente; e que pueril é a intimação de que estas revelações são o produto dos homens que sem exceção desde os dias de Adão são depravados, degenerados e incapazes de receber ou conhecer as coisas de Deus à parte da iluminação divina! Tal conceito propõe nada menos que a presunção de que o homem deu origem à idéia de Deus, e que o Criador é um produto da criatura.

2.2.4 A Continuidade da Bíblia

A continuidade da mensagem da Bíblia é absoluta em sua inteireza. Ela se mantém coesa por sua seqüência histórica, tipos e antítipos, profecias e seu cumprimento e por antecipação, apresentação, realização e exaltação da Pessoa mais perfeita que jamais andou sobre a terra e cujas glórias são o resplendor do céu. Mas a perfeição desta continuidade se mantém contra o que para o homem seriam impedimentos insuperáveis; pois a Bíblia é uma coleção de sessenta e seis livros que foram escritos por mais de quarenta diferentes autores: reis, camponeses, filósofos, pescadores, médicos, políticos, mestres, poetas e lavradores, que viveram suas vidas em diversos países e não experimentaram nenhum contato ou concordância entre si, e durante um período de não menos que mil e seiscentos anos de história humana. Por causa destes obstáculos de continuidade, a Bíblia seria naturalmente a coleção mais heterogênea, mais desigual, mais inconsonante e contraditória de opiniões humanas que o mundo já viu; mas, pelo contrário, ela é exatamente o que pretende ser, isto é, uma narrativa homogênea, ininterrupta, harmoniosa e ordeira de toda a história do relacionamento de Deus com o homem.
Este livro contendo muitos livros não recebeu a impressão idiossincrática de muitas mentes. Sua harmonia não é a de trombetas tocadas em uníssono, mas, antes, uma orquestração em que, embora absolutamente afinada distingue-se perfeitamente os instrumentos. Em que base esta continuidade plenária poderia ser explicada se afirmássemos que a Bíblia não é a Palavra de Deus?

2.2.5 Profecia e seu Cumprimento

Um grandíssimo número de profecias foram feitas pelos escritores do Antigo Testamento relativamente à vinda do Messias e foram centenas, algumas vezes milhares de anos antes da vinda de Cristo. Essas predições que no propósito divino deveriam se cumprir no primeiro advento de Cristo cumpriram-se literalmente nessa ocasião. Muitas mais permanecem sem cumprimento até que Ele volte e, temos motivos para crer, elas se cumprirão com a mesma precisão. Bastariam dois vaticínios feitos e cumpridos, como os do nascimento virginal de Cristo que aconteceu em Belém de Judá, e o caráter sobrenatural das Escrituras estaria comprovado pela história que registra sua realização; mas quando estas predições chegam a milhares relativamente às Pessoas da Divindade, aos anjos, às nações, às famílias, aos indivíduos e aos destinos, sendo cada uma delas executada exatamente no tempo e lugar prescritos, a evidência é incontestável quanto ao caráter divino das Escrituras.

2.2.6 Tipos com seus Antítipos

Um tipo é um esboço divino que descreve um antítipo. E a ilustração de uma verdade divina feita pela própria mão de Deus. O tipo e o antítipo estão relacionados entre si pelo fato de que a verdade ou o princípio conectivo encontra-se incorporado em cada um deles. Não é prerrogativa do tipo estabelecer a verdade de uma doutrina; antes, ele realça a força da verdade apresentada no antítipo. Por outro lado, o antítipo serve para destacar o tipo no seu lugar comum, colocando-o naquilo que é transcendental, investindo-o com as riquezas e os tesouros até então não revelados. O tipo do Cordeiro Pascal transborda da graça redentora de Cristo com riqueza de significado, enquanto a própria redenção investe o tipo do Cordeiro Pascal de todo o seu maravilhoso significado. A continuidade das Escrituras, a profecia e o seu cumprimento, e os tipos com os seus antítipos, são os três fatores principais que não só servem para apresentar a unidade dos dois Testamentos, como fios entretecidos que passam de um Testamento para outro, ligando-os em um único material, mas também servem para traçar o desenho que pelo seu maravilhoso caráter glorifica o Desenhista. Assim, a tipologia conforme se encontra na Bíblia demonstra que a Bíblia é um livro que o homem não poderia escrever se quisesse. É divina em sua origem como é sobrenatural em seu caráter.
2.2.7 Revelação e Razão

A Teologia Sistemática extrai o seu material tanto da revelação quanto da razão, embora a porção fornecida pela razão seja incerta quanto à autoridade e, quando muito, restrita a um ponto insignificante. A razão, como aqui está sendo considerada, indica as faculdades intelectuais e morais do homem exercitadas na busca da verdade e à parte de ajuda sobrenatural. Desde que Adão andou e falou com Deus (revelação essa que ele sem dúvida comunicou à sua posteridade), nenhum homem na Terra poderia ficar totalmente alheio à revelação divina. Dentro dos limites circunscritos daquilo que é humano, a razão é predominante; mas, quando comparada com a revelação divina, ela é falível e limitada.

2.2.7.1 Revelação

Entendemos que revelação é a manifestação que Deus faz de Si mesmo e a compreensão, parcial embora, da mesma manifestação por parte dos homens. Este modo de definir a revelação acentua que o que se revela é o próprio Deus, e não apenas alguma coisa a respeito de Deus. Na revelação, Deus faz-se conhecido dos homens na sua personalidade e nas suas relações. Revelar é informar, e isto é justamente o que Deus há feito. “Fez conhecidos os seus caminhos a Moisés, e os seus feitos aos filhos de Israel” (Salmos 103.7). Deus informou ao homem acerca de Sua Pessoa e das Suas relações com a criação. Não nos esqueçamos de que o centro de toda a revelação é a pessoa de Deus. Jesus frisou bem esta verdade quando disse que veio revelar o Pai: “Quem me vê a mim, vê o Pai”.
A revelação não tem por fim simplesmente informar o homem acerca de Deus, mas também descobrir Deus ao homem. Deus quer que o homem o conheça; daí a razão de ele se revelar. “Os céus declaram a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos. Um dia faz declaração a outro dia, e uma noite mostra sabedoria a outra noite. Não há linguagem nem fala onde se não ouçam as suas vozes. A sua linha se estende por toda a terra, e as suas palavras até o fim do mundo” (Salmos 19.1-4).

2.2.7.2 Inspiração

Por inspiração entendemos a operação pela qual Deus garantiu o conteúdo da Bíblia como autêntica expressão de sua revelação. Agora perguntamos: Que referência encontramos na própria Bíblia a essa inspiração divina? O texto mais explícito é aquele que se encontra em 2 Timóteo 3.16: "Toda Escritura é divinamente inspirada e proveitosa para ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir em justiça”. O termo grego usado no original é theopneostos, composto de duas palavras gregas: theós. "Deus", e pnéo, "soprar", "respirar". Este termo grego é que foi traduzido por inspirado por Deus. A Escritura inspirada por Deus é a que Timóteo havia aprendido desde a sua meninice e que no versículo anterior se menciona como "Sagradas Escrituras”. Este termo grego não se usa em outra parte do Novo Testamento, mas uma idéia similar encontra-se em 2 Pedro 1.21: "Porque a profecia nunca foi produzida por vontade dos homens, mas os homens da parte de Deus falaram movidos pelo Espírito Santo". No versículo anterior, fala-se de Deus como o sujeito da inspiração; no segundo, em 2 Pedro, fala-se mais especificamente do Espírito Santo nessa mesma função. E, embora aqui o termo grego seja o particípio pheromenos, de um verbo que, entre outros significados, tem o de "ocasionar", "causar", "trabalhar", os dois versículos têm o mesmo sentido. Vale a pena mencionar o comentário que se encontra na obra de Bonnet e Schroeder sobre 2 Timóteo 3.16:

O apóstolo Paulo se contenta em expressar claramente este grande fato que é a base e a garantia de todas as revelações divinas. Mas não expõe nem justifica nenhum sistema humano sobre o modo, a natureza, a extensão da inspiração, tampouco sobre a parte de Deus e do homem na composição das Escrituras. A exegese não pode ir mais longe; tudo mais pertence à dogmática (BONNET, 1968, p. 707).

Assim é, mas, por amor à verdade, devemos dizer que para o apóstolo Paulo seu Antigo Testamento era a Palavra de Deus, sem nenhuma outra consideração, e deve-se ter isto em mente quando se quer refletir dogmati­camente sobre a natureza, extensão ou modo da inspiração.



2.2.7.2.1 Teoria evangélica da inspiração

Com este título queremos dizer que nos ocuparemos do conceito de revelação tal como este é em geral entendido nos meios evangélicos, sem que isto signifique, entretanto, um acordo total na terminologia e na exposição do assunto. Lacy, por exemplo, afirma "que a inspiração como Escrituras foi sobrenatural, dinâmica e plena”. Grau, por sua vez, sustenta que positiva­mente a inspiração bíblica é orgânica, plena e verbal. Mas, apesar das diferenças, existe, de modo geral, acordo sobre este tema, como destacamos a seguir.

O Espí­rito Santo trabalhou nos escritores de acordo com a sua maneira de ser, aproveitando a idiossincrasia pessoal e cultural. Iluminou suas mentes, guiou sua memória e controlou a influência do pecado e do erro para que seu trabalho não malograsse. Não obstante, deixou-os expressar-se à sua maneira em tudo, segundo o seu estilo e vocabulário e de acordo com o seu tempo. Não se pode negar que haja, nos diferentes autores, diferenças de estilo e peculiaridades que os caracterizam. Não há erros nem defeitos, mas as carac­terísticas são percebidas na expressão de cada autor.

A personalidade do escritor não foi anulada. Muitos dos livros da Bíblia contêm passagens que revelam que a preparação prévia e as características pessoais do autor foram utilizadas pelo Espírito Santo. Não podemos discordar dessas afirmações, visto que há evidências nas Escrituras de que isto se deu desta forma. É claro, por exemplo, que o estilo literário de Isaías difere do de Amós; o estilo do Evangelho de Lucas difere do de Marcos; e a epístola de Tiago difere sob este aspecto da de João. Aliás, no mesmo autor, em circunstâncias diferentes, encontramos também estilos diferentes. Para verificar isto, basta comparar Romanos com Filipenses.

Essa combinação do divino com o humano não é algo que apareça apenas na composição das Escrituras, afirmam os teólogos; vemo-Ia, igualmente, na pessoa de nosso Senhor Jesus Cristo: verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus. Assim, as Escrituras são obra de Deus, sem deixar de mostrar, por ele mesmo, a particularidade do instrumento humano.
A posição adotada pelos teólogos protestantes mais antigos e importantes é que, seja qual for a definição que se dê à inspiração, todo o cânon atual, como o temos, participa dela. O sentido original grego da expressão "toda escritura", encontrada em 2 Timóteo 3.16, refere-se a cada um dos escritos sagrados. [...] E esta Sagrada Escritura, em cada uma de suas partes e livros, é inspirada. Essa inspiração para a totalidade do conteúdo da Bíblia é o que o autor denomina "inspiração plena". Este conceito de que a inspiração divina protege a totalidade dos livros bíblicos de erros não nos deve levar a pensar, disse Hammond, que não haja diferença alguma nos propósitos da inspiração. Trata-se, em verdade, de entender que, enquanto todas as Escrituras são plenamente autorizadas por Deus, diferem no tocante à aplicação e ao propósito para o qual foram inspiradas. Diferem sobretudo quanto à aplicação essencial, mais do que em relação ao grau da inspiração. O estudioso deve manter-se prevenido contra uma observação como esta: "O Evangelho de João é mais inspirado do que Eclesiastes".
2.2.8 A iluminação

É aquela influência ou ministério do Espírito Santo que capacita todos os que estão num relacionamento correto com Deus para entender as Escrituras. Acerca de Cristo se escreveu que Ele "abriu" o entendimento deles em relação às Escrituras (Lc 24.32-45). O próprio Cristo prometeu que, quando o Espírito viesse, Ele "guiaria" em toda a verdade.

Finalmente, tanto a revelação como a inspiração pode ser diferenciada da iluminação em que a última é prometida a todos os crentes; que ela admite graus, uma vez que aumenta ou  diminui; que não depende de escolha soberana, antes, de ajustamento pessoal ao Espírito de Deus; e sem ela ninguém nunca seria capaz de aceitar a salvação pessoal (1Co 2.14), ou o conhecimento da verdade revelada de Deus.

2.3 A Autoridade da Bíblia

Podemos dizer que no passado Deus se revelou aos homens; inspirou os homens para que tenhamos hoje um testemunho digno de fé de sua revelação. No passado, Deus dirigiu o processo pelo qual sua revelação chegou até nós sob a forma de uma bíblia. É evidente que de tudo isto surge claramente a autoridade da Bíblia como Palavra de Deus nos assuntos de fé e prática. Ou, como diz o pac­to de Lausanne: "Afirmamos a inspiração divina, a veracidade e a autoridade de ambos os Testamentos, o Antigo e o Novo, em sua integridade, como a única Palavra de Deus escrita, e a única e infalível regra de fé e prática".

A obra de Hammond trata este assunto recordando que há três fontes possíveis da autoridade em assuntos de religião: a razão, a igreja e a Bíblia. Estas três fontes têm de ser necessa­riamente incompatíveis, mas, como exceção, às vezes se combinam. Da razão, "em alguns casos a manipulação racionalista de certos aspectos da fé tem gravemente desviado os homens" (HAMMOND, 1978, p. 51) da igreja, afirma que "tem um lugar de autoridade, mas só em subordinação à Palavra de Deus" (HAMMOND, 1978, p. 52) da Bíblia, conclui que "não há palavras suficientes para destacar a importância de acatar, bem longe de toda dúvida, a autoridade insubstituível das Escri­turas Sagradas em tudo o que se refere à religião, quer se trate da doutrina, quer da prática" (HAMMOND, 1978, p. 53). Nossa última palavra sobre este assunto é uma citação de Donald G. Bloesch. Esse autor afirmou que a autoridade final não é da Escritura em si, mas do Deus vivo que, por meio de Jesus Cristo, é quem nos fala; e afirma:

Devemos, sem dúvida, continuar dizendo que a autoridade absoluta de fé, o próprio Cristo vivo, identificou-se de tal maneira com o teste­munho histórico concernente à sua auto-revelação, mais precisamente as Escrituras Sagradas, que estas participam, necessariamente, da auto­ridade de seu Senhor. A Bíblia deve ser distinguida de seu fundamento e de sua meta, mas não pode separar-se deles. E por isso que Forsyth afirmou: “A Bíblia não é meramente um registro da revelação; é parte da revelação. Não é uma pedreira de dados para o historiador; é uma fonte de vida para a alma”. (BLOESCH, 1978, p. 63).

2.4 A Interpretação da Bíblia

Tem-se dito que a Bíblia necessita, pela dificuldade de entender o seu conteúdo, de uma interpretação infalível que evite que o estudioso não espe­cializado incorra em erro em sua interpretação. A posição que, desde o tempo da Reforma, os evangélicos têm sustentado é a de que o cristão é um juiz idôneo para julgar o conteúdo da revelação bíblica. Disse Hammond: "Susten­tamos que as Escrituras são capazes de oferecer seu significado correto em todas as idades e circunstâncias em que se encontre o homem, sempre que este esteja disposto a ser ensinado pelo Espírito Santo e a obedecer-Ihe" (BLOESCH, 1978, p. 46). Não podemos colocar uma instância superior à clara mensagem da Bíblia, seja esta um teólogo, uma igreja ou uma denominação. Isto não significa que não façamos uso de todas as informações possíveis à nossa disposição para não nos enganarmos ao interpretar a Palavra de Deus. Um princípio de saudável hermenêutica, sem entrar nas complicadas considerações que a teologia atual tem a respeito deste tema, é que um texto se esclarece por seu contexto, seja ele imediato ou mediato. E o contexto mediato, ou distante, de um texto, é, em última análise, a própria Bíblia, o conteúdo total da revelação. Em outras palavras, a Bíblia contém em si a informação necessária para interpretar de forma correta qualquer passagem que ofereça dificuldade. E conquanto usemos a ajuda humana para entender o conteúdo da Bíblia, não nos esqueçamos de que, em última instância, é a Bíblia que julga tal ajuda.

3- DISPENSAÇÕES, ALIANÇAS E COMPOSIÇÕES

3.1 Dispensações e Alianças

O que é uma Dispensação? Como medida de tempo, uma dispensação é um período que se identifica pelo seu relacionamento a algum propósito particular de Deus, um propósito a ser realizado dentro desse período. As primeiras dispensações, tão remotas do presente, não estão muito claramente definidas como as últimas dispensações. Por causa disto, os expositores da Bíblia nem sempre concordam quanto aos aspectos preciosos dos períodos mais remotos. Portanto, uma Dispensação é um período de tempo no qual o homem é testado na sua obediência a alguma revelação específica da vontade de Deus. O propósito de cada dispensação, portanto, é colocar o homem sob uma específica regra de conduta, mas tal mordomia não é uma condição de salvação. Em cada uma das dispensações passadas, o homem não regenerado fracassou, e ele tem fracassado nesta presente dispensação e fracassará no futuro. Mas a salvação tem sido e continuará sendo dispensada pela graça de Deus mediante a fé. Algumas das divisões dispensacionais – sete - óbvias são as seguintes:

a)     Inocência (Gn 1.28).

b)     Consciência ou Responsabilidade Moral (Gn 3.7).

c)      Governo Humano (Gn 815).

d)     Promessa (Gn 12.1).
e)     Lei (Êx 19.1).

f)        Igreja (Atos 2.1).

g)     Reino (Ap 20.4).


Uma aliança é um pronunciamento soberano de Deus através do qual Ele estabelece um relacionamento de responsabilidade:

a)     Entre Ele mesmo e um indivíduo (por exemplo, com Adão na Aliança Edênica, Gn 2.16 e segs.).

b)     Entre Ele mesmo e a humanidade em geral (por exemplo, na promessa da Aliança Noética de nunca mais destruir toda a carne com um dilúvio, Gn. 9.9 e segs.).

c)      Entre Ele mesmo e uma nação (por exemplo, com Israel na Aliança Mosaica, Êx 19.3 e segs.).

d)     Entre Ele mesmo e uma família humana específica (por exemplo, com a casa de Davi na promessa de uma linhagem real perpetuada na Aliança Davídica, 2Sm 7.16 e segs.).

São oito as principais alianças de significado especial que explicam o resultado dos propósitos de Deus para com o homem. São:

a)     Edênica (Gn 2.16).

b)     Adâmica (Gn 3.15)

c)      Noética (Gn 9.16)

d)     Abraâmica (Gn 12.2)

e)     Mosaica (Êx 19.5)

f)        Palestiniana (Dt 30.3)

g)     Davídica (2Sm 7.16)

h)      Nova Aliança (Hb 8.8)

3.1.1 A Primeira Dispensação: Inocência, Gn 1.28

O homem foi criado em inocência, colocado em um ambiente perfeito, sujeito a uma prova simples, e advertido das conseqüências da desobediência. Ele não foi compelido a pecar, mas, tentado por Satanás, preferiu desobedecer a Deus. A mulher foi enganada; o homem transgrediu deliberadamente (1Tm 2.14). A mordomia da Inocência terminou na sentença da expulsão do Éden (Gn 3.24).
3.1.2 A Primeira Aliança: Edênica

Exigia as seguintes responsabilidades da parte de Adão:

a)     Propagar a raça.

b)     Sujeitar a terra ao homem.

c)      Dominar a criação animal.

d)     Cuidar do jardim e comer os seus frutos e ervas.

e)     Abster-se de comer de um único fruto, da árvore do conhecimento do bem e do mal, com a penalidade da morte para a desobediência.

3.1.3 A Segunda Dispensação: Consciência (Responsabilidade Moral), Gn 3.7

O homem pecou (Gn 3.6-7), a primeira promessa de redenção estava para ser feita (Gn 3.15), e nossos primeiros pais seriam expulsos do Éden (Gn 3.22-24). O pecado do homem foi uma rebeldia contra uma ordem específica de Deus (Gn 2.16-17) e marcou uma transição do conhecimento teórico do bem e do mal para o conhecimento experimental (Gn 3.5-7,22). O homem pecou entrando no reino da experiência moral pela porta errada, quando poderia tê-lo feito fazendo o que era certo. Assim o homem tornou-se igual a Deus, através de uma experiência pessoal da diferença entre o bem e o mal, mas também diferente de Deus, passando por esta experiência, no escolher o mal e não o bem. Assim ele foi colocado por Deus sob a mordomia da responsabilidade moral, ficando responsável de praticar todo o bem conhecido, abster-se de todo o mal conhecido e aproximar-se de Deus por meio do sacrifício sangrento aqui instituído, em perspectiva à obra consumada de Cristo. O resultado é apresentado na Aliança Adâmica (Gn 3.14-21). O homem falhou no teste que lhe foi apresentado nesta dispensação (Gn 6.5), como nas outras. Embora, como teste específico, este período de tempo tenha terminado com o dilúvio, o homem continuou em sua responsabilidade moral conforme Deus acrescentou mais revelação referente a Si mesmo e à Sua vontade nos períodos subseqüentes.

3.1.4 Segunda Aliança: Adâmica, Gn 3.15

Condiciona a vida do homem caído - condiciona o que tem de permanecer até que, na dispensação do reino, "a própria criação será redimida do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus" (Rm 8.21). Os elementos da aliança são:

a)     A serpente, instrumento de Satanás, é amaldiçoada (Gn 3.14; Rm 16.20; 2Co 11.3,14; Ap 12.9) e transforma-se na advertência viva de Deus na natureza dos efeitos do pecado - da mais linda e mais sutil das criaturas, em um réptil repugnante.

b)     A primeira promessa de um Redentor (v. 15). Aqui começa "o caminho da Semente": Abel, Sete, Noé (Gn 6.8-10), Sem (Gn 9.26-27), Abraão (Gn 12.1-4), Isaque (Gn 17.19-21), Jacó (Gn 28.10-14), Judá (Gn 49.10), Davi (2Sm 7.5-17), Cristo-Emanuel (Is 7.10-14; Mt 1.1,20-23; Jo 12.31-33; 1Jo 3.8).

c)      A condição da mulher mudou (v. 16) em três aspectos: a) concepção multiplicada; b) sofrimento (dores) na maternidade; c) o senhorio do homem (Gn 1.26-27). A desordem do pecado faz necessário que haja um senhorio; ele é concedido ao homem (Ef 5.22-25; 1Co 11.7-9; 1Tm 2.11-14).

d)     O trabalho leve do Éden (Gn 2.15) mudou para trabalho cansativo (3.18-19), por causa da maldição lançada sobre a terra (3.17).

e)     O inevitável sofrimento da vida (v.17).

f)        A brevidade da vida e a certeza trágica da morte física de Adão e de todos os seus descendentes (v. 19; Rm 5.12-21).

3.1.5 A Terceira Dispensação: Governo Humano, Gn 8.15

Esta dispensação começou quando Noé e sua família saíram da arca. Quando Noé entrou numa nova situação, Deus (na Aliança Noética) sujeitou a humanidade a um novo teste. Antes disso, nenhum homem tinha o direito de tirar a vida de outro homem (Gn 4.10-11,14-15,23-24). A mais alta função do governo é proteger a vida humana, da qual deriva a responsabilidade da pena capital. O homem não deve vingar o homicídio individualmente, mas, na qualidade de grupo corporativo, ele deve salvaguardar a santidade da vida humana como um dom de Deus, que não pode ser exterminado, exceto quando Deus o permite. "Os poderes constituídos foram ordenados por Deus", e resistir-lhes é resistir a Deus. Enquanto, na dispensação precedente, as restrições feitas ao homem eram internas (Gn 6.3), o Espírito de Deus operando através da responsabilidade moral, agora uma nova restrição externa foi acrescentada, isto é, o poder do governo civil.

O homem fracassou em governar com justiça. Este fracasso foi visto de um modo geral, na confusão de Babel (Gn 11.9). Como uma prova específica da obediência, a dispensação do Governo Humano foi seguida, pela da Promessa, quando Deus chamou Abrão como Seu instrumento de bênção para a humanidade. Contudo, a responsabilidade do homem pelo governo não acabou, mas continuará até que Cristo estabeleça o Seu reino.

3.1.6 A Terceira Aliança: Noética, Gn 9.16

Reafirma as condições de vida do homem caído conforme anunciadas pela Aliança Adâmica, e institui o princípio do governo humano para reprimir a expansão do pecado, uma vez que a ameaça do juízo divino na forma de outro dilúvio foi removida. Os elemen­tos da aliança são:

a)     O homem torna-se responsável pela proteção da santidade da vida humana, através de um governo ordeiro sobre o homem individual, até à pena capital (Gn 9.5-6; Rm 13.1-7).

b)     Nenhuma maldição adicional é enunciada sobre a terra, nem o homem deve temer outro dilúvio universal (Gn 8.21; 9.11-16).

c)      A ordem da natureza é confirmada (Gn 8.22; 9.2).

d)     A carne dos animais é acrescentada à dieta do homem (Gn 9.3-4). Presume-se que o homem fosse vegetariano antes do dilúvio.

e)     Uma declaração profética é enunciada sobre os descendentes de Canaã, um dos filhos de Cão, de que seriam servos dos seus irmãos (Gn 9.25-26).

f)        Faz-se uma declaração profética de que Sem terá um relacionamento peculiar com o SENHOR (Gn 9.26-27). Toda a revelação divina é através dos homens semitas, e Cristo, segundo a carne, descende de Sem.

g)     Uma declaração profética é enunciada de que de Jafé virão os grandes povos (Gn. 9: 27).

3.1.7 A Quarta Dispensação: A Promessa, Gn 12.1

Esta dispensação estendeu-se da chamada de Abrão até a concessão da lei no Sinai (Êx 9.3ss) Sua mordomia baseava-se sobre a aliança de Deus com Abrão, citada pela primeira vez aqui, Gn 12.1-3, e confirmada e ampliada em Gn 13.14-17; 15.1-7; 17.1-8,15-19; 22.16-18; 26.2-5,24; 28.13-15; 31.13; 35.9-12.

3.1.8 A Quarta Aliança: Abraâmica, Gn 12.2

Conforme constituída (Gn 12.1-4) e confirmada (Gn 13.14­17; 15.1-7, 18-21; 17.1-8) têm três aspectos:

a)     A promessa de uma grande nação: "De ti farei uma grande nação", Gn 12.2.

b)     Várias promessas pessoais foram dadas a Abraão: Gn 17.16; 13.14-15,17; 15.8; 24.34-35; 15.6; Jo 8.56.

c)      Promessas aos gentios, Gn 12.3.

A Aliança Abraâmica revela o propósito soberano de Deus em cumprir, através de Abraão, o Seu programa para Israel, providenciando em Cristo o Salvador para todos aqueles que crêem. O cumprimento final repousa sobre a promessa divina e o poder de Deus mais do que sobre a fidelidade humana.

3.1.9 A Quinta Dispensação: A Lei, Gn 19.1

Esta dispensação começa com a concessão da lei no Sinai e terminou como período de tempo com a morte sacrificial de Cristo, que cumpriu todas as suas provisões e tipos. Na dispensação anterior, Abraão, Isaque e Jacó, como também as multidões de outros indivíduos, falharam nos testes da fé e obediência que eram da responsabilidade do homem (por exemplo, Gn 16.1-4; 26.6-10; 27.1-25). O Egito também falhou em atender a advertência de Deus (Gn 12.3) e foi julgado. Não obstante Deus providenciou um libertador (Moisés), um sacrifício (o cordeiro pascal) e o poder milagroso para tirar os israelitas do Egito (as pragas do Egito; livramento no Mar Vermelho). Os israelitas, como resultado de suas transgressões (Gl 3.19), foram agora colocados sob a disciplina precisa da lei. A lei ensina:

a)         A santidade espantosa de Deus (Êx 19.10-25).

b)         A horrível hediondez do pecado (Rm 7.13; 1Tm 1.8-10).

c)         A necessidade da obediência (Jr 7.23-24).

d)         A universalidade do fracasso humano (Rm 3.19-20).

e)         A maravilha da graça de Deus em providenciar um caminho até Eles através do sacrifício típico antevendo um Salvador que viria a ser o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo (Jo 1.29), conforme "o testemunho da lei" (Rm 3. 21).

A lei não alterou as provisões nem revogou a promessa de Deus dada na Aliança Abraâmica. Não foi concedida como um modo de vida (isto é, um meio de justificação, Atos 15.10-11; Gl 2.16,21; 3.3-9,14,17,21,24-25), mas uma regra devida para um povo já dentro da aliança de Abraão e coberto pelo sangue do sacrifício, isto é, do cordeiro pascal etc. Um dos seus propósitos foi o de esclarecer a pureza e santidade que deveria caracterizar a vida de um povo, cuja lei seria ao mesmo tempo a lei de Deus (Êx 19.5-6). Daí, a função da lei em relação à Israel foi de restrição disciplinar e corretiva, como aquela exercida sobre os filhos gregos e romanos pelo escravo ou tutor de confiança da casa (Gl 3.24, traduzido para “aio”) para manter Israel sob controle para o seu próprio bem (Dt 6.24):

a)        Até que Cristo viesse (Cristo é realmente o nosso Tutor, pois a graça que nos salva também nos ensina, Gl 3.24; Tt 2.11-12).

b)        Até que a ocasião designada pelo Pai para os herdeiros (filhos da promessa) serem removidos da condição de menoridade legal para os privilégios de herdeiros que atingiram a maioridade (Gl 4.1-3). Isto Deus fez enviando o Seu Filho, e agora os crentes estão na posição de filhos na casa do Pai (Gl 3.26; 4.4-7).

Mas Israel interpretou mal o propósito da lei (1Tm 1.8-10), buscando a justiça através de boas obras e ordenanças cerimoniais (At 15.1; Rm 9.31 – 10.3), e rejeitou o seu próprio Messias (Jo 1.10-11). A história de Israel no deserto, na terra e dispersos entre as nações, tem sido um registro longo de transgressão da lei.

3.1.10 A Quinta: A Aliança Mosaica (19.5) 

Dada a Israel em três divisões, cada uma essencial às outras e juntas formando a Aliança Mosaica, isto é, os mandamentos, expressando a justa vontade de Deus (Êx 20.1-26); os juízos, regulando a vida social de Israel (Êx 21.1-24.11); e as ordenanças, governando a vida religiosa de Israel (Ex 24.12-31.18). Estes três elementos formam "a lei", como essa expressão foi generalizadamente usada no Novo Testamento, (por exemplo, Mt 5.17,18). Os mandamentos e as ordenanças formavam um sistema religioso. Os mandamentos eram um "ministério da condenação" e "da morte" (2Co 3.7-9); as ordenanças davam na pessoa do sumo sacerdote, um representante do povo junto ao SENHOR; e, nos sacrifícios, uma cobertura para os seus pecados em antecipação à cruz (Hb 5.1-3; 9.6-9; comp. Rm. 3.25-26). O cristão não está sob a condicional Aliança Mosaica das obras, a lei, mas sob a Nova Aliança incondicional da graça (Rm 3.21-27; 6.14-15; Gl 2.16; 3.10-14,16-18,24-26; 4.21-31; Hb 10.11-27). A lei não mudou a provisão da Aliança Abraãmica, mas foi uma coisa acrescida apenas por um tempo limitado até que viesse a Semente (Gl 3.17-19).

3.1.11 A Sexta: A Aliança Palestiniana  (Dt 30.3)

Apresenta as condições sob as quais Israel entrou na terra da promessa. É importante ver que a nação ainda nunca tomou a terra sob a Aliança Abraâmica incondicional (Gn 12: 2), nem ainda possui toda a terra (comp. Gn 15.18 com Nm 34.1-12). A Aliança Palestiniana tem sete partes:

a)        A dispersão por causa da desobediência, v.1 (Dt 28.63-68; Gn 15.18).

b)        O futuro arrependimento de Israel quando estiver na dispersão, v.2.

c)        A volta do SENHOR, v.3 (Am 9.9-15; At 15.14-17).

d)        A restauração da terra, v.5 (Is 11.11-12; Jr 23.3-8; Ez 37.21-25).
e)        A conversão nacional, v.6 (Os 2.14-16; Rm 11.26-27).

f)          O julgamento dos opressores de Israel, v. 7 (Is 14.1-2; Joel 3.1-8; Mt 25.31-46).

g)        A prosperidade nacional, v. 9 (Am 9.11-15).

3.1.12 A Sétima: A Aliança Davídica (vs. 8-17)

Sobre a qual o futuro reino de Cristo, "o qual, segundo carne, veio da descendência de Davi" (Rm 1.3), devia ser fundamentado, dava a Davi:

a)       A promessa da posteridade na casa de Davi.
b)       Um trono simbólico de autoridade real.

c)        Um reino, ou governo sobre a terra;

d)       Certeza de cumprimento, pois as promessas a Davi "serão estabelecidos (as) para sempre".
Salomão, cujo nascimento Deus predisse (2Sm 7.12), não recebeu a promessa de uma semente perpétua, mas apenas a certeza de que:

a)       Construiria "uma casa ao meu nome" (v. 13).

b)       O seu reino seria estabelecido (v. 12).

c)        O seu trono, isto é, a autoridade real, permaneceria para sempre.

d)       Se Salomão pecasse, seria castigado, mas não deposto.

A continuidade do trono de Salomão, mas não da semente de Salomão, demonstra a exatidão da predição. Israel teve nove dinastias; Judá, uma. Cristo nasceu de Maria, que não veio da linhagem de Salomão (Jr 22. 8-30); Ele era um descendente de Natã, outro filho de Davi (comp. Lc 3.23­31; e Lc 3.23). José, o marido de Maria, era descendente de Salomão e através dele o trono passou legalmente a Cristo (comp. Mt 1.6,16). Assim, o trono, mas não a semente, veio através de Salomão, que foi precisamente o cumprimento da promessa do SENHOR a Davi.

Em contraste com a promessa irrevogável de cumprimento perpétuo feita a Davi, Salomão é uma ilustração do caráter condicional da Aliança Davídica conforme aplicada aos reis que o seguiram. A desobediência da parte dos descendentes de Davi resultaria em castigo, mas não em anulamento da aliança (2Sm 7.15; SI 89.20-37; Is 54.3,8,10). Assim o castigo caiu, primeiro na divisão do reino sob Reoboão e, finalmente, nos cativeiros (2Rs 25.1-21). Desde aquele tempo apenas um rei da família davídica foi coroado em Jerusalém e esse foi coroado com espinhos. Mas a Aliança Davídica, dada a Davi pelo juramento do SENHOR e confirmada a Maria pelo Anjo Gabriel, é imutável (Sl 89.20-37); e o Senhor ainda dará àquele que foi coroado de espinhos o trono de Davi, seu pai (Lc 1.31-33; At 2.29-32; 15.14-17). Ambos, Davi e Salomão, entenderam que a promessa referia-se literalmente a um reino terreno (2Sm 7.18-29; 2Cr 6.14-16).

3.1.13 A Sexta Dispensação: a Igreja (At 2.1)

Uma nova era foi anunciada por nosso Senhor Jesus Cristo em Mt 12.47-13.52. A Igreja foi claramente profetizada por Ele em Mt 16.18 (comp. Mt 18.15-19), comprada pelo derramamento do Seu sangue no Calvário (Rm 3.24-25; 1Co 6.20; 1Pe 1.18-19), e constituída como Igreja depois de Sua ressurreição e ascensão no Pentecostes quando, de acordo com a Sua promessa (Atos 1.5), os crentes foram pela primeira vez batizados individualmente com o Espírito Santo. Por causa da ênfase dada ao Espírito Santo, esta dispensação também tem sido chamada "dispensação do Espírito".

O ponto de prova desta dispensação é o Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo, a mensagem das boas novas sobre a Sua morte e ressurreição (Jo 19.30; At 4.12; 1Co 15.3-5; 2Co 5.21; etc.). A contínua e cumulativa revelação das dispensações anteriores combina com esta revelação mais completa para enfatizar a total iniqüidade e perdição do homem, e a suficiência da obra historicamente completa de Cristo para salvação, pela graça, mediante a fé, a todos os que vêm a Deus por Ele (Jo 14.6; At 10.43; 13.38-39; Rm 3.21-26; Ef 2.8-9; 1Tm 4.10; Hb 10.12-14).

Enquanto aqueles indivíduos salvos, que compõem a verdadeira Igreja de Cristo, cumprem as ordens do seu Senhor, de pregar o Evangelho até os confins da terra (Mc 16.15; Lc 24.46-48; At 1.8), Deus está formando, durante esta dispensação, ''um povo para o seu nome" (At 15.14) dentre os judeus e os gentios, chamado de "a Igreja" e, portanto especialmente distinto dos judeus e gentios como tais (1Co 10.32; Gl 3.27-28; Ef 2.11-18; 3.5-6).

O Senhor Jesus advertiu que durante todo o período, enquanto a Igreja estiver sendo formada pelo Espírito Santo, muitos rejeitarão o Seu Evangelho e muitos outros pretenderão crer nEle e se tomarão uma fonte de corrupção espiritual e impedimento para o Seu propósito nesta dispensação, na igreja professa. Estes produzirão a apostasia, particularmente nos últimos dias (Mt 13.24-30,36-40,47-49; 2Ts 2.5-8; 1Tm 4.1-2; 2Tm 3.1; 4.3-4; 2Pe 2.1-2; 1Jo 2.18-20). A Dispensação da Igreja chegará ao fim através de uma série de acontecimentos profetizados, o principal dos quais será:

a)       A trasladação da verdadeira Igreja da terra para encontrar o Senhor nos ares em um momento conhecido por Deus, mas não revelado aos homens, e sempre mantido diante dos crentes como uma esperança iminente e feliz, encorajando-os no serviço do amor e na santidade de vida. Este acontecimento geralmente é chamado de "arrebatamento" (1Ts 4.17).

b)       Os juízos da septuagésima semana de Daniel, chamados de "a Grande Tribulação" (Ap 7) que cairão sobre a humanidade em geral, mas incluirão a parte não salva da igreja professa, que terá apostatado e por isso será deixada para trás sobre a terra, quando a verdadeira Igreja for trasladada para o céu. Esta forma final da Igreja apóstata está descrita em Ap 17 como "a meretriz" que primeiro vai "montar" o poder político ("besta"), apenas para ser derrotada e absorvida por esse poder (comp. Ap 18.2).

c)       A volta do Senhor Jesus do céu à terra em poder e glória, trazendo com Ele a Sua Igreja, para estabelecer o Seu reino milenial de justiça e paz (Ap 19.11 e 17).

3.1.14 A Sétima Dispensação: O Reino (Ap 20.4)

Esta é a última das dispensações ordenadas que condicionam a vida humana na terra. É o Reino da Aliança feita a Davi (2Sm 7.8-17).

O Filho maior de Davi, o Senhor Jesus Cristo, reinará sobre a terra como Rei dos reis e Senhor dos senhores por 1.000 anos, associando consigo mesmo naquele Reino, os Seus santos de todas as dispensações (Ap 3.21; 5.9-10; 11.15-18; 15.3-4; 19.16; 20.4,6).

A Dispensação do Reino une dentro de si mesmo e debaixo de Cristo as várias "épocas" mencionadas na Escritura:

a)       O período de opressão e desgoverno termina quando Cristo estabelece o Seu reino (Is 11.3-4).

b)       O período de testemunho e paciência divina termina em julgamento (Mt 25.31-46; At 17.30-31; Ap 20.7-15).

c)        O período de luta termina em repouso e recompensa (2Ts 1.6-7).

d)       O período de sofrimento termina em glória (Rm 8.17-18).

e)       O período da cegueira e castigo de Israel termina em restauração e conversão (Ez 39.25-29; Rm 11.25-27).

f)          O tempo dos gentios termina no desmoronamento da imagem e no estabelecimento do reino dos céus (Dn 2.34-35; Ap 19.15-21).

g)       O período da escravidão da criação termina em livramento e manifestação dos filhos de Deus (Gn 3.17; Is 11. 6-8; Rm 8.19-21).

h)        No final dos mil anos, Satanás é solto por um pequeno período e instiga uma rebelião final que é sumariamente abafada pelo Senhor. Cristo lança Satanás no lago de fogo para ser eternamente atormentado, derrota o último inimigo - a morte - e então entrega o reino ao Pai (1Co 15.24).


3.1.15 A Oitava: A Nova Aliança (Hb 8.8)

A última das oito grandes alianças das Escrituras, é:

a)        "Melhor" do que a Aliança Mosaica Êx 19.5), não moralmente mas em eficácia (Hb 7.19; comp. Rm 8.3-4).

b)        Está estabelecida sobre promessas "melhores" (isto é, incondicionais). Na Aliança Mosaica, Deus disse: "Se..." (Êx 19.5); na Nova Aliança, Ele diz: “Eu farei... “ (Hb 8.10,12).

c)        Sob a Aliança Mosaica, a obediência brotava do temor (Hb 2.2; 12.25-27); sob a Nova, ela brota de um coração e uma mente dispostos (Hb 8.10).

d)        A Nova Aliança garante a revelação pessoal do Senhor a cada crente (v. 11).

e)        Ela assegura esquecimento completo dos pecados (Hb 8.12; 10.17).

f)          Ela repousa sobre uma redenção consumada (Mt 26.27-28; 1Co 11.25; Hb 9.11-12,18-23). Tenha em mente que a mesma palavra grega (diathekê) foi traduzida para "testamento" e "aliança" no N.T.

g)        Ela garante a perpetuidade, conversão futura e bênção de um Israel arrependido, com os quais a Nova Aliança ainda será ratificada (Hb 10.9; comp. Jr 31.31-40).

3.1.16 Resumo das Oito Alianças

a)        A Aliança Edênica (Gn 2.16) condiciona a vida do homem na inocência.
b)        A Aliança Adâmica (Gn 3.15) condiciona a vida do homem caído e dá a promessa de um Redentor.

c)         A Aliança Noética (Gn 9.16) estabelece o princípio do governo humano.

d)        A Aliança Abraâmica (Gn 12.2) inaugura a nação de Israel e confirma, com acréscimos específicos, a promessa adâmica da redenção.

e)        A Aliança Mosaica (Êx 19.5) condena todos os homens, "pois todos pecaram" (Rm 3.23; 5.12).

f)           A Aliança Palestiniana (Dt 30.3) garante a restauração final e a conversão de Israel.

g)        A Aliança Davídica (2Sm 7.16) estabelece a perpetuidade da família davídica (cumprida em Cristo, Mt 1.1; Lc 1.31-33; Rm 1.3), e do reino davídico sobre Israel e sobre toda a terra, a ser cumprida em e por Cristo (2Sm 7.8-17; Zc 12.8; Lc 1.31-33; At 15.14-17; 1Co 15.24).

h)         E a Nova Aliança (Hb 8.8) repousa sobre o sacrifício de Cristo e garante bênção eterna, sob a Aliança Abraâmica (Gl 3.13-29), de todo aquele que crê. É absolutamente incondicional e, considerando que nenhuma responsabilidade é por ela consignada ao homem, ela é final e irreversível.

3.2 A Composição da Bíblia

A mensagem da Bíblia é completa. Ela incorpora cada capítulo e cada versículo em sua perfeita unidade, e todas as suas partes são interdependentes. O domínio de qualquer parte exige o domínio do todo. Se houver tolerância de ênfase desproporcional ou indulgência para com modismos nas doutrinas, pouco progresso se obterá na sua exata compreensão. Os sessenta e seis livros, que por disposição divina formam este todo incomparável, estão divididos em duas partes principais: o Antigo Testamento e o Novo Testamento, e estes Testamentos se prestam ao esclarecimento de dois propósitos divinos supremos: aquilo que é terreno e aquilo que é celestial. Os livros do Antigo Testamento estão classificados em históricos: de Gênesis a Ester; poéticos: de Jó aos Cantares de Salomão; e proféticos: de Isaías a Malaquias. Os livros do Novo Testamento se classificam em históricos: de Mateus a Atos; epistolares: de Romanos a Judas; e proféticos: o Apocalipse. No que se refere à Pessoa de Cristo (que é o tema central de toda a Escritura), o Antigo Testamento é classificado como preparação; os quatro Evangelhos como manifestação; os Atos como propagação; as Epístolas como explanação; e o Apocalipse como consumação. A análise essencial de cada livro, cada capítulo e cada versículo, pertence a outras disciplinas do treinamento do estudante e não à Teologia Sistemática.

3.2.1 Composição do Antigo Testamento

A palavra testamento vem do termo grego "diatheke", e significa: a) Aliança ou concerto, e b) Testamento, isto é, um documento contendo a última vontade de alguém quanto à distribuição de seus bens, após sua morte. Esta é a palavra empregada no Novo Testamento, como por exemplo, em Lucas 22.20. No Antigo Testamento, a pala­vra usada é "berith" que significa apenas concerto. O du­plo sentido do termo grego nos mostra que a morte do tes­tador (Cristo) ratificou ou selou a Nova Aliança, garantin­do-nos toda a herança com Cristo (Rm 8.17; Hb 9.15-17).

Tem, portanto, 39 livros, e foi escrito originalmente em hebraico, com exceção de pequenos trechos que o foram em aramai­co. O aramaico foi a língua que Israel trouxe do seu exílio babilônico. Há também algumas palavras persas. Seus 39 livros estão classificados em 4 grupos, conforme os assun­tos a que pertencem: Lei, História, Poesia, Profe­cia. O grupo ou classe poesia também é conhecido por de­vocional.

a)       LEI. São 5 livros: Gênesis a Deuteronômio. São comumente chamados de Pentateuco.

b)       HISTÓRIA. São 12 livros: de Josué a Ester. Ocu­pam-se da história de Israel nos seus vários períodos: a) Teocracia, sob os juízes. b) Monarquia, sob Saul, Davi e Salomão. c) Divisão do reino e cativeiro, contendo o relato dos reinos de Judá e Israel, este levado em cativeiro para a Assíria, e aquele para Babilônia. d) Pós-cativeiro, sob Zo­robabel, Esdras e Neemias, em conjunto com os profetas contemporâneos.

c)       POESIA. São 5 livros: de Jó a Cantares de Salomão. São chamados poéticos, não porque sejam cheios de ima­ginação e fantasia, mas devido ao gênero do seu conteúdo. São também chamados devocionais.

d)       PROFECIA. São 17 livros: de Isaías a Malaquias. Estão subdivididos em: Profetas Maiores: Isaías a Daniel (5 livros) e Profetas Menores: Oséias a Malaquias (12 livros).

Os nomes maiores e menores não se referem ao mérito ou notoriedade do profeta mais ao tamanho dos livros e à extensão do respectivo ministério profético.

A classificação dos livros do Antigo Testamento, por assunto, vem da versão Septuaginta, através da Vulgata, e não leva em conta a ordem cronológica dos livros, o que, para o leitor menos avisado, dá lugar a não pouca confusão, quando procura agrupar os assuntos cronologicamente. Na Bíblia hebraica (que é o nosso Antigo Testamento), a divisão dos livros é bem di­ferente.

Nas Bíblias de edição católico-romana, os livros de 1 e 2 Samuel e 1 e 2 Reis são chamados 1, 2, 3 e 4 Reis, respecti­vamente. 1 e 2 Crônicas são chamados 1 e 2 Paralipôme­nos. Esdras e Neemias são chamados 1 e 2 Esdras. Tam­bém, nas edições católicas de Matos Soares e Figueiredo, o Salmo 9 corresponde em Almeida aos Salmos 9 e 10. O de número 10 é o nosso 11. Isso vai assim até os Salmos 146 a 147, que nas nossas Bíblias são o de número 147. Deste mo­do, os três salmos finais são idênticos em qualquer das ver­sões acima mencionadas. Essas diferenças de numeração em nada afetam o texto em si, e não poderia ser doutra for­ma, sendo a Bíblia o Livro do Senhor!

3.3 O Texto e Estrutura da Bíblia

3.3.1 Particularidades do Texto

Apesar da grande diversidade de traduções, edições e publicações existentes hoje não só na língua portuguesa, mas como em muitos outros idiomas, relacionamos abaixo algumas particularidades interessantes a saber para melhor interpretação e estudo da Bíblia:

a) As palavras em Itálico

Não constam do original. Foram introduzidas na tradução para completar o sentido do texto ou facilitar sua interpretação. Muitas vezes acabam permitindo duplo sentido exegético.

b) O uso da margem

Muitas Bíblias têm na margem de determinados trechos, a tradução literal do hebraico ou do grego. Às vezes, têm uma tradução diferente quando o caso é duvidoso. São muito úteis essas notas marginais.

c) O sumário dos capítulos

São preparados pelos editores, e nada têm com a inspiração e o texto original. As exceções são algumas frases introdutórias de certos Salmos, como o 4, 5, 6, 7, 8, 9, 22, 32, 45, 46, 53, 56, 69, 75 etc. Tais sumários nem sempre correspondem aos capítulos aos quais se referem. Há casos até negativos, como a parábola dos Dez Talentos", quando não são dez; a "Parábola do Rico e Lázaro", quando não se trata de parábola, e assim por diante.

d) A divisão do texto bíblico em capítulos e versículos
Não vem do original. A primeira Bíblia que trouxe essa divisão foi a Vulgata, em 1555. Em muitos casos, a divisão tanto em capítulos como em versículos, quebra o sentido, parte o texto e altera toda a linha de pensamento. Exemplo de capítulos: Isaías 53, que devia começar em Isaías 52.13, João 8, devia começar em João 7.53;  2 Reis 7 devia começar em 2 Reis 6.24; o capítulo 3 de Colossenses devia terminar em Colossenses 4.1; Atos 5 devia começar em 4.36. Com a divisão em versículos, acontece a mesma coisa, por exemplo: Efésios 1.5 devia começar com as duas últimas palavras de Efésios 1.4; 1 Coríntios 2.9 e 2.10 deviam formar um só versículo. Na Epístola aos Romanos, bem como em Efésios, há diversos casos desses. Também a divisão em versículos não é a mesma em todas as versões:  Dn 3.24-30 da ARC, corresponde à Dn 3.91-97 na Matos Soares; Lc 20.30 na ARC, corresponde à Lc 20.30,31 na  “Brasileira".

e) A divisão do texto em parágrafos é muito útil para a sua compreensão
O Salmo 2, por exemplo, contém 5 parágrafos, tendo cada um aplicação diferente (vv. 1-3, 4-6, 7-9, 10-12a; 12b). Uma versão em português que indica os parágrafos é a ARA, com um tipo negrito cada vez que isso ocorre. Há versões em outras línguas que dão tanta  importância  à  essa  divisão,   que,   para  maior comodidade do leitor, imprimem o próprio sinal gráfico para parágrafo.

4 – PENTATEUCO - ESTRUTURA E ENSAIO
Introdução
           
São cinco os Livros do Pentateuco: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Esses primeiros cinco livros da   Bíblia   são    chamados   "a Lei". Podemos considerá-los como um único livro, embora incluam toda sorte de escritos: narrativas, leis, instruções sobre o culto e as cerimônias religiosas, sermões e genealogias. Mas, de qualquer modo, estes livros possuem tema comum. Depois das narrativas sobre os primórdios do mundo em Gn 1-11, contam a história do povo de Deus desde a vocação de Abraão até a morte de Moisés, compreendendo um período de cerca de 600 anos, ou seja, de aproximadamente 1800 até 1250 a.C. O Gênesis contém a história dos fundadores de Israel: Abraão, Isaac, Jacó e José. Os outros livros da Lei são dominados pela figura de Moisés, o grande líder dos israelitas. A idéia de uma comunidade que obedece à vontade de Deus é o centro destes livros, e por isso lhes deu o nome hebraico de Torá, isto é, "ensinamento" por excelência. Estes cinco livros também são conhecidos pelo no­me grego de Pentateuco ou "cinco ro­los" (literalmente "cinco estojos" nos quais estavam os rolos).

4.1 O Livro de Gênesis

O Gênesis, primeiro livro da Bíblia, é o livro dos inícios, como diz o seu nome (grego) que significa "origem". Trata da criação de uma maneira geral. Fala da origem do homem e da mulher. Explica como as coisas começaram a ir mal e apresenta as boas intenções de Deus em relação à sua criação. O livro está dividido em duas grandes partes. Os caps. 1 - 11 narram a história da criação do mundo e da raça humana. Lemos sobre Adão e Eva, Caim e Abel, Noé e o dilúvio, e a torre de Babel. A criação de Deus foi progressiva­mente deteriorada pelo egoísmo, o or­gulho e a maldade humana. O livro fa­la das origens do pecado e do sofrimento, bem como da promessa de esperança feita por Deus.  Os caps. 12 - 50 passam da história geral da humanidade para a de uma pessoa, Abraão, e sua família. Abraão acreditou e obedeceu a Deus, que o es­colheu para fundar a nação de Israel. Seguem-se as histórias de Isaac, seu fi­lho, de Jacó (também conhecido co­mo Israel), seu neto, e dos doze filhos deste, que são os fundadores das doze tribos de Israel. Depois da narrativa concentra-se num dos filhos de Jacó: José, que é feito prisioneiro no Egito, para onde mais tarde emigra toda a sua família. O li­vro termina com a promessa de Deus de cuidar do seu povo. Todos os capítulos mostram um Deus ativo, que jul­ga e pune as pessoas que fazem o mal, que guia e conserva o seu povo, moldando a sua história. O Gênesis narra a história de alguns grandes homens de fé.

4.2 O Livro de Êxodo
A palavra êxodo vem do grego e significa "saída". O livro do Êxodo narra como o povo de Israel saiu do Egito, onde era escravo, e emergiu como nação livre, com uma esperança para o futuro. A figura central é Moisés, o grande líder de Israel, chamado por Deus para conduzir o povo para fora do Egito. O Êxodo divide-se em três partes: Caps. 1-18: o povo hebreu é libertado da escravidão no Egito. Moisés conduz os israelitas através do deserto até o monte Sinai. Caps. 19 - 24: Deus faz um pacto com o seu povo no Sinal. Dá-lhe normas segundo as quais deve viver, tan­to no deserto como depois que tiver entrado na Terra Prometida. Estas normas estão resumidas nos dez manda­mentos, no capítulo 20. As leis de Deus abrangem a totalidade da vida: o com­portamento particular de uns para com os outros, o comportamento  na vida pública e o comportamento para com Deus. Caps. 25 - 40: Deus dá ao povo de Israel instruções sobre a construção de uma tenda móvel (o tabernáculo) pa­ra adorá-lo.

4.3 O Livro de Levítico
O Levítico é substancial­mente um livro de leis. São leis sobre as cerimônias religiosas, o culto e a vi­da cotidiana, com o objetivo de man­ter o povo de Israel num relacionamen­to justo com Deus. O nome deriva dos sacerdotes (membros da tribo ou clã de Levi) aos quais cabia cuidar das leis do culto. O livro volta constantemente ao tema da santidade de Deus e da sua extraordi­nária bondade, tão diferente do ho­mem. Quando Jesus resumiu a lei, ci­tou o Levítico: "Amarás o teu próxi­mo como a ti mesmo" (Lv 19, 18). Contém as seguintes seções: Caps. 1-7: leis sobre sacrifícios e ofertas e seu significado. Caps. 8-10: leis referentes aos ho­mens que podiam ser sacerdotes e sua destinação para o exercício de suas funções. Caps. 11-15: leis referentes à vida cotidiana, concentradas sobre as coi­sas "puras" e "impuras" que impe­diam as pessoas de participar do cul­to divino por certo tempo. Caps. 16: o dia da expiação, ocasião anual em que se faziam ofertas para "purificar" o povo do pecado. Caps. 17-27: leis sobre a santidade de vida e o culto, com promessas para os que obedecerem e advertências pa­ra os que desobedecerem.
4.4 O Livro de Números

O livro dos Números conta a história de Israel em sua peregrinação de quase quarenta anos pelo deserto do  Sinal. Começa no terceiro ano depois da fuga do Egito e termi­na um pouco antes da entrada em Ca­naã, a terra que Deus tinha prometi­do ao seu povo. O título Números provém das duas "enumerações" (recenseamento) dos israelitas no monte Sinai e nas estepes de Moab, perto do rio Jordão e de Je­ricó. Entre os dois recenseamentos os israelitas estabeleceram-se por algum tempo no oásis de Cades-Barnéia e depois seguiram para uma região a leste do Jordão. O livro dos Números é a longa e tris­te história das queixas e do descontentamento de Israel. Freqüentemente os israelitas deixaram-se dominar pelo medo e pelo desânimo diante das dificuldades. Rebelaram-se contra Deus e seu líder Moisés. Apesar disso, Deus continuou a preocupar-se com o seu povo. Mas só dois homens dos que ti­nham saído do Egito, Calebe e Josué, entraram na Terra Prometida.
4.5 O Livro de Deuteronômio

Consiste de uma série de discursos de Moisés aos israelitas nas estepes de Moab, pouco antes da entrada na Terra Prometida. O nome do livro significa "segunda outorga da lei". Mas na verdade trata-se de nova confirmação das leis dadas por Deus no Sinai (registradas no Êxodo, Levítico e Números) e sua aplicação à vida sedentária na terra de Canaã. No decorrer de seus discursos Moisés repete os grandes eventos dos últimos quarenta anos. Reitera e destaca os dez mandamentos e nomeia Josué seu sucessor para conduzir os israelitas. O grande tema do Deuteronômio é que Deus salvou e abençoou seu povo, e este deve sempre lembrar-se disso, amá-lo e obedecer-lhe. As palavras que Jesus classificou de o  maior  mandamento: "Amarás a Iahweh teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua força", são do Deuteronômio (Dt 6.4-5; Mt 22.37).

5- HISTÓRICO – ESTRUTURA E ENSAIO
Introdução

São 12 livros os livros históricos: Josué, Juízes, Rute, 1 Samuel, 2 Samuel, 1 Reis, 2 Reis, 1 Crônicas, 2 Crônicas, Esdras, Neemias e Ester. Esta seção, que na Bíblia hebraica vai de Josué a Ester, abrange o tempo da conquista, o tempo dos reis, o exílio e o retorno. Está dividida em duas partes. A primeira, isto é, Josué, Juízes, Samuel e Reis, têm o título de "Primeiros Profetas" da Bíblia hebraica. A segunda parte, ou seja, Crônicas, Esdras e Neemias, estavam incluídos nos chamados “Escritos". As duas partes juntas cobrem cerca de 800 anos da história de Israel, do século XIII ao século V a.C. Estes livros foram escritos não simplesmente como história da nação, mas para mostrar como o plano e a mensagem de Deus foram cumpridos na vida de Israel.

5.1 O Livro de Josué

O livro de Josué conta como Israel invadiu Canaã sob o comando de Josué, sucessor de Moisés. Os caps. 1-12 falam da conquista de Canaã, ocorrida provavelmente após 1240 a.C. Estas narrativas poderão ter sido escritas pela primeira vez na época de Samuel, embora o livro como um todo seja parte da grande "história deuteronômica", que vai de Josué a 2 Reis. Não sabemos quem escreveu o livro. A narrativa compreende a travessia do Jordão, a queda da cidade de Jericó e a batalha de Ai. Os caps. 13-22 contam como os israelitas dividiram entre si e ocuparam as terras conquistadas. Os últimos dois capítulos (23-24) trazem o discurso de despedida de Josué e a renovação da aliança com Deus e da sua promessa ao povo em Siquém.

5.2 O Livro de Juizes
O livro dos Juizes é uma coletânea de narrativas referentes aos dois séculos turbulentos, que vão desde o tempo da conquista de Canaã até pouco antes da coroação do rei Saul, isto é, aproximadamente de 1200 a 1050 a.C. Os "Juízes" eram heróis locais das tribos de Israel, geralmente chefes militares, cujos feitos são narrados no livro. Incluem figuras como Débora, Gideão e Sansão. Neste período só a fé comum em Deus manteve de certo modo unidas as tribos de Israel. Quando seguiam os deuses locais, caíam em divisão, tornavam-se fracas e acabavam sendo presas dos cananeus.

5.3 O Livro de Rute

A idílica história de Rute contrasta com os tempos violentos do livro dos Juízes em que se situa. Rute, mulher moabita, desposara um israelita. Quando o marido morreu, ela demonstrou inesperada lealdade para com a sogra israelita e confiou no Deus de Israel. Por fim encontrou novo marido entre os parentes do falecido esposo e através deste casamento tornou-se bisavó do rei Davi e antepassada do próprio Jesus. Embora a religião passasse por crise generalizada naquela época, o livro  de Rute exalta a fé de pessoa comum, uma estrangeira que se convertera ao Deus de Israel.

5.4  Primeiro e Segundo Samuel
             
Estes dois livros narram a história de Israel desde Samuel até os últimos anos de Davi. Tomam o nome do último grande Juiz, Samuel, não porque este os escreveu, mas porque a sua figura domina os primeiros capítulos. Originalmente era um único livro na Bíblia hebraica. Samuel ungiu os dois primeiros reis de Israel - Saul e Davi - como escolhidos de Deus. Os dois cobrem aproximadamente o período de 1075-975 a.C. O autor várias vezes se refere ao reino separado de Judá. Isso indica que a redação final da obra deve ter ocorrido depois de 900 a.C. Mas contém muito material contemporâneo dos eventos descritos, especialmente a história das intrigas da corte de Davi em 2Sm 9-20, que muitos estudiosos acreditam ser obra de secretários profissionais da corte, que foram testemunhas do que escreveram. Os livros de Samuel tratam principalmente da história da ação de Deus em relação à nação de Israel. 1 Samuel conta como Israel passou do governo dos juízes para o regime dos reis. Caps. 1-8: os anos de Samuel como Juiz de Israel. Caps. 9–15: história de Saul, primeiro rei de Israel. Caps. 16-30: As relações entre Davi e Saul. O livro termina (cap.31) com a morte de Saul e de seus filhos. Ainda que agora o povo tivesse um rei,  tanto este como o povo são vistos sob a condução e o juízo de Deus. 2 Samuel narra a história de Davi rei, primeiro de Judá ao sul (caps. 1 - 4), depois de todo o país, inclusive da parte que posteriormente será o reino setentrional de Israel. Lemos como o rei Davi expandiu o seu  reino  e  se tornou soberano poderoso. Davi era homem de profunda fé em Deus e muito popular. Mas às vezes era cruel e impiedoso para conseguir o que queria, por exemplo, no caso da sua determinação de ter para si Bate-Seba, mulher de um dos seus oficiais.

5.5 Primeiro e Segundo Reis

Os dois livros dos Reis abrangem cerca de 400 anos da história de Israel, desde a morte de Davi até a destruição de Jerusalém em 587 a.C. Não sabemos quem foi o autor deles, mas à semelhança de 2 Samuel, é certo que contêm informações tiradas de documentos da corte, contemporâneos aos fatos descritos. Provavelmente passaram por várias edições e revisões até receberem sua forma final durante o exílio em Babilônia (587-539 a.C.). 1 Reis pode ser dividido em duas partes: Caps. 1-11: Salomão sucede ao seu pai Davi como rei de Israel e Judá. O período áureo do seu reinado viu a construção do templo de Jerusalém. Caps. 12 - 22: a nação divide-se, dando origem ao reino de Israel (norte) e ao reino de Judá (sul). O livro narra a história dos reis dos dois reinos, entre os quais Jeroboão (Israel), Roboão (Judá), Acabe (Israel), Josafá (Judá) e Acazias (Israel). Os profetas de Deus anunciam com coragem a sua palavra numa época em que as pessoas se voltam para outros deuses. O maior dentre eles é Elias, cuja disputa com os profetas de Baal no monte Carmelo é narrada em 1Rs 18. 2 Reis continua a história dos dois reinos no ponto em que termina 1 Reis, e igualmente se divide em duas partes. Caps. 1-17: a história dos dois reinos desde a metade do século IX a.C. até a derrota  do  reino  setentrional  pela Assíria e a queda de Samaria em 722 a.C.

Neste período destaca-se o profeta Eliseu, sucessor de Elias, como mensageiro de Deus. Caps. 18 - 25: a história do reino de Judá desde a queda do reino de Israel até a destruição de Jerusalém pelo rei de Babilônia, Nabucodonosor, em 587 a.C. São destacados os reinados de dois grandes reis: Ezequias e Josias. Nos dois livros dos Reis, os soberanos de Israel são julgados com base na sua fidelidade a Deus. O país prospera quando o rei é leal, e entra em decadência quando o rei presta culto a outros deuses. Segundo este modelo, todos os reis do reino do norte representam um fracasso.

5.6 Primeiro e Segundo Crônicas

À primeira vista os livros das Crônicas parecem uma repetição simplificada dos livros de Samuel e dos Reis. Na verdade, o autor reescreve a história para leitores que já conheciam esses livros. Mas tinha dois motivos principais para dar sua própria versão da história dos reis de Israel. Queria mostrar que, apesar dos desastres que atingiram Israel, Deus mantém a sua promessa de cuidar do seu povo. Para isso, concentrou a atenção nos reinados gloriosos de Davi e Salomão e nos bons governos dos reis Josafá, Ezequias e Josias. Queria descrever como começou o culto do templo em Jerusalém, explicar os deveres dos sacerdotes e dos levitas, e mostrar que Davi foi o verdadeiro fundador do templo (ainda que de fato tivesse sido Salomão quem o construiu). O autor, o “Cronista”, provavelmente escreveu para os israelitas que tinham voltado do exílio a fim de reconstruir Jerusalém. Estes precisam entender o seu passado, e o autor lhes recordou que o sucesso da nação dependia da sua lealdade para com Deus. 1Crônicas começa com uma genealogia, que vai de Adão ao rei Saul (caps. 1-9) e entra propriamente no tema com o reinado de Davi e os preparativos deste para a construção do templo (caps. 10-29). 2 Crônicas começa com o reinado de Salomão e a construção do templo (caps. 1-9). Depois de lembrar a revolta das tribos setentrionais sob Jeroboão, continua nos caps. 11-36 com a história dos reis de Judá até a destruição de Jerusalém em 587 a.C.
5.7 O Livro de Esdras

O livro de Esdras continua diretamente as Crônicas e descreve a volta de parte dos judeus exilados de Babilônia. Estes trouxeram um pouco de vida e a restauração do culto em Jerusalém. A narração cobre aproximadamente os anos 583-433 a.C. Partes da obra reproduzem talvez trechos escritos pelo próprio Esdras. A volta a Jerusalém é apresentada nas suas três fases: Caps. 1-2: volta do primeiro grupo com Zorobabel, por ordem do rei persa Ciro. Caps. 3-6: reconstrução do templo e retomada do culto em Jerusalém, apesar das oposições locais. Caps. 7-10: Esdras volta a Jerusalém com outro grupo e contribui para restaurar a religião e o modo de vida de Israel.

5.8 Livro de Neemias

Neemias, um exilado judeu, teve permissão do rei persa Artaxerxes de voltar com um grupo de judeus a Jerusalém em 445 a.C. O livro que tem seu nome, escrito como memória pessoal, apresenta-o como líder nato, e pessoa que confiava plenamente em Deus e para quem orar era coisa tão natural como respirar. Também este livro pode ser dividido em três partes: Caps. 1-7: Neemias retoma a Jerusalém, encoraja o povo a reconstruir os muros da cidade para defender-se de feroz oposição e introduz reformas religiosas que se faziam urgentes. Caps. 8-10: Esdras proclama a lei de Deus diante do povo que, profundamente comovido, confessa sua infidelidade e volta novamente a Deus. Caps. 11-13: atividades de Neemias como governador de Judá, nomeado pelo rei da Pérsia.

5.9 Livro de Ester

A história enquadra-se na época de Esdras e Neemias, ou seja, no período persa. Fala de conspiração urdida no reinado de Assuero (Xerxes) para destruir a raça judaica. Uma heroína judia de nome Ester torna-se rainha dos persas e com a sua coragem consegue salvar o seu povo. O livro mostra como a nação judaica, mais uma vez, foi salva da destruição e explica a origem e a significação da festa judaica do Purim (que celebra esta salvação). Em alguns pontos, o texto grego é mais longo que o hebraico.

6- POÉTICOS – ESTRUTURA E ENSAIO
Introdução

São 5 livros: Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes e Cantares de Salomão. São chamados poéticos, não porque sejam  cheios   de  imaginação  e  fantasia,  mas devido ao gênero do seu conteúdo. Alguns também os chamam de “Livros Devocionais”. No Antigo Testamento os livros dos Provérbios, Jó, Eclesiastes, Eclesiástico e Sabedoria são comumente conhecidos como livros sapienciais.

Escritos deste tipo encontram-se também em outras partes do Antigo Testamento, sob formas diversas, como fábulas, ditados populares e regras gerais de vida. De maneira geral, tratam da vida cotidiana, da boa conduta, das virtudes que se devem cultivar e dos vícios que se deve evitar. A maior parte dos conselhos é fruto do bom senso baseado na experiência. Mas alguns tratam de temas importantes. Os livros de Jó e Eclesiastes tratam de problemas muito sérios (como o sofrimento) e discutem-no a fundo. Entre os livros sapienciais incluem-se também os Salmos e o Cântico dos Cânticos.

6.1 O Livro de Jó

O padrão claramente desenvolvido do livro de Jó, prólogo, discursos e epílogo, além dos ciclos dentro dos próprios discursos, mostra que se trata de uma interpretação teológica sobre certos acontecimentos da vida de Jó. Do início ao fim, o autor tem a intenção de responder a uma pergunta básica: Qual é o significado da fé?, Jó era um chefe de clãs (famílias) de notável piedade, integridade e sabedoria, foi abençoado por Deus com uma prosperidade terrena tal, que se tornara o maior e mais rico de todos no Oriente. Subitamente, porém Jó experimentou uma reversão completa da fortuna, foi vitimado por uma série de grandes calamidades, tendo sido privado de todas as suas possessões e dos seus filhos.  Seu corpo foi tomado por uma enfermidade repulsiva, três amigos  que  vieram  ostensivamente  para  consolar Jó, insistiam que o seu sofrimento tinha como causa o pecado. Mas Jó rejeita veementemente esta afirmação, reafirmando em todo tempo que ele era um homem justo, mas confessou que não tinha capacidade para explicar porque estava lhe sucedendo tudo aquilo. Finalmente Deus responde as repetidas solicitações de Jó, e lhe dá uma explicação direta sobre os seus sofrimentos, não por uma justificação de suas ações, nem por qualquer solução intermediária, mas sim pela vontade de Deus. E isso foi o suficiente para Jó, ele percebeu que Deus, sendo poderoso, misericordioso, justo e  amoroso, não o deixaria sofrer mais. Esse livro serve de um propósito muito alto para as nossas vidas: mostrar que a certeza da fé não descansam nas circunstâncias exteriores, nem em explicações especulativas, mas na certeza da fé em Deus, onisciente e onipotente.
6.2 O Livro dos Salmos

O título hebraico dos Salmos é Tehillim, que significa “louvores”; o título na Septuaginta (tradução do Antigo Testamento para o grego, feita em c. 200 a.C.) é Psalmoi, que significa “cânticos para serem acompanhados por instrumentos de cordas”. O título em português, “Salmos”, deriva da Septuaginta. A música desempenhava papel de importância no culto do antigo Israel (confronte Sl 149; 150; 1Cr 15.16-22); os salmos eram os hinos do povo de Israel. Bem diferente de boa parte da poesia e do cântico do mundo ocidental, compostos com rima ou metrificação, a poesia e o cântico do Antigo Testamento tem por base o paralelismo de pensamento, em  que   a   segunda   linha   (ou linhas sucessivas) da estrofe praticamente faz uma reiteração (paralelismo sinônimo), ou apresenta um contraste (paralelismo antitético), ou, de modo progressivo, completa (paralelismo sintético) a primeira linha. Todas as três formas de paralelismo caracterizam o Saltério.
O salmo mais antigo conhecido vem de Moisés, no século XV a.C. (Sl 90); os mais recentes provêm dos séculos VI e V a.C. (por exemplo, Sl 137). A maioria dos salmos, no entanto, foi escrita no século X a.C., durante a era áurea da poesia em Israel. Os títulos descritivos que precedem a maioria dos salmos, embora não pertençam ao texto original, logo não inspirados, são muito antigos (anteriores à Septuaginta) e importantes.

6.3 O Livro de Provérbios

O Antigo Testamento hebraico era em regra dividido em três partes: a Lei, os Profetas e os Escritos (confronte Lc 24.44). Na terceira parte estavam os livros poéticos e sapienciais, a saber: Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes etc. Semelhantemente, o Israel antigo tinha três categorias de ministros: os sacerdotes, os profetas e os sábios. Estes últimos eram especialmente dotados de sabedoria e conselho divinos a respeito de princípios e práticas da vida.

O livro de Provérbios representa a sabedoria inspirada dos sábios. A palavra hebraica mashal, traduzida por “provérbio”, tem os sentidos de “oráculo”, “parábola”, ou “máxima sábia”. Por isso, há declarações longas no livro de Provérbios (por exemplo, 1.20-33; 2.1-22; 5.1-14), mas há também as concisas, mas  ricas  de sentido e sabedoria, para se viver de modo prudente e justo. O conteúdo de Provérbios representa uma forma de ensino comum no Oriente Próximo antigo, mas no caso deste livro, sua sabedoria é diferente porque veio da parte de Deus, com seus padrões justos para o povo do seu concerto.

O ensino mediante provérbios era popular naqueles antigos tempos, em virtude da sua grande clareza e facilidade de memorização e transmissão de geração em geração. Assim como Davi é o manancial da tradição salmódica em Israel, Salomão é o manancial da tradição sapiencial em Israel (ver Pv 1.1; 10.1; 25.1). Conforme 1Rs 4.32, Salomão produziu 3.000 provérbios e 1.005 cânticos.

Outros autores mencionados por nome em Provérbios são Agur (Pv 30.1-33) e o rei Lemuel (Pv 31.1-9), ambos desconhecidos.

Autores outros estão subentendidos em Pv 22.17 e em Pv 24.23. A maioria dos provérbios teve origem no século X a.C., porém a provável data mais antiga para a conclusão deste livro seria o período de reinado de Ezequias (isto é c. 700 a.C.). A participação dos homens de Ezequias na compilação dos provérbios de Salomão (25.1-29.27) talvez remonte a 715-686 a.C., durante o avivamento espiritual liderado por esse rei temente a Deus. É possível que os provérbios de Agur, de Lemuel e os outros “sábios” também tenham sido compilados nesse período.

6.4 O Livro de Eclesiastes

O livro sintetiza a “sabedoria”, ou seja, observações, pensamentos e sentenças, de um “filósofo” que se oculta sob o pseudônimo de Coélet, “presidente da assembléia” (Eclesiastes em Grego). Tal gênero de escrito era popular nos países antigos do Oriente Médio. O autor examina a vida humana, julga-a breve e absurda, concluindo que ela não tem sentido. Não consegue entender para que serve. Contudo, termina recomendando a aplicação ao trabalho e o gozo do prazer enquanto a vida dura. Grande parte do livro parece deprimente e destrutiva, porque considera a “vida debaixo do sol” exclusivamente do ponto de vista humano. A vida sem Deus não tem objetivo nem sentido, mas a sabedoria e a justiça conferem pelo menos um pouco de nobreza à existência humana.


6.5 O Livro de Cantares de Salomão

É uma coleção de poesias amorosas, que cantam o amor de um homem e de uma mulher. Às vezes é chamado de cântico de Salomão, porque na Bíblia hebraica é atribuído a esse rei. As poesias, cujo cenário é o campo na primavera, exaltam com paixão e entusiasmo o amor e exprimem com franqueza o prazer da atração física.

7- PROFÉTICOS – ESTRUTURA E ENSAIO

Introdução
 
São 17 livros chamados proféticos, que vão de Isaías a Malaquias. Estão subdivididos em Profetas Maiores e Profetas Menores, sua composição é: Profetas Maiores: Isaías,  Jeremias, Lamentações  de Jeremias, Ezequiel e Daniel; Profetas Menores: Oséias, Joel, Amós, Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias.

Os livros trazem o nome de 16 profetas hebreus, aos quais se acrescentam as Lamentações. Os quatro profetas “maiores”, Isaías, Jeremias, Ezequiel e Daniel são seguidos pelos chamados doze profetas “menores”, autores de livros breves. Os livros dos profetas vão desde a época áurea do povo israelita até o exílio e o retorno à pátria. Entre os primeiros contam-se Amós e Oséias, que dirigiram suas mensagens ao reino do norte, no século VIII a.C. Mas a maioria dos profetas atuou no reino de Judá. Aí desenvolveram suas atividades Isaías, Miquéias e talvez também Joel em torno de 700 a.C., mais de cem anos antes da queda de Jerusalém em 587 a.C. Jeremias, Habacuque e Sofonias proclamaram suas palavras nos anos que antecederam a queda da cidade e durante o exílio. Ageu, Zacarias e Malaquias profetizaram durante e após o retorno, a partir de 538 a.C. Alguns profetas tiveram outros destinatários. Jonas e Naum dirigiram mensagens especiais a Nínive, a capital da Assíria destruída em 612 a.C. Daniel é descrito como profeta em Babilônia. Obadias sentenciou contra Edom, antigo inimigo de Israel.

7.1 Os Livros dos Profetas Maiores

7.1.1 O Livro de Isaías
Isaías viveu no século VIII a.C. O livro que trás o seu nome é dos mais impressionantes do Antigo Testamento. Pinta com cores fortes o poder de Deus e contém mensagem de esperança para o seu povo. O chamado de Isaías para a função de profeta é descrito no cap. 6. Ele profetizou durante mais de quarenta anos. Os caps. 1 - 39 pertencem ao período em que o reino de Judá foi ameaçado pela Assíria, o grande império do mundo bíblico de então. Mas Isaías proclamou que o perigo real para a nação estava nos seus pecados e na sua desobediência a Deus. O povo não confiava em Deus e o profeta convidou-o a voltar a ele, a restabelecer a justiça e a agir corretamente. Se não prestasse ouvidos, Judá seria destruído. Isaías também voltou os olhos para o futuro, época em que em todo o mundo reinaria a paz. Um descendente do rei Davi tornar-se-ia o rei ideal que cumpriria a vontade de Deus. Os caps. 40 - 55 tratam da volta do exílio de Babilônia. O povo tinha perdido toda esperança, mas o profeta lhe fala de um tempo em que Deus o libertaria e reconduziria a Jerusalém. Enfatiza o fato de que Deus controla a história e acena ao plano divino de utilizar a nação de Israel para levar a esperança a todos os povos. Esta parte do livro inclui certo número de passagens em que o profeta, olhando para o futuro, fala da vinda do “Servo de Iahweh”, portador de esperança para a nação. Os caps. 56 - 66 formam seção separada, dirigida principalmente aos judeus que voltaram a Jerusalém.

7.1.2 O Livro de Jeremias

Jeremias viveu cerca de cem anos depois de Isaías, tendo sido chamado por Deus à vocação de profeta em 627 a.C. e morrido pouco depois de 587 a.C. Na sua época, a Assíria, a superpotência do norte, entrava em decadência. A nova ameaça do reino de Judá era Babilônia. Por quarenta anos advertiu o povo sobre o futuro juízo de Deus, que o castigaria, por causa da sua idolatria e do seu pecado. Por fim suas palavras cumpriram-se. Em 587 a.C. o exército babilônico, conduzido por Nabucodonosor, destruiu Jerusalém e o templo, levando muitos judeus para o exílio. Jeremias recusou a oferta para ir viver comodamente na corte babilônica e provavelmente morreu no Egito. Os caps. não seguem a ordem cronológica dos fatos. O livro começa com a descrição da vocação de Jeremias. Os primeiros 25 caps. contêm mensagens de Deus dirigidas a Judá durante os reinados dos últimos reis: Josias, Joacaz, Jeoaquim, Joaquim (filho deste) e Zedequias. Os caps. 26 - 45 narram acontecimentos da vida de Jeremias e incluem algumas outras profecias. Os caps. 46 - 51 trazem as mensagens enviadas por Deus a diversas nações estrangeiras. Os capítulos finais descrevem a queda de Jerusalém e o exílio em Babilônia. Jeremias tornou-se muito impopular e foi acusado de traição, porque exortava o povo a render-se aos babilônios. Mas ele amava  o  seu  povo  e  sofria  por  ser obrigado, pela sua dramática missão, a anunciar o juízo de Deus. Era muito inseguro de si, mas jamais traiu a mensagem que Deus lhe confiara. Embora seja lembrado pelo seu pessimismo, também teve palavras de esperança e prometeu que, depois do obscuro período do exílio, Deus reconduziria o seu povo de volta à pátria.
7.1.3 O Livro de Lamentações

O livro das Lamentações é uma coletânea de cinco poemas, que choram a queda de Jerusalém em 587 a.C. e o exílio. O templo tinha sido destruído e a nação via nisso um sinal de que Deus a tinha entregado aos inimigos. O profeta chora o pecado do seu povo. O livro é principalmente um lamento. Mas também contém promessa de esperança. A obra ainda continua sendo lida em voz alta nas sinagogas em julho de cada ano, quando os judeus recordam a destruição do templo em 587 a.C. e em 70 d.C.

7.1.4 O Livro de Ezequiel

O profeta Ezequiel foi levado para o exílio em Babilônia no ano de 597 a.C. e ali viveu antes e depois da queda de Jerusalém em 587 a.C. Foi chamado para a missão de profetizar aos trinta anos de idade e dirigiu sua mensagem tanto aos exilados em Babilônia, quanto ao povo que ainda vivia na longínqua Jerusalém. Quando recebeu o chamado profético também teve uma vívida visão da santidade de Deus (caps. 1-3), que influenciou toda a sua vida. Os caps. 4-24 prevêem o juízo divino sobre Israel: Jerusalém será destruída. Ezequiel também anunciou o juízo de Deus contra as nações que ameaçavam o seu povo (caps. 25-32). Depois da queda de Jerusalém em 587 a.C. mudou o tom de sua mensagem (caps. 33-39), levou conforto ao povo e fez brilhar a promessa e a esperança para o futuro: Deus haveria de libertar Israel. Finalmente descreveu as visões que teve sobre o futuro, em que o povo ofereceria a Deus culto perfeito em templo novo (caps. 40-48). Ezequiel sublinhou a responsabilidade individual diante de Deus e a renovação do povo partindo do coração.

7.1.5 O Livro de Daniel

Daniel é apresentado como exilado de Judá que viveu na corte babilônica no tempo de Nabucodonosor e seus sucessores. Na verdade, parece mais homem de Estado que profeta. O livro que leva seu nome foi escrito no momento em que o povo judeu estava oprimido, talvez durante a perseguição Babilônica sob o domínio de Nabucodonosor. Os caps. 1-6 narram episódios da vida de Daniel e alguns amigos seus, exilados na época do império babilônico e persa. Porque confiaram em Deus e a ele obedeceram a qualquer preço, triunfaram dos seus inimigos. O restante do livro contém uma série de visões do profeta (caps. 7-12), que descrevem em termos figurativos o nascimento e a queda dos impérios. Os perseguidores pagãos cairão e o povo de Deus sairá vitorioso. A versão grega da Setenta e, conseqüentemente, a Bíblia católica, tem mais dois caps., 13-14, que, entre outras coisas, contam a história da casta Susana injustamente acusada, mas salva por Daniel.
7.2 Os Livros dos Profetas Menores

7.2.1 O Livro de Oséias

Oséias viveu mais ou menos na época de Isaías, no século VIII a.C., no reino de Israel. Profetizou durante os tormentosos 40 anos que antecederam a queda de Samaria em 722 a.C.. Israel teve seis reis no espaço de vinte anos e freqüentemente contemporizou com as religiões pagãs. O profeta preocupou-se muito com a idolatria e pintou a infidelidade de Israel com imagens tiradas do seu próprio casamento com mulher infiel (caps. 1 - 3). O juízo de Deus virá, mas no fim o seu amor saberá reconquistar o povo. Os caps. 4 - 13 contêm as mensagens que dirigiu a Israel. Mostram como Deus estava irado, mas ao mesmo tempo não conseguia esquecer o seu amor ao povo. O capítulo final implora a Israel que volte a Deus.

7.2.2 O Livro de Joel
Não conhecemos nada sobre este profeta, nem sabemos em que tempo viveu. Talvez tenha vivido depois do exílio. Seu livro fala de exército de gafanhotos que devoram as colheitas e de seca desastrosa. Trata-se de imagens do iminente juízo de Deus sobre aqueles que lhe desobedecem, imagens do “dia do Senhor”. Joel convida o povo a voltar-se a Deus, que renovará todas as coisas e enviará o seu Espírito sobre todo o povo.

7.2.3 O Livro de Amós

Amós era originário de uma cidade de Judá, mas dirigiu sua mensagem ao reino do norte de Israel. Viveu no século VIII a.C., durante o reinado de Jeroboão II de Israel. Foi pastor e cultivador de uma espécie de figueiras. Naquela época Israel vivia em grande prosperidade e riqueza, o reino também parecia religioso. Mas Amós condenou a sua hipocrisia. Os pobres eram oprimidos e a religião era apenas fachada. Era necessário um homem corajoso pala denunciar a nação em nome de Deus, e Amós desejou que a justiça “corresse como rio”. Em 722 a.C. os assírios destruíram Samaria e levaram o povo ao exílio. Os primeiros 6 caps. do livro de Amós contêm os juízos pronunciados por Deus sobre Israel e seus vizinhos. OS caps. 7-9 apresentam a descrição de cinco visões. O profeta Amós era pastor.
           
7.2.4 O Livro de Obadias

O livro de Obadias é o mais curto do Antigo Testamento e foi escrito depois da queda de Jerusalém em 587 d.C. Os edomitas, antigos inimigos de Judá que habitavam as montanhas a sudeste do mar Morto, aproveitaram a ocasião para invadir o país. Obadias condenou o orgulho de Edom e profetizou a sua derrota. No século V a.C. os árabes derrotaram os edomitas; no século III a.C. foi a vez de os nabateus os subjugarem; finalmente desapareceram da história. Por outro lado, Obadias profetiza o retorno de Israel à sua pátria.

7.2.5 O Livro de Jonas

Diversamente dos outros livros proféticos, o de Jonas tem a forma de uma história. Descreve as aventuras um tanto fabulosas, mas de cunho moral, de um profeta que tentou desobedecer às ordens de Deus. Jonas recebera de Deus a incumbência de ir a Nínive, capital da Assíria, e de converter o seu povo. Finalmente Jonas anunciou a mensagem e ficou desgostoso quando Deus perdoou a cidade, grande inimiga de Israel. O livro mostra o amor e a bondade de Deus, que prefere esquecer e salvar a punir e destruir.

7.2.6 O Livro de Miquéias
O profeta Miquéias foi mais ou menos contemporâneo de Isaías, Amós e Oséias no século VIII a.C., e dirigiu sua mensagem tanto a Judá como a Israel. À semelhança de Amós, Miquéias denunciou os governantes, os sacerdotes e os profetas porque exploravam os pobres e indefesos, defraudavam e desonravam a religião. O juízo de Deus viria sobre Samaria e Jerusalém. Mas também teve palavras de esperança, prometendo que Deus instauraria a paz universal e que da família de Davi surgiria um grande rei, portador da paz. Um dos versículos do seu livro resume grande parte da mensagem dos profetas: “O que lahweh exige de ti: nada mais do que praticar o direito, gostar do amor e caminhar humildemente com o teu Deus!” (Mq 6.8).

7.2.7 O Livro de Naum

O livro de Naum consiste num poema. O profeta prediz que Nínive cairá e regozija-se pelo juízo de Deus contra uma nação cruel e arrogante. De fato, Nínive caiu nas mãos dos babilônios e dos medos em 612 a.C. Provavelmente o livro foi escrito nessa época.

7.2.8 O Livro de Habacuque

Este livro é do fim do século VII a.C., quando Jeremias profetizava em Jerusalém. Era a época dos cruéis babilônios. O profeta pergunta a Deus: “Por que contemplas os traidores, silencias quando um ímpio devora alguém mais justo do que ele?” (Hb 1.13).  Deus responde que intervirá no momento oportuno e punirá os malfeitores. O livro termina com a advertência e a oração do profeta justo, que se alegra sabendo que Deus tem o controle de tudo.

7.2.9 O Livro de Sofonias

Sofonias proclamou a mensagem de Deus a Judá durante o reinado de Josias (640-609 a.C.), no início da atividade de Jeremias. Manassés e Amon, os dois reis anteriores, tinham levado a religião e a moral da nação ao nível mais baixo já alcançado. Sofonias lembra a Judá o juízo que se aproxima por ter abandonado o Deus vivo, e prediz aos vizinhos de Israel a destruição que os espera. Mas ainda que Jerusalém caia, será reconstruída.

7.2.10 O Livro de Ageu

Ageu, Zacarias e Malaquias, os três últimos livros do Antigo Testamento, são da época em que os judeus haviam voltado do exílio, sob a liderança de Esdras e Neemias. Após os primeiros esforços para reconstruir o templo destruído pelos babilônios em 587 a.C., haviam interrompido a obra. O livro de Ageu é coleção de breves mensagens “do Senhor” comunicadas por meio do profeta em 520 a.C. O profeta convida seus conterrâneos a estabelecerem as prioridades justas. É necessário concluir a reconstrução do templo. Deus concederá paz e prosperidade se o povo esquecer suas preocupações egoísticas e puser em primeiro lugar aquilo que deve ter primazia.

7.2.11 O Livro de Zacarias

O profeta Zacarias era de família sacerdotal e, como Ageu, esteve envolvido na reconstrução do templo, concluído em 516 a.C. Os caps. 1.- 8 do livro são profecias pronunciadas entre 520 e 518 a.C., apresentadas sob forma de visões referentes à restauração de Jerusalém, à reconstrução do templo, à purificação do povo de Deus e à promessa do futuro Messias. Os caps. 9 - 14 são uma coleção diferente de oráculos, talvez pronunciados por outro autor. Tratam da espera do Messias e do juízo final.

7.2.12 O Livro de Malaquias

Na época de Malaquias o templo tinha sido reconstruído, mas o povo continuava desiludido. O  exílio havia acabado, mas os tempos continuavam duros, muita gente passava mal e se sentia abandonada por Deus. O profeta lembra-lhes o amor de Deus e convida os sacerdotes e o povo a respeitá-lo e a obedecer-lhe. O povo não dava a Deus o que lhe era devido no sacrifício, no culto e no comportamento.



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