DISCIPLINA: ANTROPOLOGIA
CONCEITO GERAL DE ANTROPOLOGIA
Introdução
Por mais isoladas entre si que tenham vivido as diferentes sociedades humanas sempre souberam, salvo raríssimas exceções, que além de suas fronteiras havia "outros homens": homens que viviam de forma diversa, cuja pele era talvez de outra cor, que não adoravam os mesmos deuses, que pensavam de outra maneira. A curiosidade de conhecer esses homens e povos "diferentes" motivou o nascimento da antropologia, que atualmente não estuda apenas "os outros", mas todos os seres humanos.
1.1. Conceitos gerais
Entre as muitas ciências que têm por objeto o ser humano, a antropologia -- "ciência do homem", segundo a etimologia -- o estuda do ponto de vista das características biológicas e culturais dos diversos grupos em que se distribui o gênero humano, pesquisando com especial interesse exatamente as diferenças.
O nascimento da antropologia como ciência ocorreu a partir dos grandes descobrimentos realizados por navegadores e viajantes europeus. A curiosidade de conhecer povos exóticos, de saber como viviam e pensavam homens de culturas tão distantes da européia, de descobrir que aspecto físico e que costumes tinham, levou à classificação e ao estudo dos dados recolhidos in loco -- isto é, no lugar de origem -- por exploradores, comerciantes e missionários chegados àquelas terras longínquas.
Os primeiros antropólogos tinham como característica comum a distância do objeto de seu estudo, o qual consistia sempre em homens pertencentes a culturas distintas da européia e dela geograficamente afastadas. A moderna antropologia, no entanto, estende sua pesquisa às sociedades industriais e até mesmo às grandes concentrações urbanas. Mas seus instrumentos de trabalho se foram aos poucos delineando justamente no estudo das sociedades "primitivas", mais simples e com um processo de mudança menos vertiginoso que o das sociedades modernas.
Com freqüência, os antropólogos do século XIX relacionavam as características biológicas dos povos com suas formas culturais. Mais tarde, estabeleceu-se que os traços biológicos e os culturais tinham menos ligação entre si do que se acreditara. Isso levou a uma primeira subdivisão das ciências antropológicas em antropologia física e antropologia cultural, esta última comumente assimilada ao conceito de etnologia.
Desde a segunda metade do século XIX a antropologia cultural começou a ser considerada uma ciência humana, com as limitações e ambigüidades próprias dessa categoria científica, enquanto a antropologia física continuou desenvolvendo seus métodos de trabalho -- medição e estabelecimento de correlações entre as medidas encontradas -- como uma ciência natural. Hoje os dois campos estão totalmente diferenciados e poucos são os pesquisadores que trabalham ao mesmo tempo em ambos.
1.1.1. Antropologia e outras ciências
Duas disciplinas muito relacionadas com a antropologia são a arqueologia pré-histórica e a lingüística. A arqueologia, necessária para conhecer o passado das sociedades, pode esclarecer em grande escala seu presente. A terminologia arqueológica, anterior à da antropologia, proporcionou a esta última muitos vocábulos úteis. Por outro lado, a própria antropologia é útil à arqueologia, na medida em que estuda ao vivo sociedades muitas vezes semelhantes -- por exemplo, no desconhecimento dos metais -- a outras já desaparecidas, sobre as quais pode lançar abundante luz.
Também a lingüística é de grande importância para a antropologia, não só porque o conhecimento do idioma se faz necessário ao antropólogo nas pesquisas de campo, isto é, feitas no local de origem, mas também porque muitos conceitos elaborados pelos lingüistas são fundamentais para a análise de determinados aspectos das sociedades: por exemplo, a concepção da sociedade como uma rede de comunicação, a análise estrutural ou a forma em que se organiza a experiência vital do sujeito de uma comunidade em estudo.
A sociologia, por sua vez, pode até certo ponto ser considerada uma "irmã gêmea" da antropologia. Em princípio, o que distingue as duas ciências é o objeto de seu interesse: enquanto o sociólogo se dedica ao estudo das sociedades modernas, o antropólogo comumente pesquisa as sociedades primitivas, embora o estudo das sociedades coloniais e de seu rápido processo de aculturação e modernização social tenha desenvolvido um campo intermediário no qual fica difícil estabelecer os limites entre o trabalho sociológico e o trabalho antropológico. Nesse terreno intermediário surgiu a chamada antropologia social.
O desenvolvimento da psicologia permitiu à antropologia cultural utilizar novas bases para o estudo da relação entre o indivíduo e a sociedade em que vive, da formação da personalidade e de outros aspectos que interessam igualmente às duas ciências. A psicanálise, em particular, impulsionou o desenvolvimento do conceito de cultura a partir de novas bases.
A história proporcionou aos antropólogos muitos dados impossíveis de obter pela observação direta, assim como a antropologia pôs à disposição dos historiadores novos métodos de trabalho, como os que se aplicam à análise da tradição oral.
Quanto à geografia humana, coincide com a antropologia na importância que atribui aos diferentes usos do espaço por parte do homem, à transformação do habitat natural etc. Ambas as ciências estão, além disso, relacionadas com a ecologia humana. Não é de estranhar que muitos dos primeiros antropólogos tenham vindo do campo da geografia.
1.1.2. Quem é o Homem?
“... Que é o homem, para que faças caso dele, para que te ocupes dele, para que o inspeciones cada manhã e o examines a cada momento?" "O homem é a medida de todas as coisas". "Muitas são as coisas grandiosas dotadas de vida, mas a mais grandiosa de todas é o homem". A primeira dessas três frases é uma das perguntas que Jó dirige a Deus; a segunda, uma reflexão do pensador grego Protágoras; e a terceira, uma fala da tragédia Antígona, de Sófocles. A elas poderiam reunir-se milhares de outras sobre o mesmo tema, de todas as épocas e civilizações, o que mostra que nada preocupa tanto o homem quanto a condição humana, e nenhum espetáculo é mais atraente para o homem do que o próprio homem.
Em sentido amplo, homem é qualquer membro da espécie humana. Assim ele é entendido pela filosofia e abordado, em cada um de seus aspectos particulares, pela biologia, antropologia, história, medicina e outras disciplinas que o têm por objeto. A tarefa de definir homem, consiste em procurar respostas para algumas perguntas essenciais: qual a natureza ou a essência do homem? Como se distingue ele dos outros seres orgânicos, especialmente dos animais superiores? Essa distinção é essencial e absoluta, ou apenas uma variação de grau? Qual o lugar do homem no mundo? Qual sua missão ou seu destino? Como se relaciona com Deus ou com absoluto?
1.1.3. Abordagem filosófica
A noção ocidental de homem como indivíduo tem como ponto de partida o pensamento grego. Para Sócrates e Platão, cada ente só pode ser definido se todos os seres do universo estiverem classificados segundo certas articulações lógicas e ontológicas. Definir um ente consiste então em tomar a categoria à qual ele pertence e situar essa categoria no lugar ontológico que lhe corresponde. Esse lugar ontológico é determinado por dois elementos de caráter lógico: a categoria próxima e a diferença específica. Por eles se chega à definição de Aristóteles: o homem é um animal racional. Animal é a categoria próxima, na qual se inclui o homem; racional é a diferença específica, por meio da qual se distingue conceitualmente o homem dos outros animais. Para a filosofia grega, o homem é um "ser racional", ou melhor dito, um animal que possui razão. Essa definição implica dizer que o homem é uma coisa cuja natureza consiste em poder dizer o que são as outras coisas. Ou seja, a razão permite ao homem definir-se e definir o conjunto do universo.
Os gregos admitem que o homem tenha sido "formado", e também que sua formação tenha obedecido a condições especiais em relação aos demais seres, mas rejeitam a hipótese da criação. A visão do homem como ser criado é comum ao judaísmo e ao cristianismo e exerceu forte influência sobre todas as concepções filosóficas relacionadas com essas religiões e também com o islamismo. O homem seria, então, uma criatura, ou seja, um ser cuja realidade não é própria, mas que foi criado "à imagem e semelhança de Deus", o que lhe confere superioridade em relação aos outros seres. Para os gregos, o homem vive em dois mundos: o mundo sensível, que ele apreende pelos sentidos, e o mundo inteligível, que apreende pela razão, e onde se confirma sua realidade como ser racional.
Na concepção judaico-cristã, o homem também se acha suspenso entre dois mundos: o finito e infinito, o que opõe em uma mesma natureza a insignificância e a imensa grandeza. Afirma Pascal que "... a natureza do homem pode ser considerada de duas maneiras: uma, segundo seu fim, e então é grande e incomparável; outra, segundo a multidão, como se aprecia a natureza do cavalo e do cão, e então é abjeto e vil. Esses são os dois caminhos que levam a julgamentos tão diversos do homem, e a tantas discussões dos filósofos".
1.1.4. Abordagem biológica
Para as ciências naturais, a dificuldade de definir o que seja "homem" consiste em escolher entre dois pontos de vista: o da estrutura anatômica e o que se refere às faculdades reflexivas. No primeiro caso, o homem encontrar-se-ia imerso em sua animalidade; no segundo, estaria pairando sobre o mundo, isolado da natureza. Uma definição mais abrangente e completa de homem deveria levar em conta, portanto, tudo o que nele seja suscetível de constatação positiva, isto é, além da conformação anatômica, é preciso considerar a faculdade de pensar. Dessa dupla abordagem se depreende a originalidade do fenômeno humano.
O mais exterior dos caracteres humanos é sua tênue diferenciação morfológica, dada por especializações anatômicas (a face menor que o crânio, a postura vertical etc.) e fisiológicas (o desamparo em que se encontra o ser humano nos primeiros meses de vida, a sexualidade aperiódica etc.). Mesmo assim, dentro dos critérios adotados pela biologia para classificar os seres vivos, pode-se dizer que, por sua estrutura orgânica, o homem não pode aspirar senão a um lugar modesto na taxionomia animal: ele pertence ao subfilo dos vertebrados, à ordem dos primatas e a uma família formada por um único gênero, Homo. Mas outra característica zoológica do homem evidencia prontamente sua originalidade: a capacidade de expansão e conquista. Apesar da homogeneidade do grupo humano, o homem conquistou em relação ao conjunto do globo um sucesso vital sem precedentes, que se explica, pelo menos em parte, pela aparição, com o homem, de uma nova fase na história da vida: o uso de instrumentos artificiais, mais uma característica do fenômeno humano.
As tentativas de inserir o homem dentro da ordem dos primatas não primam pela precisão, uma vez que as diferenças de detalhes são complexas e controversas. O tamanho, e mais ainda, a complexidade do cérebro humano em relação ao dos primatas não-humanos constitui o principal ponto de diferenciação anatômica. A postura ereta é também um aspecto importante. Outras características anatômicas que distinguem o homem dos outros primatas, seja dos macacos antropóides, seja dos primatas inferiores, além do tamanho absoluto e relativo do cérebro, são: o pé, que serve de suporte e não é preênsil; o primeiro dedo do pé, que não é oponível; os maxilares, de tamanho reduzido e pouco salientes; a ausência de caninos salientes e interpostos; curva lombar, bacia e pelve formadas ou modificadas para atender às funções de equilíbrio e suporte do corpo na posição ereta; membros inferiores hipertrofiados, adaptados para o andar bípede; membros superiores mais curtos e aperfeiçoados, com mãos grandes e preênseis, dotadas de dedos curtos e polegar oponível; nariz saliente com pontas e asas bem desenvolvidas; ausência completa de pelos táteis ou tentáculos; escassez acentuada de pêlo secundário no corpo, exceto na cabeça, regiões axilares e púbica e no rosto dos adultos masculinos; e presença de lábios cheios, invertidos e membranosos.
1.1.5. Abordagem psico-sociológica
Permanece vaga e ambígua a correlação entre as dimensões física e cultural do homem. Tal ambigüidade levanta a dúvida quanto ao problema de ser o homem causa ou resultado, criatura ou criador de seu patrimônio cultural. A questão do determinismo ou da liberdade da condição humana extrapola o âmbito da antropologia e convoca a uma perspectiva inovadora no campo das ciências humanas, trazida pela psicologia: o conceito psicanalítico de inconsciente. Essa noção, que foi a principal descoberta de Sigmund Freud, veio mostrar que o psiquismo não é redutível ao consciente e que certos conteúdos psíquicos só se tornam acessíveis à consciência depois de vencidas certas resistências.
Para a sociologia, o homem, como ser social, é resultado de processos sociais e de cultura que antecedem ao aparecimento do indivíduo. O homem nasce com uma base orgânica, que o permite desenvolver-se em pessoa. Seus órgãos e sentidos estabelecem o contato entre o que é verdadeiramente hereditário, natural e individual, e a vida social e a cultura. O comportamento humano dá-se num quadro de circulação permanente de informação. Cada homem recebe ininterruptamente estímulos diversos e diversamente organizados, aos quais responde por comportamentos. Se isso é verdadeiro para qualquer ser vivo, no homem se distingue pelas propriedades de sistematização, de transferência e de significação.
1.1.6. Abordagem antropológica
A classificação dos seres vivos proposta por Lineu e George-Louis Leclerc Buffon, no século XVIII, permitiu pela primeira vez integrar o homem numa série zoológica e estudá-lo pelo método das ciências naturais. A espécie Homo sapiens faz parte do gênero Homo, o que deixa aberta a possibilidade de existência de outras espécies. O próprio gênero Homo pertence à família dos hominídeos, à ordem dos primatas, à classe dos mamíferos, ao subfilo dos vertebrados e ao filo dos cordados. Dentro da espécie, pode-se distinguir os grupos (negro, branco, pigmeu etc.) e dentro de cada grupo as raças (nórdica, alpina, australiana etc.), depois as sub-raças, os tipos etc.
A classificação do homem a partir do modelo zoológico introduziu o conceito diferencial de raça e, ao mesmo tempo, tornou possível definir a espécie por outros aspectos que não a racionalidade. Homo sapiens não é necessariamente sinônimo de animal racional. Os critérios anatômicos e fisiológicos é que foram considerados com maior rigor para a diferenciação da espécie. A antropologia preocupou-se também com os problemas da origem e da filiação da espécie. O Homo sapiens não é senão o elo atual de uma ou várias longas cadeias de ancestrais hominídeos e pré-hominídeos e talvez símios. Mas a reação à taxionomia positivista acabou por impor um modelo que, sem desprezar os traços anatomo-fisiológicos, restituiu à antropologia geral as dimensões mentais do homem -- psicológicas, culturais etc.
Outra contribuição ao aprofundamento da perspectiva antropológica foi o estudo da herança cultural. Em muitos aspectos, é ela que permite ao homem moldar uma vida adaptada à variedade de ambientes naturais e possibilita, dentro das limitações ambientais, tipos de vida que tanto podem resultar de uma escolha como de uma determinação psicológica interna. A herança cultural é a transmissão das características culturais pelo ensino e aprendizagem. A cultura se transmite sob forma de padrões explícitos e implícitos de comportamento e em suas materializações. O homem é, portanto, um animal portador de cultura, seja pelo domínio da linguagem, seja pelos padrões de organização familiar, pelo uso de ferramentas, enfim, pelo controle de um vasto domínio de conhecimento empírico e pela presença de elementos de ordem simbólica, como tabus, mitos, rituais religiosos etc.
2-ANTROPOLOGIA CULTURAL
2.1. Conceituando Cultura
Em antropologia, a palavra cultura tem muitas definições. Coube ao antropólogo inglês Edward Burnett Tylor, nos parágrafos iniciais de Primitive Culture (1871; A cultura primitiva) oferecer pela primeira vez uma definição formal e explícita do conceito: "Cultura... é o complexo no qual estão incluídos conhecimentos, crenças, artes, moral, leis, costumes e quaisquer outras aptidões e hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade."
Já o antropólogo americano Melville Jean Herskovits descreveu a cultura como a parte do ambiente feita pelo homem; Ralph Linton, como a herança cultural, e Robert Harry Lowie, como o conjunto da tradição social. No século XX, o antropólogo e biólogo social inglês Ashley Montagu a definiu como o modo particular como as pessoas se adaptam a seu ambiente. Nesse sentido, cultura é o modo de vida de um povo, o ambiente que um grupo de seres humanos, ocupando um território comum, criou na forma de idéias, instituições, linguagem, instrumentos, serviços e sentimentos.
Só o homem é portador de cultura; por isso, só ele a cria, a possui e a transmite. As sociedades animais e vegetais a desconhecem. É um complexo, porque forma um conjunto de elementos, inter-relacionados e interdependentes, que funcionam em harmonia na sociedade. Os hábitos, idéias, técnicas, compõem um conjunto, dentro do qual os diferentes membros de uma sociedade convivem e se relacionam. A organização da sociedade, como um elemento desse complexo, está relacionada com a organização econômica; os dois entre si relacionam-se igualmente com as idéias religiosas. O conjunto dessa inter-relação faz com que os membros de uma sociedade atuem em perfeita harmonia.
A cultura é uma herança que o homem recebe ao nascer. Desde o momento em que é posta no mundo, a criança começa a receber uma série de influências do grupo em que nasceu: as maneiras de alimentar-se, o vestuário, a cama ou a rede para dormir, a língua falada, a identificação de um pai e de uma mãe, e assim por diante. À proporção que vai crescendo, recebe novas influências desse mesmo grupo, de modo a integrá-la na sociedade, da qual participa como uma personalidade em função do papel que nela exerce. Se individualmente o homem age como reflexo de sua sociedade, faz aquilo que é normal e constante nessa sociedade. Quanto mais nela se integra, mais adquire novos hábitos, capazes de fazer com que se considere um membro dessa sociedade, agindo de acordo com padrões estabelecidos. Esses padrões são justamente a cultura da sociedade em que vive.
A herança cultural não se confunde, porém, com a herança biológica. O homem ao nascer recebe essas duas heranças: a herança cultural lhe transmite hábitos e costumes, ao passo que a herança biológica lhe transmite as características físicas ou genéticas de seu grupo humano. Se uma criança, nascida numa sociedade bororo, é levada para o Rio de Janeiro, passando a ser criada por uma família de Copacabana, crescerá com todas as características físicas -- cor da pele e do cabelo, forma do rosto, em especial os olhos amendoados -- de seu grupo bororo. Todavia, adquirirá hábitos, costumes, a língua, as idéias, modos de agir da sociedade carioca, em que se cria e vive.
Além desses hábitos e costumes que recebe de seu grupo, o homem vai ampliando seus horizontes, e passa a ter novos contatos: contatos com grupos diferentes em hábitos, costumes ou língua, os quais farão com que adquira alguns desses hábitos, ou costumes, ou modos de agir. Trata-se da aquisição pelo contato. Foi o que se verificou no Brasil do século XIX com hábitos introduzidos pelos imigrantes alemães ou italianos; o mesmo sucedeu em séculos anteriores, com costumes introduzidos pelos negros escravos trazidos da África. Tais costumes vão-se incorporando à sociedade e, com o tempo, são transmitidos como herança do próprio grupo.
É certo que essa transmissão pelo contato não abrange toda a cultura do outro grupo. Somente alguns traços se transmitem e se incorporam à cultura receptora. Esta, por sua vez, se torna também doadora em relação à cultura introduzida, que incorpora a seus padrões hábitos ou costumes que até então lhe eram estranhos. É o processo de transculturação, ou seja, a troca recíproca de valores culturais, pois em todo contato de cultura as sociedades são ao mesmo tempo doadoras e receptoras. Dessa forma, o homem adquire novos elementos culturais, e enriquece seu tipo cultural.
Esses elementos, que compõem o conceito de cultura, permitem mostrar que ela está ligada à vida do homem, de um lado, e, de outro, se encontra em estado dinâmico, não sendo estática sua permanência no grupo. A cultura se aperfeiçoa, se desenvolve, se modifica, continuamente, nem sempre de maneira perceptível pelos membros do próprio grupo. É justamente isso que contribui para seu enriquecimento constante, por meio de novas criações da própria sociedade e ainda do que é adquirido de outros grupos.
Graças às pesquisas em jazidas arqueológicas, tem sido possível recompor ou reconstruir as culturas, o que permite conhecer o desenvolvimento cultural do homem, sobretudo no campo material. É mais difícil, porém, conhecer o desenvolvimento da cultura espiritual, embora muita coisa já se tenha podido esclarecer. De qualquer forma o que se sabe é que, nascida com o homem, a cultura, sofreu modificações ao longo dos tempos, enriquecendo-se de novos elementos e adquirindo novos valores. A cultura acompanha, pois, a marcha da humanidade; está ligada à vida do homem, desde o ser mais antigo. Com a expansão do homem pela Terra, ocupando os grupos humanos novos meios ambientes, a cultura se ampliou e se diversificou em face das influências impostas pelo meio, cujas relações com o homem condicionaram o aparecimento de novos valores culturais ou o desaparecimento de outros.
2.1.1 Sentidos de cultura
Assim, dentro do conceito geral de cultura, é possível falar de culturas e, por isso, se identificam sentidos específicos segundo os quais a cultura é antropologicamente considerada. São quatro, a saber: O primeiro sentido apresenta aqueles elementos de cultura comuns a todos os seres humanos, como a linguagem (todos os homens falam, embora se diversifiquem os idiomas ou línguas faladas). São aqueles hábitos -- o de dormir, o de comer, o de ter uma atividade econômica -- que se tornam comuns a toda a humanidade. No segundo sentido, encontram-se os elementos comuns a um grupo de sociedades, como o vestuário chamado ocidental, que é comum a franceses, a portugueses, a ingleses. São diversas sociedades que têm o mesmo elemento cultural; um exemplo é o uso do inglês por habitantes da Inglaterra, da Austrália, da África do Sul, dos Estados Unidos, que, entre si, entretanto, têm valores culturais diferentes. O terceiro sentido é formado pelo conjunto de padrões de determinada sociedade, por exemplo, aqueles padrões culturais que caracterizam o comportamento da sociedade do Rio de Janeiro; ou as peculiaridades que assinalam os habitantes dos Estados Unidos. O quarto sentido de cultura refere-se a de modos especiais de comportamento de um segmento de sociedade mais complexa. Uma dada sociedade possui valores culturais comuns a todos os seus integrantes. Dentro, porém, dessa sociedade encontram-se elementos culturais restritos ou específicos de determinados grupos que a integram. São certos costumes que, dentro da sociedade multíplice do Rio de Janeiro, apresentam os habitantes de Copacabana, os de uma favela ou de um subúrbio distante. A esses segmentos culturais de uma sociedade complexa, dá-se também o nome de subcultura.
São esses sentidos que permitem verificar a diferenciação de cultura entre os diversos grupos humanos. Tal diferenciação resulta de processos internos ou externos, uns e outros atuando de maneira diversa sobre o fenômeno cultural. Entre os processos internos, encontram-se as inovações, traduzidas em descobertas e invenções, que, às vezes, surgem em determinado grupo e depois se transmitem a outros grupos, não raro sofrendo modificações ao serem aceitas pela nova sociedade. Os processos externos explicam-se pela difusão: é a transmigração de um elemento cultural de uma sociedade a outra. Em alguns casos o elemento cultural mantém a mesma forma e função; em outros, modifica-as ou mantém apenas a forma e modifica a função.
2.2. Aculturação
O termo aculturação é usado em antropologia para designa o contato entre duas ou mais culturas diferentes, bem como as transformações decorrentes em cada uma delas, por força desse contato. Os antropólogos, especialmente Bernard Siegel, conceituam a aculturação como "uma mudança de cultura que se inicia pela conjugação de dois ou mais sistemas culturais autônomos". Para eles, os sistemas culturais de características próprias já estão por si mesmos em contínua transformação e, se dois ou mais se aproximam, surgem estímulos tanto para maiores mudanças internas de cada um como para outras, recíprocas, no conjunto que se formou. Como indicadores dessas modificações e dos significados que assumem, esses antropólogos apontam etapas como a da "transmissão intercultural" e a das "adaptações reativas", do ajustamento por assimilação ou fusão. Tratam ainda de dois fatos sociológicos inerentes ao processo, o papel e a comunicação interculturais. Por papel intercultural entendem a função desempenhada pelos indivíduos que entram em contato, os quais, pelo fato de jamais dominarem todos os aspectos da própria cultura, transmitem apenas parte do inventário cultural. Comunicação intercultural seria "o arcabouço da trama de papéis interculturais" que provê linhas de comunicação e de transmissão entre duas culturas.
2.2.1 Modalidades
Vários autores se detêm no exame das diferentes modalidades de ação e reação no processo aculturativo. Em linhas gerais, são contemplados casos-padrão como os que se seguem.
Na aceitação, com maior ou menor cuidado e resistência, adotam-se componentes da cultura alheia (não necessariamente a dominante: o tabaco, por exemplo, entrou na Europa a partir do contato com as culturas ameríndias).
Na adaptação, uma cultura se altera para incorporar componentes culturais tomados de empréstimo a outro ou outros povos e de presença constante, inevitável. É o caso dos cultos dos aborígines de ilhas do Pacífico; muito sobrevoados pelos aviões, passaram a integrá-los em seus cultos, preparando-lhes rituais "de aterrissagem" e levando-lhes oferendas.
No corte, os agentes de uma cultura aceitam uma parcela relativamente grande de componentes culturais alheios, o que leva ao surgimento de dois padrões coexistentes de comportamento, usados alternativamente conforme a situação. O corte cultural é típico do Japão contemporâneo.
Na oposição, as reações vão do desprezo ou hostilidade às influências estrangeiras até um messianismo que se opõe ao novo, como a rebelião de Canudos e outros movimentos do século XIX, no Brasil.
Na fuga uma cultura tenta ignorar a outra e isolar-se ao se ver ameaçada, seja restabelecendo costumes do passado, seja buscando refúgio geograficamente favorável, como seria o caso da "cidade perdida" de Machu Pichu, no Peru, uma provável maneira de ocultar dos espanhóis importantes remanescentes da civilização incaica.
Na destruição os representantes de uma cultura se esforçam, direta ou indiretamente, para exterminar aquela ou aquelas que lhe causem estorvo. Todas as culturas ameríndias, por exemplo, foram destruídas, total ou parcialmente, após contato com as européias.
2.3 Objeto da Antropologia Cultural
A antropologia cultural estuda o homem integrado em seu contexto social, psicológico, biológico, físico e teológico, apreciando o seu comportamento, valores, hábitos, língua e crença. O conceito chave da Antropologia Cultural é a cultura, mostrando a sua beleza, singeleza, simplicidade, complexidade e arquitetura relacional. A antropologia cultural é o espelho do homem refletido na sociedade; ela apanha todo o sistema de valores, de comportamento, de atitudes e expressões e reflete tudo isto numa expressão cultural distinta.
2.4 Antropologia da Religião
É o ramo da antropologia que dedicado ao estudo das crenças religiosas do povo. A religião é a maior expressão da crença de um povo. A religião é uma das instituições sociais universal em todas as culturas. Toda sociedade conhecida pratica alguma forma de religião. A palavra religião vem do latim, e que dizer “religar”, dando a idéia de laço, aliança, pacto. Religião é a ligação do homem com Deus. Para a antropologia, “religião, são todas as crenças e práticas em forma de doutrinas e rituais de uma religião”.
2.5 Etnoteologia
Etnoteologia é a área de estudo relacionada com a apresentação do evangelho e os modelos culturais relevantes na cultura receptora. “Etnoteologia é a disciplina concernente a desculturalização (separação da cultura) e contextualização da teologia”. Cada cristão aprende sua teologia num conjunto cultural e logo começa a ver seu comportamento como um “comportamento cristão”.
2.6 Antropologia Cultural e a Bíblia
A Bíblia é a única Regra de Fé e Prática, e a única fonte de confiança do cristão. A veracidade e autoridade final da Bíblia sobrepõem a todas outras ciências e argumentos. A única fonte fidedigna que temos sobre Deus e as coisas relacionadas a Ele, é a Bíblia. A Bíblia é a revelação divina, possui inspiração divina e tem autoridade divina. Deus se revelou a si mesmo na Bíblia (2Tm 3.16). Revelação divina é Deus comunicando a verdade para o homem, e inspiração divina é a influência divina que garante a transferência fiel daquela verdade revelada. A Antropologia Cultural confere ao estudante da Bíblia conceitos e ferramentas para compreender a cultura em que a Bíblia foi escrita e consequentemente entender melhor a passagem bíblica. No campo da etnoteologia, a antropologia cultural ajuda-nos a estabelecer uma teologia verdadeira intercultural e totalmente relevante à cultura local, fornecendo ferramentas para a contextualização da mensagem. Este estudo da etnologia mostra que a Bíblia é sagrada e infalível, mas a transmissão da mensagem está atada à cultura. É preciso então distinguir o que é uma verdade bíblica absoluta, e o que é um aspecto cultural expresso na passagem bíblica.
2.7 Cosmovisão e Contextualização
Cosmovisão é a maneira pela qual as pessoas vêm ou percebem o mundo, a maneira pela qual elas entendem o mundo ao seu redor e percebem sua participação e localização neste mundo. É a compreensão pessoal da realidade ao redor e do que elas são.
Na cosmovisão animista a visão é que a terra é governada por espíritos, e devido à esta percepção do mundo tudo é regulado por esta crença, a plantação, a colheita, a arquitetura de suas casas, os rituais, a religião, as festas e os modos de expulsar os maus espíritos. Na cosmovisão Hindú, a vida não está num tempo linear começando com o nascimento e terminando com a morte, mas num tempo circular, onde os indivíduos renascem centenas e milhares de vezes. Para eles, a morte é apenas um ponto de reiniciar o processo circular da vida, visto que irá nascer e começar outras vezes. Na cosmovisão espírita, a reencarnação e contato com os mortos e espíritos é algo natural. Na cosmovisão católica romana, Maria é a personagem principal no cristianismo e a que assume a memória cultural constantemente. Na cosmovisão humanística, o homem é o centro de todo saber e de todas as coisas. Na cosmovisão islâmica, ocorre uma substituição das idéias do cristianismo, onde Maomé é a autoridade máxima, o alcorão o livro de regras, fé e prática, e Deus um juiz impessoal que julgará sem dó alguma.
Entender a cosmovisão é o ponto de partida para estabelecer uma ponte naquela cultura pessoal e naquela mentalidade formada, a verdade transcultural do evangelho de Cristo. A cosmovisão de um povo reflete as suas suposições, valores e entendimento a respeito da vida e do mundo onde eles vivem. Por isto é necessário participar da vida e das experiências de um povo com entendimento para entender esta sua cosmovisão. Daí, a necessidade de uma contextualização, ou seja, a de apresentar a mensagem ajustável ao “ponto de vista”, contexto e estilo cultural local.
A Comunicação Transcultural vem, pois a ser, uma comunicação contextualizada, onde é necessário ter os conhecimentos da antropologia cultural para entender a cultura e a cosmovisão de um povo. Partindo do campo da Antropologia entramos no campo da Teologia, que é o estudo de Deus, sendo a Bíblia um documentário histórico da revelação de Deus aos homens. Teologia é a idéia, o pensamento, o conhecimento que o homem tem acerca de Deus, e a religião é a prática, nela o homem expressa em atitudes, ações e hábitos o que esse conhecimento de Deus produziu nele. Cada sistema cultural e religioso traça um caminho para o homem expressar sua crença e prática religiosa. Na Etnoteologia vemos que cada cristão aprende sua teologia num conjunto cultural. A Bíblia é o mapa cultural e teológico do povo de Deus e nela está contido o ensino de toda a teologia, padrões culturais e comportamento aplicável ao povo de Deus. Ela é um manual teológico e antropológico aos adoradores do único Deus vivo e verdadeiro.
3-MITOS TEORIA DA CRIAÇÃO
3.1. A narrativa mitológica
Um mito é uma narrativa tradicional com caráter explicativo e/ou simbólico, profundamente relacionado com uma dada cultura e/ou religião. O mito procura explicar os principais acontecimentos da vida, os fenômenos naturais, as origens do Mundo e do Homem por meio de deuses, semi-deuses e heróis (todas elas são criaturas sobrenaturais). Pode-se dizer que o mito é uma primeira tentativa de explicar a realidade.
A explicação mítica é contrária à explicação filosófica. A Filosofia procura, através de discussões, reflexões e argumentos, saber e explicar a realidade com razão e lógica enquanto que o mito não explica racionalmente a realidade, procura interpretá-la a partir de lendas e de histórias sagradas, não tendo quaisquer argumentos para suportar a sua interpretação.
Ao mito está associado o rito. O rito é o modo de se pôr em ação o mito na vida do Homem (ex: cerimônias, danças, orações, sacrifícios...).
O termo "mito" é, por vezes, utilizado de forma pejorativa para se referir às crenças comuns (consideradas sem fundamento objetivo ou científico, e vistas apenas como histórias de um universo puramente maravilhoso) de diversas comunidades. No entanto, até acontecimentos históricos se podem transformar em mitos, se adquirem uma determinada carga simbólica para uma dada cultura. Na maioria das vezes, o termo refere-se especificamente aos relatos das civilizações antigas que, organizados, constituem uma mitologia - por exemplo, a mitologia grega e a mitologia romana.
Todas as culturas têm seus mitos, alguns dos quais são expressões particulares de arquétipos comuns a toda a humanidade. Por exemplo, os mitos sobre a criação do mundo repetem alguns temas, como o ovo cósmico, ou o deus assassinado e esquartejado cujas partes vão formar tudo que existe.
Mito não é o mesmo que fábula, conto de fadas, lenda ou saga.
3.2 Modelos de mitos cosmogônicos
Apesar de sua diversidade, as concepções míticas da origem do mundo recorrem, de modo geral, a dois modelos básicos.
Criação por um ser supremo. Os estudiosos do século XIX pensavam que o tema da criação por um ser supremo era inerente a um estágio cultural avançado. Pesquisas posteriores, no entanto, observaram essa crença entre povos primitivos da África, ilhas do norte do Japão, América, Austrália central e em muitas outras partes do mundo.
A natureza desse ser supremo, que freqüentemente é acompanhado de algum outro, hierarquicamente inferior, difere de cultura para cultura. A criação se realiza mediante seu pensamento, sua palavra - como na Bíblia e no Popol Vuh - e, às vezes, com certo sentido de emanação, com seu calor e suor. Todos esses mitos, porém, possuem características comuns: (a) o ser supremo é onisciente e todo-poderoso; (b) o ato de criação é consciente, deliberado, planejado e livre, já que a divindade não fica vinculada à criação; (c) a divindade desaparece até que se produza algum acontecimento catastrófico; (d) a criação é um paraíso que se desfaz por causa de um pecado.
Nas concepções míticas sobre a criação por um ser supremo não cabe, no entanto, falar de criação a partir "do nada" no sentido filosófico e religioso da expressão. Supõe-se nelas uma matéria - geralmente o oceano ou as águas primeiras, consideradas como o caos - a partir da qual se realiza a criação.
Criação por divisão de uma matéria primordial. O segundo modelo de mito cosmogônico corresponde àqueles que, mesmo apresentando certas similitudes com os anteriores, já que podem confundir-se com um deus ou ser supremo, são resultados de toda a ênfase na própria energia interna da matéria, em manifestações como um caos amorfo, um ovo primevo ou um primeiro casal. Um mito dos dogôs, povo da África ocidental, narra que o ser divino criou, originalmente, um ovo em que havia dois gêmeos. Um destes, fugindo com parte da substância existente para produzi-lo e criá-lo, resultou imperfeito. Nesse tipo de mito o ovo representa a androginia - macho e fêmea - , a perfeita totalidade, que se desfaz com a separação dos gêmeos. Os maoris das ilhas da Oceania acreditavam que de início o céu e a Terra estavam estreitamente ligados e seus filhos, oprimidos pela escuridão, cortaram os tendões que os uniam, fazendo o céu afastar-se, com o que a luz entrou. Uma variação desses mitos seria a criação por desmembramento de um gigante, que simboliza a matéria. A esse modelo deve corresponder o sacrifício de Purusha, narrado no Rig Veda hindu: de sua cabeça saiu o Sol, de seus pés a Terra, de sua consciência a Lua, de sua respiração o vento.
3.2.1 A Cosmogonia Germânica
No início dos tempos, não existia nada além do Ginnungagap. Nem areia, mar, céu ou terra, haviam sido criados. Depois de muito tempo, um novo reino ao sul emanou, um reino chamado Muspellheimr, feito de fogo, brasas ardentes e calor abrasador. No norte uma segunda região, chamada Niflheimr, surgiu, e que consistia de ventos amargos, gelo e neve. Ginnungagap ficava entre estes dois reinos, e as águas dos onze rios da fonte Hvergelmir ali fluíam. No meio do vácuo tudo era moderado, até um dia em que os elementos de fogo e gelo colidiram, ao norte a brisa fria de Niflheimr começou a congelar o vácuo, enquanto a parte meridional foi degelada pelo calor que emanava de Muspellheimr. Tudo era desordem. Mas das gotas deste grande caos, a vida emergiu, na forma de um gigante de gelo. Seu nome era Ymir e os gigantes de gelo são seus descendentes. Certa vez, enquanto Ymir estava adormecido, o primeiro homem e mulher nasceram do suor da sua axila esquerda, e suas pernas deram à luz a um filho.
Enquanto isso, o gelo em Ginnungagap continuava derretendo, até que a vaca Auðumla (Audumla) emergiu. Esta alimentou o gigante Ymir com suas quatro tetas e se sustentou lambendo seu gelo. Quando Auðumla passou três noites sucessivas lambendo os blocos de gelo salgado, outro ser apareceu, seu nome era Buri, e seu filho Bor casou com Bestla, e desta união surgiram Vé, Vili e Óðinn (Odin), os primeiros deuses (os dois primeiros são provavelmente correspondentes a Loki e Hœnir, respectivamente). Os filhos de Bor sentiam um ódio tremendo pelo gigante Ymir, e então engendraram sua morte. Os três irmãos tomaram o cadáver de Ymir e o levaram ao centro de Ginnungagap e o cortaram em vários pedaços.
Com o descomunal corpo do gigante, Vé, Vili e Óðinn criaram o mundo, de sua carne fizeram a terra, e dos ossos as montanhas. Das partes esqueléticas quebradas de Ymir, dentes, e dedões dos pés criaram rochas, pedregulhos e pedras. O sangue que fluía de Ymir deu lugar aos rios, lagos, e mar. Larvas cresceram da carcaça de Ymir, e estas foram amoldadas em anões. Vé , Vili e Óðinn ergueram o crânio de Ymir tão alto que este alcançou o fim dos limites da terra, isto eles chamaram de céu, e para sustentá-lo sobre a terra, os filhos de Bor colocaram quatro anões, Norðri (Nordri), Suðri (Sudri), Austri, e Vestri, um em cada um dos quatro quadrantes, ou seja, correspondem respectivamente aos quatro pontos cardeais, Norte, Sul, Oeste e Leste. Os três irmãos arrebataram brasas ardentes do reino de Muspellheimr e formaram o sol, a lua, e as estrelas. Estes globos foram colocados sobre o mundo para iluminar a terra e para algumas estrelas foram determinados pontos fixos no céu, enquanto para outras foi dada permissão para dançarem livremente.
Vé, Vili e Óðinn criaram o mundo em forma esférica, e um corpo de água cercou a terra. Eles designaram a parte do mundo, chamada Jötunheimr, para a raça conhecida como os gigantes de gelo e pedra. Devido à maldade dos gigantes sobre os humanos, os irmãos levaram as sobrancelhas de Ymir para formar um muro protetor ao redor do centro da terra. Isto abrigou a área que foi chamada Miðgarðr (Midgard), e que abrigaria os humanos. O cérebro de Ymir foi arremessado aos céus, pelos três deuses e com eles formaram as nuvens. Um dia, enquanto os filhos de Bor caminhavam por Miðgarðr, apreciando sua criação, perceberam que algo faltava, ao encontrarem dois troncos de árvore caídos, um de Freixo e o outro de Olmo, Óðinn criou o primeiro homem e mulher e lhes deu a essência da vida, Vili lhes deu raciocínio e sentimentos, enquanto Vé lhes deu a habilidade para ouvir, falar e ver. Seus nomes eram Askr e Embla. Vé, Vili e Óðinn ainda criaram os meios para medir e gravar o tempo, as fases claras e escuras da terra que eram governadas pela deusa Nott (“noite”) e por seu amante Dag (“dia”). Óðinn fixou-os nos céus em carruagens que circulam o mundo todo a cada dois meio dias. A carruagem de Nott é puxada por um cavalo de nome Hrimfaxi e a carruagem de Dag por uma égua de nome Skinfaxi. Um homem teve um filho ao qual deu o nome de Máni e uma filha à qual deu o nome de Roðull (Rodull).
3.2.2 Gêneses Grega
Os gregos conheciam diversas lendas sobre a origem do mundo. Homero considerava o titã Oceano a origem dos outros deuses; as doutrinas órficas, a julgar por testemunhos tardios, mencionavam Nix como o princípio de todas as coisas; para Hesíodo, tudo havia começado com Caos e Gaia. Ferécides de Siros (séc. -VI) sustentava que Zeus, Crono e Gaia haviam existido sempre e, portanto, não teria ocorrido propriamente uma criação. Outras fontes mencionam, ainda, a origem a partir de um "ovo primordial"...
Todas as forças que haviam atuado no momento da criação, todavia, e em qualquer das versões conhecidas, eram divinas para os gregos.
A cosmogonia de Hesíodo. A versão contida na Teogonia de Hesíodo é, dentre todas, uma das mais coerentes e bem estruturadas, além de didática. É, também, a mais conhecida:
Caos
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+--------+--------+--------+--------+
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Gaia Tártaro Eros Érebo Nix
No princípio, existia apenas o Caos (gr. Χάος), vazio primordial e escuro que precedeu toda a existência; depois, surgiu Gaia, a "mãe de todos", e a seguir vieram Tártaro e Eros, e Érebo e Nix.
Essas poderosas divindades primitivas começaram a existir, aparentemente, a partir de simples desdobramentos, sem a ajuda de qualquer união sexual. Originaram, posteriormente, os deuses propriamente ditos através de mais desdobramentos ou, então, "unidos em amor"... (Hes.Th. 125).
Eros e Tártaro. Assim como Caos, essas duas entidades eram mais conceituais do que corpóreas e refletem o gosto dos antigos gregos pelas abstrações.
Eros (gr. Eρως), o amor, "o mais belo dentre os deuses imortais", representa o impulso amoroso que compeliu as primeiras divindades a se unir para gerar descendência. Esse Eros não deve ser confundido com o "travesso" filho de Afrodite; trata-se, aqui, de uma força primordial capaz de formar o mundo através da união de elementos individuais.
O Tártaro (gr. Τάρταρος) era uma espécie de abismo distante, localizado bem abaixo de Gaia. Era uma região de trevas profundas e eternas, onde os deuses encarceravam em geral seus maiores inimigos, como por exemplo os derrotados titãs. Muito tempo depois da criação do mundo, quando Zeus era já a divindade suprema, Tártaro uniu-se a Gaia e gerou o monstruoso Tífon.
Depois do Período Clássico, Tártaro tornou-se praticamente um sinônimo de Hades, nome do local para onde iam as sombras dos mortos.
Gaia. Pois bem, no princípio nasceu Caos; depois, Gaia de amplo seio, a eterna base de tudo (Hes.Th. 116-117). Gaia ou Gê (gr. Γαῖα / Γῆ), a terra, "mãe" dos deuses e dos homens, personificava a inesgotável capacidade geradora da terra; as linhagens divinas mais importantes, os piores monstros e também todos os homens descendem dela. Sua participação nas lendas se caracteriza pelas infalíveis profecias, ou então simplesmente pela capacidade de ter filhos.
3.2.3 A Cosmogonia da Mesopotâmia
Os povos mesopotâmicos, em especial sumérios e babilônios, desenvolveram uma cosmogonia completa que se preservou em textos como o Poema de Gilgamesh e o Enuma elish, com mitos consolidados durante o terceiro e o segundo milênios antes da era cristã. Entre esses povos representava-se o início da criação como um processo de procriação: os deuses teriam sido os elementos naturais que formaram o universo, muitas vezes por meio de lutas contra forças desagregadoras. Os babilônios, numa epopéia sobre a criação, glorificavam a vitória de Marduk, o único deus bastante forte para derrotar o dragão Tiamat, personificação do caos e das águas do mar.
Em linhas gerais, a mitologia mesopotâmica apresentava como princípio do mundo Abzu e Tiamat, elementos masculino e feminino das águas, origens do universo celeste e terrestre. Tiamat produziu o céu, de que nasceu Ea (o conhecimento mágico), que engendrou Marduk. Este derrotou os outros deuses e dividiu o corpo de Tiamat, separando assim o céu da Terra e, com o sangue de um monstro derrotado, produziu o primeiro homem.
3.2.4 A Cosmogonia da América
Os onondagas, povo que habitava a região que posteriormente seria o estado de Nova York, nos Estados Unidos, elaboraram uma cosmogonia mítica inteiramente particular. Em essência, o relato pode assim se resumir: o grande cacique das pradarias celestiais cansou-se de sua mulher e lançou-a às infinitas águas turvas. Ela pediu ajuda aos animais marinhos para que retirassem o barro do fundo do mar. O sol secou o barro e pôde instalar-se nele a Mulher celestial, ou a grande mãe Terra.
Entre os povos americanos foram provavelmente os maias que desenvolveram um mito mais coerente sobre a origem do mundo. Sua explicação remonta ao princípio último e concebe a criação em 13 etapas. Na primeira, Hunab Ku, o deus uno, fez-se a si mesmo e criou o céu e a terra. Na décima terceira, tomou terra e água, misturou-os e desse modo foi moldado o primeiro homem. Mesmo assim, os maias consideravam que vários mundos se haviam sucedido e que cada um deles se acabou em conseqüência de um dilúvio. O Popol Vuh, dos povos maias, constitui uma extraordinária narrativa cosmogônica e se refere à criação do primeiro homem a partir do milho.
Em outras religiões ameríndias, as crenças e mitos cósmicos também se relacionam com os elementos da natureza. Para os incas, o lugar da criação do homem pelo deus Huiracochá situava-se perto do lago Titicaca, nas proximidades de Tiahuanaco. Os astecas, segundo o Código matritense, situavam em Teotihuacan a catástrofe cósmica que pôs fim à idade anterior. Nesse lugar, os deuses se reuniram para deliberar quem se lançaria na fogueira para transformar-se em Sol, o que foi conseguido pelo humilde Nanahuatzin.
No Brasil, a cosmogonia dos índios se reporta a um criador do céu, da Terra e dos animais (o Monã dos tupinambás) e a um criador do mar, Amã Atupane, talvez Tupã, entidade mítica que os jesuítas consideraram a expressão mais adequada da idéia de Deus surgida nos domínios da catequese.
O Universo não surgiu em uma grande explosão - pelo menos não da forma como uma bomba explodiria. O termo big-bang ("grande explosão", em inglês) foi escolhido como a mais simples definição do modelo científico que afirma que, há bilhões de anos, todo o Universo estava concentrado em um espaço tão exíguo que faria qualquer partícula parecer gigantesca. De um início muito mais quente que o inferno e incrivelmente mais apertado que um ônibus às 6 da tarde, o cosmo passou a se expandir e a esfriar rapidamente. Essa "explosão" teria ocorrido em todos os pontos do Universo ao mesmo tempo. O segundo erro é ainda mais grave: nenhum cientista é capaz de dizer o que existia antes do big-bang. Pode até ser que realmente não houvesse nada, mas não é impossível que existisse alguma coisa. O fato é que essa questão ainda desafia as mentes mais brilhantes do planeta. Para chegar até aqui, a astronomia precisou de milênios de pesquisa e perspicácia. Mas, nos bastidores, a história de uma das maiores teorias de todos os tempos também traz relatos de intriga, vaidade, fugas espetaculares, bobagens.
3.3.1 100% Periferia
Para conhecer a história completa do big-bang, é preciso voltar ao século 4 a .C. Isso porque o primeiro passo em direção a ele foi dado por um filósofo grego, Aristarco, que propôs uma idéia ousada: a Terra não seria o centro do Universo, mas giraria em tomo do Sol. O modelo foi considerado ridículo e ficou esquecido por 2 mil anos, até que um polonês atrevido escreveu Sobre as Revoluções das Esferas Celestes. Nicolau Copérnico, o autor do tratado, voltou-se contra a teoria dominante do grego Ptolomeu, segundo a qual a Terra estaria no centro de tudo. A obra de Copérnico saiu em 1543 - e só então ele percebeu uma terrível traição. No prefácio, escrito sem o seu consentimento, sua teoria era apresentada como "não necessariamente verdadeira nem ao menos provável" e a hipótese de que o Sol estava no centro do Universo era considerada "absurda". A punhalada só foi possível porque, durante a impressão do livro, ele estava de cama se recuperando de uma hemorragia. Morreu no dia em que recebeu a edição.
Ao longo das décadas seguintes, na Dinamarca, um astrônomo chamado Tycho Brahe havia ganho tanta reputação que o rei Frederico II deu a ele uma ilha e dinheiro para construir um observatório. Apesar das lunetas, a especialidade da ilha eram as festas. Pessoas importantes eram convidadas para cerimônias animadíssimas, que contavam com a presença de Jeep, um anão que fazia as vezes de bobo da corte. Em 1588, com a morte do rei, Brahe perdeu seus privilégios. Acabou tendo de abandonar o castelo (e a badalação) e migrou para Praga, onde conheceu o alemão Johannes Kepler. Era uma dupla perfeita: Brahe fazia as mais precisas observações da época. E Kepler, que seria o melhor intérprete desses dados, descobriu três coisas fundamentais: os planetas não se movem em círculos, mas em elipses; a velocidade desses planetas varia continuamente e o Sol não está exatamente no centro dessas órbitas. A suspeita se confirmou com as pesquisas do italiano Galileu Galilei, um católico devoto que tirou proveito das recém-inventadas lunetas. Ele percebeu que havia luas em tomo de Júpiter, o que era uma prova incontestável de que a Terra não era o centro do Universo. Acabou condenado pela Inquisição à prisão domiciliar.
3.3.2 Contra Einstein
Antes de se tomar o mais famoso físico de sua época - e uma referência para os séculos seguintes -, o inglês Isaac Newton teve uma infância conturbada. Seu pai havia morrido três meses antes do seu nascimento. A mãe se casou com um homem mais velho, que não permitiu que o garoto Isaac morasse com eles. Abandonado, Newton se tomou um homem amargo e às vezes cruel a ponto de, quando se tornou inspetor da Casa da Moeda britânica, mandar enforcar e esquartejar os falsificadores que tiveram o azar de passar pela sua frente. Mesmo assim, construiu as fundações de uma nova ciência. A sua lei da gravidade, de 1666, ensina que todo objeto no Universo atrai outro objeto.
“O poder da fórmula é resumir tudo o que Copérnico, Kepler e Galileu vinham tentando explicar sobre o sistema solar”, escreveu o inglês Simon Singh em Big Bang , um livro que descreve a história dessa explosão. Ou seja, uma maçã cai no chão não porque se dirige ao centro do Universo, mas porque a Terra e a maçã têm massa. Assim, a lei explicava, por exemplo, por que os planetas fazem uma órbita elíptica em torno do Sol o que havia sido demonstrado por Kepler.
As descobertas permitiam que os cientistas entendessem o funcionamento de quase todas as estrelas que conseguiam ver na época, mas não dava a mínima pista de onde saiu aquilo tudo. Um grande passo nessa direção veio em 1915, quando o alemão Albert Einstein, então já famoso e acostumado a revolucionar a física, resolveu mudar tudo de novo e apresentou sua teoria da relatividade geral. No centro dela estava a noção de que tanto o tempo como o espaço são flexíveis e deformáveis por fatores como velocidade, energia e gravidade. Só tinha um problema: como o Universo era molengão e as estrelas se atraíam todo o espaço já deveria ter se curvado e desabado sobre si mesmo. A idéia parecia ridícula. "Einstein tinha idéias em cosmologia completamente reacionárias. Era um homem do século 19, quando todos achavam que o Universo tinha um fim e estava parado desde sempre", diz o físico Mário Novello, presidente do Instituto Nacional de Cosmologia, Relatividade e Astrofísica. Einstein elaborou então o que ele mesmo depois considerou a maior bobagem de sua carreira: alterou as equações para que elas se encaixassem na sua visão de um Universo que não cresce nem diminui.
O problema é que essa limitação de Einstein dificultou a vida dos outros. Dois estudiosos - o russo Alexander Friedmann e o belga George Lemaitre acharam uma solução para o impasse: se o Universo estivesse se expandindo, é possível que ele nunca entrasse em colapso. A gravidade de tudo o que existe não conseguiria fazê-lo se curvar porque o Cosmos esticaria e se manteria estável. Mas quando Friedmann foi buscar a benção de Einstein, este lhe disse que a idéia parecia "suspeita".
Lemaitre - que conseguia levar duas profissões aparentemente antagônicas de padre e cosmologista - insistiu, até porque suas idéias tinham um tempero a mais. Ele não só estava convicto de que a teoria de Einstein implicaria um Universo em expansão como acreditava em um "momento da criação". Tudo teria começado em uma região pequena e compacta que "explodiu" e cresceu. Ele chegou até a cunhar a expressão "átomo primordial" para descrever a provável aparência do Universo em seu começo, que seria "um hoje sem ontem". Mas o belga não teve mais sucesso do que Friedmann ao buscar o apoio de Einstein - já então capaz de construir e destruir reputações no meio científico. Em 1927, ouviu deste um veredicto nada animador: "Seus cálculos estão corretos, mas a sua física é abominável". A teoria teria de esperar mais alguns anos antes que fosse aceita - inclusive por Einstein.
3.3.3 Tudo se Expande
O começo do século 20 foi marcado não apenas pelo surgimento da relatividade, mas também pela construção de telescópios grandes e modernos. O americano Edwin Hubble foi o nome mais conhecido dessa safra de observadores. Em 1923, trabalhando no Observatório de Monte Wilson, na Califórnia, Estados Unidos, ele identificou uma cefeida (um tipo de estrela) em uma nebulosa e mostrou que ela estaria localizada muito longe da Via Láctea. Isso provou que não habitamos a única galáxia do Universo. Mas o passo mais importante começou a ser dado em 1929, quando Hubble percebeu que as estrelas mais afastadas da Terra são aquelas que estão se afastando mais rapidamente. O Universo estaria, portanto, se expandindo. Hubble, no entanto, deixou claro que o problema dele era coletar os dados - e nunca se propôs a teorizar sobre isso. Ele preferia os holofotes de jornais e TVs, pois agora também era uma celebridade.
Com a prova de que o Universo estava se expandindo nas mãos, o trabalho dos teóricos passou a ser "retroceder no tempo" para tentar descobrir como exatamente chegamos até aqui. O ucraniano George Gamow era uma das figuras centrais dessa "arqueologia do cosmos", mas a interferência política dos governantes soviéticos nas pesquisas científicas fez com que ele e a mulher resolvessem fugir de seu país. Depois de duas tentativas fracassadas - na primeira, pretendiam atravessar o Mar Negro em um caiaque - eles finalmente conseguiram e, em 1940, chegaram aos Estados Unidos. Interessado em pesquisar a física das partículas, o ucraniano percebeu que ali não havia mais ninguém estudando o tema seriamente só depois soube que todos os outros cérebros da área haviam sido cooptados para o Projeto Manhattan, que levaria à construção da bomba atômica americana. Junto com seus colegas Ralph Alpher e Robert Herman, Gamow constatou que os primeiros momentos do Universo seriam tão quentes que quebrariam qualquer átomo e transformariam tudo em uma sopa de prótons, nêutrons e elétrons (as menores partículas conhecidas até então). E, quando ele esfriasse, essas partículas formariam apenas os menores átomos possíveis, os de hidrogênio e hélio - o que explicava por que esses elementos hoje compõem 99,9% de toda a matéria que vemos no Universo. Eles também previram que 300 mil anos depois da explosão teria havido a liberação de uma enorme quantidade de luz que faria um "eco luminoso" no Universo. E isso poderia ser percebido hoje.
Foi então que o debate se acirrou. Para uns, o Universo estaria se expandindo a partir de um momento inicial e, para outros, ele era eterno e provavelmente infinito. Um dos maiores defensores da segunda hipótese, o inglês Fred Hoyle, chegou a dizer em um programa da Rádio BBC que não via "nenhuma boa razão para preferir essa idéia de big-bang". O intuito de Hoyle era ironizar, mas era a primeira vez que alguém usava esse termo para se referir à teoria - e o apelido pegou. Para o azar de Hoyle, "essa idéia de big-bang" só ganhou evidências a partir daí. Uma das principais descobertas foi feita por Arno Penzias e Robert Wilson, dos Laboratórios Bell, em meados dos anos 1960. Eles detectaram um ruído nos seus aparelhos de radioastronomia. Como isso não os deixava trabalhar, eles foram atrás da razão. Acabaram descobrindo que se tratava da radiação cósmica de fundo - o "eco" do big-bang previsto por Gamow. "A confirmação dessa radiação deu credibilidade ao modelo. Desde então, ele tem sido refinado com inúmeras observações", diz o físico brasileiro Marcelo Gleiser, do Dartmouth College, Estados Unidos.
3.3.4 E Antes?
As teorias sobre a gravidade não bastavam para ir além das descobertas de Gamow. O início do Universo seria tão quente e pequeno que, para entendê-lo, era necessário usar os conhecimentos da mecânica quântica, que descreve o comportamento das coisas nessa escala. À medida que os cientistas descobriam quarks, léptons, mésons e um enorme número de partículas subatômicas, novos elementos foram encaixados no retrato do início de tudo. Hoje, os cientistas acreditam ter esclarecido como era o Universo até 10-43 segundos depois do big-bang (isso significa o número 1 colocado 43 casas depois da vírgula, ou um tempo tão pequeno que nem vale a pena tentar visualizar). A situação se complica mais cada vez que alguém traz novas evidências. No final dos anos 1990, por exemplo, descobriu-se que o Universo não só aumenta, como está acelerando. Alguma força até agora chamada de "energia escura" - está empurrando o cosmo, mas ninguém sabe muito bem o que é, nem o que ela fez desde o big-bang. O retrato atual que os pesquisadores têm do passado e do futuro do Universo é o que aparece no quadro acima.
O grande mistério agora é outro: o que havia antes do big-bang? "Para Einstein, só existia o nada. Mas, segundo a mecânica quântica, é possível criar novos espaços - tempos. Isso significa que pode ter havido alguma coisa", diz o físico Élcio Abdalla, da USP. Nesse ponto, a discussão começa a tornar-se cada vez menos científica e parece até voltar a um estágio anterior aos gregos, quando os mitos explicavam todo o Universo. Para a ciência deste começo de século 21, parece um fim de linha. Mas esses obstáculos são sempre provisórios.
4-A BIBLIA E A CRIAÇÃO
4.1 Como a Criação Bíblica é considerada?
Como considerar a descrição da criação pela Bíblia? Ciência, fábula ou revelação? Se, por ciência, entendermos a disposição sistemática dum ramo do saber, diremos, então, que a descrição nada tem de "científico". E ainda bem, pois se fosse utilizada a linguagem científica do século XX, como a entenderiam os leitores dos séculos precedentes? E mesmo os atuais necessitariam duma adequada preparação científica. Nesse caso ainda, não seria de prever que passados cem ou duzentos anos fosse já considerada antiquada aquela linguagem? A narração do Gênesis não foi, portanto, redigida em moldes científicos, talvez para melhor mostrar a sua inspiração divina. Poderíamos, no entanto, fazer a seguinte interrogação: -- Não sendo científica quanto à forma, será a descrição do Gênesis científica quanto à substância, ou quanto ao conteúdo? Graves conflitos têm surgido entre prematuras conclusões da ciência e supostas deduções científicas da Escritura. Mas estudos ulteriores têm vindo provar que, por um lado, não eram válidas as conclusões científicas, ou, então, por outro, eram mal interpretadas no texto as afirmações científicas.
Quanto a supor-se uma fábula a narração do Gênesis, quer no sentido popular, quer no sentido clássico, não é fácil de admitir-se. Pois no primeiro caso tratar-se-ia duma obra puramente imaginária, e no segundo duma exposição simbólica dum fato com certas verdades abstratas, que de outro modo seriam incompreensíveis.
Trata-se, sim, duma narração dos acontecimentos que não seriam compreendidos, se fossem descritos com a precisão formal da ciência. É neste estilo simples mas expressivo que a divina sabedoria se manifestou claramente aos homens, indo assim ao encontro das necessidades de todos os tempos. Os fatos apresentam-se numa linguagem abundante e rica, que é possível incluir todos os resultados das pesquisas científicas.
O primeiro capítulo do Gênesis não há dúvida que supõe a revelação divina. Pelas muitas versões, alguma delas correntes já entre os pagãos da Antigüidade, é fácil concluir-se que esta revelação é anterior a Moisés. Não deve, no entanto, considerar-se como uma nova versão das tradições politeístas dos fenícios ou dos babilônicos; porque acima de tudo a obra criadora de Deus só por Deus poderia ser revelada. E essa revelação não deixou de ser preservada de qualquer contaminação pagã ou corrupção supersticiosa, encontrando-se perfeita e inviolável nos cinco livros de Moisés.
O Livro do Gênesis, capítulos 1 e 2, revelou a origem do mundo mais de dois milênios antes que a ciência viesse a decifrá-la e de acordo com os teóricos da “Teoria Geológica da Criação” os dias da semana são divisões do tempo, da mesma forma que anos e eras e que a substituição de um pelo outro não altera em nada o sentido do texto, cujo foco é colocar Deus como origem da criação.
Segundo os teóricos da TGC o autor quer dizer que Deus criou o mundo e não como Deus criou e em quanto tempo a criação foi consumada. A ação criadora em seis dias e o descanso no sétimo tem por objetivo claro a instituição sagrada do repouso dominical (sábado para o judaísmo), não o tempo gasto por Deus para fazer os elementos da Criação. Quando se entender que os dias foram utilizados para descrever as fases da criação, cada uma perdurando milhões de anos, nota-se que a descrição do Gn 1 está perfeitamente de acordo com a ordem em que o mundo foi criado, segundo a Ciência. A intenção do autor é clara como elemento teológico: Tudo vem de Deus, para quem o tempo é eterno.
Supõem que considerando-se Gn 1 não como relato jornalístico preocupado em descrever como Deus criou, mas como uma afirmação de fé do autor sobre quem criou o mundo e o que é o homem, o texto inspirado ganha abrangência e não conflita com os conhecimentos atuais que atestam a existência do mundo há 13,7 bilhões de anos e o aparecimento do homem no mundo há cerca de 70-100 milhões de anos. O tempo na Bíblia é um tempo lógico, não cronológico. A divisão das ações divinas em dias e noites é outra evidente forma literária, fácil de ser percebida, visto que o autor fala em primeiro, segundo e terceiro dia, antes que estes existissem.
Ao sistematizarem suas opiniões os teóricos da TGC concordam que o dia e a noite surgiram no quarto dia com a separação da luz e das trevas, o que se pode entender perfeitamente como a formação do sistema solar e do movimento dos astros que o compõem. Se entendermos, afirmam, a separação das ações de Deus não ao pé da letra em dias, mas em fases que duraram milhões e milhões de anos notaremos que por inspiração divina o autor do Gênese se antecipou às ciências em muitos séculos. No início só havia a matéria informe, que o autor chama de caos. Houve o big bang, uma explosão de infinitas proporções, e o espaço celeste se encheu de corpos celestes e de vapor oriundo do calor gerado pela grande explosão, que deu origem ao calor, a luz e a uma multidão de corpos voando no espaço. Foi a primeira fase (primeiro dia), que durou milhões de anos.
Depois a massa gasosa foi se condensando e os corpos se separando em trajetórias diferentes, segunda fase (segundo dia). Com o esfriamento da terra e a separação de terra e água começam a surgir formas primitivas de plantas, há luz e sombras, é a terceira fase (terceiro dia). Depois os corpos celestes começam a se organizar em sistemas, galáxias, constelações e estrelas. A terra é captada pelo sol e se movimenta em sua órbita e em seu próprio eixo, formando o dia e a noite. É a quarta fase (quarto dia). Na quinta fase graças à formação da atmosfera, dos ventos e das chuvas a vida se espalha primeiro nas plantas, depois surgem os animais. É a quinta fase da criação (quinto dia).
Na sexta fase (sexto dia), depois de milhões de anos que existiam seres vivos na terra surge o homem, não como evolução natural, mas através da ação direta de Deus. A ação de Deus se manifestara em todas as fases da criação, diz o autor sagrado. Mas a criação do homem representou uma culminância na criação. Deus faz algo que passa além da vida material. É como se Deus se apaixonasse por suas obras e quisesse fazer parte delas através de um ser capaz de viver em comunhão com Ele.
Baseados em motivos meramente teóricos, vários comentadores supõem que a criação original de Deus foi destruída por uma terrível catástrofe. Assim o verso 1 descreve o ato inicial de Deus, que deu a existência ao universo; o verso 2 o estado desse universo arruinado "sem forma e vazio", se bem que não se faça qualquer alusão à catástrofe provocadora dessa ruína; os restantes versos fazem uma análise da obra de Deus na reconstituição desse universo. Trata-se duma teoria, ainda hoje muito seguida, para resolver certos problemas que, no fim de contas, continuam insolúveis, e é contestada por fortes argumentos lingüísticos. A chamada teoria da "lacuna" não assenta em bases firmes e é desmentida pela própria Geologia.
4.4 Exposição Bíblica da Criação
São duas as palavras com que a Escritura designa a ação criadora de Deus: bara' (criar) e 'asah (fazer). A primeira é, sem dúvida, a mais importante, e aparece, sobretudo nos versículos 1,21,27, ou seja, quando se pretende frisar o início de todos os seres em geral, dos seres animados e dos seres espirituais, respectivamente. O certo é que não há possibilidade de exprimir, por palavras humanas, essa obra maravilhosa de Deus, que transcende toda a ciência, por muito profunda e completa que seja. O significado exato de bara' não é fácil de determinar. Numa das suas formas significava originariamente "cortar, separar" e passou a ser utilizada apenas para indicar a ação divina de trazer à existência algo inteiramente novo. No vers. 1 a idéia de criação exclui materiais já existentes, podendo então dizer-se que as coisas foram produzidas "do nada". Mas nos vers. 21 e 27 nada obsta a que se tenham utilizado materiais preexistentes. O principal é sublinhar o significado de bara' que apenas supõe a produção dum ser, completamente novo, que antes não existia.
4.4.1 Os dias da Criação
E que dizer dos "dias" em que se operou a criação? Há quem suponha tratar-se de dias de 24 horas, uma vez que se mencionam tardes e manhãs, ou então admitir-se apenas uma visão dramática, já que a história se apresentou a Moisés numa série de revelações, que duraram seis dias. Sugestões interessante e curiosas, sem dúvida, mas que não passam de conjeturas, o mesmo sucedendo à teoria moderna, segundo a qual o "dia" representaria uma idade geológica. Para isso supunha-se que o sol, supremo regulador do tempo planetário, não existia durante os primeiros três dias; de resto, a palavra "dia" em 2.4 estende-se aos seis dias da criação; por outro lado, em diferentes textos da Escritura o mesmo vocábulo refere-se a períodos de tempo ilimitado, como no Sl 90.4. A principal dificuldade que se levanta contra esta última interpretação é a alusão a "tarde" e a "manhã", mas pode admitir-se que a obra da criação figuradamente seja caracterizada por épocas bem definidas.
É espiritual e religioso o objetivo da narração de Gn 1. A formação dos seres vem manifestar as relações entre Deus e as criaturas de sorte que só a fé as compreenderá devidamente: "Pela fé entendemos que os mundos pela Palavra de Deus foram criados; de maneira que aquilo que se vê não foi feito do que é aparente" (Hb 11.3). Só o crente, portanto, compreenderá o alcance da narração; mas não admira que por vezes surjam hesitações, perante as dificuldades de interpretação.
Mas a narrativa tem ainda um segundo objetivo: o de pôr o homem em contato com toda a criação, ou melhor, o de colocá-lo em posição de primazia perante todos os seres criados. Por isso vemos Deus a agir gradualmente na Sua obra criadora, que atinge, com a formação do homem, o ponto culminante dessa obra-prima de Deus.
No Princípio, Criou Deus (v.1). A expressão No princípio é enfática, e chama a atenção para o fato de um princípio real. Outras religiões antigas, ao falarem da criação, afirmam que esta ocorreu a partir de algo já existente. Referem-se à história como algo que ocorre em ciclos perpétuos. A Bíblia olha para a história de modo linear, com um alvo final determinado por Deus. Deus teve um plano na criação, o qual Ele levará a efeito.
Declaração sintética que introduz os seis dias da atividade criadora. A verdade desse versículo magnífico foi afirmada com júbilo por poetas (Sl 102.25) e profetas (Is 40.21). No princípio Deus. A Bíblia sempre toma por certo e jamais discute a existência de Deus. Embora todas as coisas tenham tido um começo, Deus sempre existiu (SI 90.2). No princípio. Jo 1.1-10, que ressalta a obra de Cristo na criação, inicia com a mesma expressão. Deus criou. O substantivo hebraico Elohim está no plural, mas o verbo está no singular - esse uso gramatical é comum no Antigo Testamento quando há referência ao Deus único e verdadeiro. No Antigo Testamento hebraico, o verbo traduzido por "criar" é usado no tocante à atividade divina, nunca à humana, os céus e a terra. “todas as coisas” (Is 44.24). O fato de Deus ter criado tudo é ensinado também em Ec 11.5; Jr 10.16; Jo 1.3; Cl 1.16 e Hb 1.2. O ensino positivo e gerador de vida do v. 1 é maravilhosamente resumido em Is 45.18.
Terra (2). O centro desse relato, sem forma e vazia. Essa locução, que só ocorre depois em Jr 4.23, dá estrutura ao restante do capítulo. O "separar" e o "ajuntar" que Deus realizou do primeiro ao terceiro dia produziu a forma; o "fazer" e o "encher" do quarto ao sexto dia eliminaram o vazio. trevas [...] abismo. Completa o quadro de um mundo que aguarda a palavra de Deus para fazer raiar a luz, produzir ordem e gerar a vida. E, ou "mas". O quadro impressionante (e aterrorizante para o homem primitivo) do estado original da criação visível é amenizado pela proclamação majestosa de que o poderoso Espírito de Deus se move sobre a criação. Essa proclamação antecede as palavras criadoras que Deus profere em seguida. Espírito de Deus. Estava atuante na criação, e seu poder criador continua até hoje (v. Jó 33.4; SI 104.30). se movia sobre. Como uma ave que sustenta seus filhotes e os protege (v. Dt 32.11; Is 31.5). A figura de linguagem pode também evocar o disco alado do sol, que em todo o antigo Oriente Médio era símbolo da majestade divina.
Sem forma e vazia (v. 2). A expressão hebraica (tohu wabhohu) contém algo de onomatopéico que parece significar: desolação e vacuidade. Em Is 45.18, onde aparece o termo bohu não contradiz aquele significado e dá a entender que Deus não abandonou a terra que criou: "Não a criou vazia, mas formou-a para que fosse habitada". O caos era um meio, não um fim.
Disse Deus (3). Pela palavra do Senhor foram feitos os céus" (Sl 33.6). Cfr. Jo 1.1-3. Luz (3). O caráter primário da luz, mesmo antes do sol, é um dos postulados da ciência moderna. A palavra hebraica para luz é `or, e refere-se às ondas iniciais de energia luminosa atuando sobre a terra. Posteriormente, Deus colocou luminares (hb. ma`or, literalmente luzeiros , v.14) nos céus como geradores e refletores permanentes das ondas de luz. O propósito principal desses luzeiros é servir de sinais demarcadores das estações, dias e anos (vv. 5,14).
Era boa a luz (4). Sete vezes Deus declara que aquilo que Ele criara era bom (vv. 4,10,12,18,21,25,31). Cada parte da criação por Deus efetuada, executou plenamente a sua vontade e propósito. Deus criou o mundo para revelar a sua glória e para ser um lugar onde a raça humana pudesse compartilhar da sua alegria e vida. Note como Deus executou a obra da criação de conformidade com um plano e uma ordem:
A tarde e a manhã (5). Atendendo à linguagem poética do texto, "manhã" não deve significar, aqui, a segunda metade do dia. O dia começava de manhã; seguia-se a tarde, e depois a manhã que seguia a tarde era o começo do segundo dia, que por isso terminava o primeiro. E foi a tarde e a manhã: o dia primeiro. Essa identificação é repetida seis vezes neste cap. (vv. 5,8,13,19,23,31). A palavra hebraica para dia é yom. Normalmente significa um dia de vinte e quatro horas (cf. 7.17; Mt 17.1), ou a porção em que há luz, nas vinte e quatro horas (dia em contraste com noite, Jo 11.9). Mas também pode referir-se a um período de tempo de duração indeterminada (e.g., tempo da sega, Pv 25.13). Note-se que em 2.4, os seis dias da criação são designados como no dia. Muitos entendem que os dias da criação eram de vinte e quatro horas, pois sua descrição diz que consistiam em uma tarde e uma manhã (v. 5; Êx 20.11). Outros crêem que tarde e manhã simplesmente significa que uma determinada tarde encerrou algum ato específico da criação, e que a manhã seguinte iniciou novo ato.
Expansão (6). É a formação da atmosfera, ou o firmamento.
Produza (11). Embora se trate da criação intermédia, não se exclui a intervenção divina. Segundo a sua espécie (11). Comparando este vers. com os 12,21,24,25, fácil é interpretá-lo como se dissesse: "em todas as suas variedades", duma variedade dentro de certos grupos gerais. Para sinais (14). Tomem-se aqui estes sinais no sentido astronômico e não astrológico, pois os corpos celestes determinam as estações e dividem o tempo.
4.4.2 A Revelação de Deus e a Criação
Deus se revela na Bíblia como um ser infinito, eterno, auto-existente e como a Causa Primária de tudo o que existe. Nunca houve um momento em que Deus não existisse. Conforme afirma Moisés: “Antes que os montes nascessem, ou que tu formasses a terra e o mundo, sim, de eternidade a eternidade, tu és Deus” (Sl 90.2). Noutras palavras, Deus existiu eterna e infinitamente antes de criar o universo finito. Ele é anterior a toda criação, no céu e na terra, está acima e independe dela (1Tm 6.16; Cl 1.16). Deus se revela como um ser pessoal que criou Adão e Eva “à sua imagem” (Gn 1.27). Porque Adão e Eva foram criados à imagem de Deus, podiam comunicar-se com Ele, e também com Ele ter comunhão de modo amoroso e pessoal. Deus também se revela como um ser moral que criou tudo bom e, portanto, sem pecado. Ao terminar Deus a obra da criação, contemplou tudo o que fizera e observou que era “muito bom” (Gn 1.31). Posto que Adão e Eva foram criados à imagem e semelhança de Deus, eles também não tinham pecado (Gn 1.26). O pecado entrou na existência humana quando Eva foi tentada pela serpente, ou Satanás (Gn 3; Rm 5.12; Ap 12.9).
4.4.3 Atividade de Deus na Criação
Deus criou todas as coisas em “os céus e a terra” (Gn 1.1; Is 40.28; 42.5; 45.18; Mc 13.19; Ef 3.9; Cl 1.16; Hb 1.2; Ap 10.6). O verbo “criar” (hb.“bara”) é usado exclusivamente em referência a uma atividade que somente Deus pode realizar. Significa que, num momento específico, Deus criou a matéria e a substância, que antes nunca existiram (Gn 1.3).
A Bíblia diz que no princípio da criação a terra estava informe, vazia e coberta de trevas (Gn 1.2). Naquele tempo o universo não tinha a forma ordenada que tem agora. O mundo estava vazio, sem nenhum ser vivente e destituído do mínimo vestígio de luz. Passada essa etapa inicial, Deus criou a luz para dissipar as trevas (Gn 1.3-5), deu forma ao universo (Gn 1.6-13) e encheu a terra de seres viventes (Gn 1.20-28).
O método que Deus usou na criação foi o poder da sua palavra. Repetidas vezes está declarado: “E disse Deus...” (Gn 1.3, 6, 9, 11, 14, 20, 24, 26). Noutras palavras, Deus falou e os céus e a terra passaram a existir. Antes da palavra criadora de Deus, eles não existiam (Sl 33.6,9; 148.5; Is 48.13; Rm 4.17; Hb 11.3).
Toda a Trindade, e não apenas o Pai, desempenhou sua parte na criação.
O próprio Filho é a Palavra (“Verbo”) poderosa, através de quem Deus criou todas as coisas. No prólogo do Evangelho segundo João, Cristo é revelado como a eterna Palavra de Deus (Jo 1.1). “Todas as coisas foram feitas por Ele, e sem Ele nada do que foi feito se fez” (Jo 1.3). Semelhantemente, o apóstolo Paulo afirma que por Cristo “foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis... tudo foi criado por Ele e para Ele” (Cl 1.16). Finalmente, o autor do Livro de Hebreus afirma enfaticamente que Deus fez o universo por meio do seu Filho (Hb 1.2).
Semelhantemente, o Espírito Santo desempenhou um papel ativo na obra da criação. Ele é descrito como “pairando” (“se movia”) sobre a criação, preservando-a e preparando-a para as atividades criadoras adicionais de Deus. A palavra hebraica traduzida por “Espírito” (ruah) também pode ser traduzida por “vento” e “fôlego”. Por isso, o salmista testifica do papel do Espírito, ao declarar: “Pela palavra do Senhor foram feitos os céus; e todo o exército deles, pelo espírito (ruah) da sua boca” (Sl 33.6). Além disso, o Espírito Santo continua a manter e sustentar a criação (Jó 33.4; Sl 104.30).
4.4.4 O Propósito e o Alvo da Criação
Deus criou os céus e a terra como manifestação da sua glória, majestade e poder. Davi diz: “Os céus manifestam a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos” (Sl 19.1; cf. 8.1). Ao olharmos a totalidade do cosmos criado — desde a imensa expansão do universo, à beleza e à ordem da natureza — ficamos tomados de temor reverente ante a majestade do Senhor Deus, nosso Criador.
Deus criou os céus e a terra para receber a glória e a honra que lhe são devidas. Todos os elementos da natureza — e.g., o sol e a lua, as árvores da floresta, a chuva e a neve, os rios e os córregos, as colinas e as montanhas, os animais e as aves — rendem louvores ao Deus que os criou (Sl 98.7,8; 148.1-10; Is 55.12). Quanto mais Deus deseja e espera receber glória e louvor dos seres humanos!
5-TEORIA DA ORIGEM DO HOMEM
A teoria da evolução, também chamada evolucionismo, afirma que as espécies animais e vegetais existentes na Terra não são imutáveis, mas sofrem ao longo das gerações uma modificação gradual, que inclui a formação de raças e espécies novas. Até o século XVIII, o mundo ocidental aceitava a doutrina do criacionismo, segundo a qual cada espécie, animal ou vegetal, tinha sido criado independentemente, por ato divino.
O pesquisador francês Jean-Baptiste Lamarck foi dos primeiros a negar esse postulado e a propor um mecanismo pelo qual a evolução se teria verificado. A partir da observação de que fatores ambientais podem modificar certas características dos indivíduos, Lamarck imaginou que tais modificações se transmitissem à prole: os filhos das pessoas que normalmente tomam muito sol já nasceriam mais morenos do que os filhos dos que não tomam sol. Chegava, mesmo, a admitir que era a necessidade de adaptar-se ao ambiente que fazia surgir nova característica, a qual, uma vez adquirida pelo indivíduo, se transmitiria a sua prole. Em contraposição, a inutilidade de um órgão faria com que ele terminasse por desaparecer.
A necessidade de respirar na atmosfera teria feito aparecer pulmões nos peixes que começaram a passar pequenos períodos fora d'água, o que teria permitido a seus descendentes viver em terra mais tempo, fortalecendo os pulmões pelo exercício; as brânquias, cada vez menos utilizadas pelos peixes pulmonados, terminaram por desaparecer.
Assim, o mecanismo de formação de uma nova espécie seria, em linhas gerais, o seguinte: alguns indivíduos de uma espécie ancestral passavam a viver num ambiente diferente; o novo ambiente criava necessidades que antes não existiam, as quais o organismo satisfazia desenvolvendo novas características hereditárias; os portadores dessas características passavam a formar uma nova espécie, diferente da primeira.
A doutrina de Lamarck foi publicada em Philosophie zoologique (1809; Filosofia zoológica), e teve, como principal mérito, suscitar debates e pesquisas num campo que, até então, era domínio exclusivo da filosofia e da religião. Estudos posteriores demonstraram que apenas o primeiro postulado do lamarckismo estava correto; de fato, o ambiente provoca no indivíduo modificações adaptativas; mas os caracteres assim adquiridos não se transmitem à prole.
Em 1859, Charles Darwin publicou The Origin of Species (A origem das espécies), livro de grande impacto no meio científico que pôs em evidência o papel da seleção natural no mecanismo da evolução. Darwin partiu da observação segundo a qual, dentro de uma espécie, os indivíduos diferem uns dos outros. Há, portanto, na luta pela existência, uma competição entre indivíduos de capacidades diversas. Os mais bem adaptados são os que deixam maior número de descendentes.
Se a prole herda os caracteres vantajosos, os indivíduos bem dotados vão predominando nas gerações sucessivas, enquanto os tipos inferiores se vão extinguindo. Assim, por efeito da seleção natural, a espécie aperfeiçoa-se gradualmente. Entretanto, o sentido em que age a seleção natural é determinado pelo ambiente, pois um caráter que é vantajoso num ambiente pode ser inconveniente em outro.
Os indivíduos que têm o corpo recoberto por uma espessa camada de pêlos levam vantagem num clima frio, mas estão menos adaptados a um clima quente. Se uma espécie tem indivíduos dos dois tipos (peludos e desprovidos de pêlos), a seleção natural fará com que venham a predominar os primeiros nas regiões frias e os outros nas regiões quentes. Isso será o início da diferenciação de duas raças que, tornando-se cada vez mais diferentes, acabarão por constituir espécies distintas.
O darwinismo estava fundamentalmente correto, mas teve de ser complementado e, em alguns aspectos, corrigido pelos evolucionistas do século XX para que se transformasse na sólida doutrina evolucionista de hoje. As idéias de Darwin e seus contemporâneos sobre a origem das diferenças individuais eram confusas ou erradas. Predominava o conceito lamarckista de que o ambiente faz surgir nos indivíduos novos caracteres adaptativos, que se tornam hereditários.
Um dos primeiros a abordar experimentalmente a questão foi o biólogo alemão August Weismann, ainda no século XIX. Tendo cortado, por várias gerações, os rabos de camundongos que usava como reprodutores, mostrou que nem por isso os descendentes passavam a nascer com rabos menores. Weismann estabeleceu também a distinção fundamental entre células germinais e células somáticas.
Nas espécies de reprodução sexuada, todas as células de um indivíduo provêm da célula inicial única que lhe deu origem. No entanto, durante o desenvolvimento diferenciam-se no corpo duas partes, com destinos biológicos diversos. As células reprodutivas (gametas) transmitem aos descendentes as características dos ancestrais. As células somáticas, que constituem o resto do corpo (soma), não passam à prole: morrem com o indivíduo, o que explica por que as modificações produzidas no soma pelo ambiente não passam à prole.
Complementando as idéias de Weismann, em 1909 o geneticista dinamarquês Wilhelm Ludvig Johannsen demonstrou que a variabilidade dos indivíduos dentro de uma espécie é, em parte, produzida por diferenças nos genes que os indivíduos possuem e, em parte, por influência do meio. O fenótipo, ou aspecto do indivíduo resulta da ação do genótipo, modificada por fatores ambientais. Só o genótipo, ou conjunto de genes, passa para a prole. Se o ambiente varia, o indivíduo passa a ter um fenótipo diferente, sem que o genótipo se altere. O caráter adquirido em resultado da adaptação individual não passa, portanto, à prole.
As variações hereditárias têm origem diferente. Baseando-se em estudos feitos com a planta denominada Oenothera lamarckiana, o botânico holandês Hugo de Vries elaborou em 1901 a teoria das mutações. De vez em quando, os genes sofrem modificações espontâneas, não relacionadas com a influência do ambiente, e passam a determinar novos caracteres hereditários. Essas mutações quase nunca são adaptativas; entretanto, pode acontecer, por acaso, que uma delas venha a ser útil a seu portador, num determinado ambiente. Nesse caso, tal indivíduo leva vantagem na competição com os demais e tem maior probabilidade de deixar prole numerosa, a qual herdará o gene mutado. O novo caráter vai, aos poucos, predominando, podendo mesmo vir a substituir o antigo numa população, dando início a uma variedade que pode, por um mecanismo semelhante, transformar-se numa espécie nova.
Os citologistas do fim do século XIX tinham descrito o comportamento dos cromossomos durante a mitose e a meiose. Esses conhecimentos, combinados com as leis de Mendel, mostravam claramente que os fatores hereditários antagônicos não se fundem no híbrido, de modo que os caracteres surgidos por mutação, ainda que muito raros, não se diluem por efeito dos cruzamentos que se processam ao longo das gerações subseqüentes, como pensava Darwin.
Se o gene que sofreu mutação determina um caráter inconveniente, será eliminado por seleção natural; mas se, por acaso, a mutação é benéfica, a freqüência do gene correspondente aumentará nas gerações sucessivas, e o gene não perderá suas características por coexistir com seus alelos nos indivíduos híbridos.
Outra fonte de variação hereditária, ao lado das mutações, é a recombinação entre os genes. O estudo da meiose e da segregação mendeliana mostrou que, ao passar de uma geração para a seguinte, os genes são, por três vezes, reagrupados ao acaso.
Na prófase da meiose, os cromossomos trocam pedaços e ficam, assim, com certos alelos diferentes dos que possuíam. Na metáfase, os cromossomos homólogos se separam e vão formar, nos gametas, conjuntos haplóides em que figuram cromossomos maternos e paternos em qualquer proporção. Finalmente, na fecundação, os cromossomos assim reorganizados vão-se juntar com os provenientes de um outro indivíduo. O número de genótipos diferentes que podem surgir em conseqüência da recombinação de genes é extraordinariamente grande.
5.1.1 O que sugere a teoria da evolução?
O mundo que nos rodeia revela dois aspectos notáveis. Em primeiro lugar, existe uma surpreendente variedade de plantas e animais – centenas de milhares de espécies diferentes, mais organizadas em ordem perfeita, com uma clara divisão em famílias que compartilham certas qualidades. Cada espécie existente possui características invariáveis que lhe são próprias.
Em segundo lugar, existe um certo objetivo na existência do mundo. Todos os aspectos de cada criatura, como a sua conduta, estão destinados a um propósito específico, por exemplo, a sobrevivência individual ou a continuação da espécie. Assim, as formas com que cada indivíduo interage com outros em sua espécie tem uma razão definida. Igualmente existem motivos nas relações entre espécies diferentes e, ainda, entre a vida vegetal ou animal e o seu meio. O estudo destas relações é o objetivo da ecologia.
A teoria da evolução se esforça para explicar estes dois aspectos do nosso mundo – a infinita e organizada variedade de espécies existentes.
Darwin formulou a teoria da evolução baseando-se em certas descobertas científicas. Sua teoria sustenta, em resumo, que “que no princípio houve matéria inerte”. Ele acreditava que a conjunção casual de certos produtos químicos deu origem a um composto que, por sua estabilidade e características superiores, adquiriu a capacidade de sobreviver, adaptar-se e reproduzir-se. Em outras palavras, esta substância inicial tinha a capacidade de criar outros compostos do mesmo tipo por meio de processos físicos e químicos comuns. Isto é o que chamamos de “a primeira célula”.
Por meio de sucessivas reações químicas e mudanças no meio ambiente, o composto adquiriu uma crescente complexidade. Através de bilhões de anos, sofreu inumeráveis mutações, adquiriu novas características, até que, finalmente, resultou na estrutura químico-física que conhecemos como “homem”. Todas as formas de vida existentes na atualidade são apenas estágios da evolução casual da mesma matéria inerte.
A infinita variedade de espécies é explicada pela grande quantidade de aliterações ocorridas, casualmente, em diferentes meios circundantes. As similaridades entre as espécies devem-se ao fato de que a vida evoluiu a partir dos mesmos produtos químicos. Como se produziram exatamente estas mudanças e o que as originou? As explicações para tais perguntas foram diferentes em cada época. As teorias de Darwin como foram inicialmente enunciadas foram rapidamente refutadas pelas evidências científicas.
A teoria atualmente em pauta é a denominada “neodarwinismo” e está baseada no conceito das mutações, alterações repentinas e casuais nos códigos genéticos transmitidos a uma nova geração, causadas por um “erro” da natureza. Esses erros podem ser evidenciados, por exemplo, no nascimento de cordeiro com duas cabeças, ou de uma criança sem membros, devido a alguma droga administrada à sua mãe. Segundo esta teoria, supõe-se que as mutações operam em conjunto com outros dois mecanismos: a sobrevivência do mais apto e a adaptação às mudanças do meio. São estes fatores que deram origem ao mundo que conhecemos atualmente através da “seleção natural”.
5.1.2 Passando a Limpo a Teoria da Evolução
O maior enigma quando nos deparamos com uma nova máquina de complexo e suave funcionamento, projetada para um determinado fim, é explicar como ela foi produzida. Digamos que o primeiro astronauta na Lua tivesse encontrado ali um instrumento relativamente simples. Suponhamos que ele tivesse achado um relógio, onde cada parte estivesse integrada as outras e, juntas, produzissem uma ação para um fim determinado: girar seus ponteiros num ciclo constante. Teria ele exclamado: “como é maravilhoso que isso tenha sido criado pelas leis da natureza!” se alguém escuta um concerto para piano, pensaria, por acaso, que poderia ter sido composto por um gato pulando sobre as teclas em uma ordem casual? Poderiam macacos – adestrados para usar uma máquina de escrever – datilografar sozinhos as Escrituras Sagradas, mesmo num lapso de milhões de anos?
A teoria da evolução sustenta que todo ser vivo foi criado por um processo casual, por uma série de erros ou acidentes nas transferências dos códigos genéticos de uma geração para a seguinte. Esta idéia é tão absurda quanto as antigas crenças pagãs, sobre as quais há muito tempo disse Rabi Akiva: “tal como a construção é o testemunho do construtor, assim o mundo é testemunha do criador”.
Mesmo em termos matemáticos modernos, os defensores da teoria da evolução admitem que a probabilidade de que a molécula inicial foi criada por acaso é uma em 10, isto é, um sobre 10 seguido por 251 zeros! E esta inexpressiva, minúscula probabilidade de que este primeiro elo hipotético houvesse sido produzido. Desde este princípio até a formação do homem se estende, por certo, uma colossal cadeia de probabilidades. Mesmo se todos os outros “fatos” que validam e sustentam essa teoria fosse comprovado, o que não ocorreu, seríamos capazes de negar as conclusões da matemática?
Além disso, é evidente que a teoria da evolução não dá uma resposta à questão básica de quem criou a vida, ou seja: quem criou o primeiro átomo? Hoje, sabemos que mesmo o átomo mais simples é tão complexo, que o homem não está em condições de compreender seus segredos.
O ganhador do prêmio Nobel, Francis Crik, cujo trabalho sobre as mutações exerceu uma grande importância em relação às evidências da teoria da evolução, discutiu esse problema em um artigo recente. Afirmou que chegou à conclusão de que a evolução da vida sobre a terra pode ser entendida nos termos admitidos pela teoria de Darwin. Ele sugeriu a teoria da impregnação universal, a qual afirma que a origem da vida sobre a terra deve-se a criaturas de outros planetas que transportaram as sementes da vida ao nosso. Parece ignorar que simplesmente transferiu o problema a outro plano. Quem criou estas hipotéticas criaturas do espaço exterior?
Voltemos a uma análise científica da probabilidade da teoria da evolução do ponto de vista de uma das leis da natureza, comumente considerada como uma das mais fundamentais: a segunda lei da Termodinâmica. Em termos mais simples, esta lei afirma que todo processo natural que opera de forma autônoma “provoca um estado de maior desordem que quando começou”. Em outras palavras, na natureza todo processo espontâneo aumenta sua desorganização e acarreta uma dissipação de energia.
Se jogarmos cem bilhões de bolas de bilhar sobre uma enorme mesa, a probabilidade de que formem um quadrado, aleatoriamente, é zero em comparação com a probabilidade de que sua configuração final não mostre nenhuma ordem. Segundo esta lei da natureza, se desejássemos que estas bolas continuassem colidindo entre si perpetuamente, sem interferência alguma, elas criariam uma situação de crescente desordem. Não podemos esperar que formem, repentinamente, por exemplo, uma linha reta. A forma com que uma barra de açúcar se dissolve em uma xícara de chá quente é outro exemplo desta lei em ação. Outro exemplo, ainda, é misturar uma colherinha de água fervente em um copo de água fria. Isto produziria uma temperatura uniforme intermediária em todo o copo. Não teria sentido científico sustentar que um setor do copo de 100ºC e outro, de 0ºC. Isto é, precisamente, o que afirma a teoria da evolução.
Voltando às nossas bolas de bilhar: permitiria a segunda lei da Termodinâmica afirmar que bilhões de átomos se ordenariam por si próprios, sem nenhuma assistência externa, em uma configuração tão organizada e improvável como o corpo humano? Certamente, não! E esta anomalia não é um fato isolado que teria ocorrido uma vez num passado distante! Pelo contrário; para que a vida seja possível, deve-se preservar um estado de organização, a despeito da pressão do meio, o qual atua de acordo com as leis da natureza “para dispersar a energia de desfazer a ordem”! O fato de que o corpo humano conserva uma temperatura constante quaisquer que sejam as condições do ambiente é um fascinante contraste com o nosso corpo d’água.
Por causa dessa inegável singularidade, um “detalhe” no universo, Wigner, um dos mais distintos físicos de nosso tempo, deu a seguinte definição à vida: “um estado de probabilidade zero”.
Todas as tentativas de explicar esta interessante imutável – a temperatura do corpo humano – como resultado das ações da seleção natural e mero acaso, encerra uma óbvia falácia em sua lógica. Estes supostos mecanismos estariam sujeitos à influência do meio, visando destruí-los. Desta forma, sua existência contínua deveria, ipso facto, requerer mecanismos ainda mais amplos de controle, e assim sucessivamente ad infinitum. Se assim, o fenômeno da vida não pode ser explicado como persistência natural de uma anomalia termodinâmica, e o problema permanece insolúvel!
Em resumo, as leis da natureza provêem uma adequada explicação sobre como a vida se torna inanimada após a morte, mas não podem explicar como o inanimado, por si próprio e como resultado de uma série de acidentes, pode produzir a vida.
O espaço disponível não nos permite examinar todos os problemas contradições da teoria da evolução. De qualquer forma, eis um resumo do trabalho “acaso necessidade”, do biólogo francês e prêmio Nobel Jacques monod. Baseando suas idéias nos elementos químico-biológicos da teoria da evolução, este cientista se viu forçado a admitir que existe um problema insolúvel: se tudo é produto do acaso, por que tudo sucede da mesma forma e de acordo com o mesmo plano? “Nossos ácidos nucléicos se formam somente uma vez. Por que não duas ou três vezes? Por que é suficiente um único código genético para todo o mundo? Estas são perguntas muito difíceis para as quais não temos respostas”.
A própria teoria da evolução se contradiz. É uma tentativa de explicar por que parece haver um método no desenvolvimento da vida. No entanto, este método aparente deve ser obra das leis da natureza que, por sua vez, não podem ser consideradas metódicas, mas sim casuais. Mesmo quando não se possa afirmar que estas leis tenham algum propósito, o mecanismo por meio do qual operam – seleção e adaptação natural – está definitivamente dirigido segundo um certo objetivo.
5.1.3 Por que a teoria da evolução é amplamente aceita?
Em vista do que foi dito anteriormente, por que, então, grande parte dos cientistas e da população em geral, acredita que a teoria da evolução representa um fato comprovado? Uma das razões desta ampla aceitação é que muita gente está predisposta a ela. Através da explicação do surgimento da vida como resultado das forças naturais fortuitas, as pessoas se consideram autorizadas a negar a existência do criador e a acreditar que nossa vida aqui não tem uma finalidade predeterminada. Esta teoria foi formulada precisamente quando os movimentos agnósticos ganharam terreno na Europa. O movimento da hascalá – o iluminismo judaico – também se originou nesse período. De fato, o século XIX foi conhecido como o século ateu.
A teoria da evolução também serve aos teóricos políticos e a distintos partidos, que se autoproclamaram ateístas, comunistas ou nazistas, e a teóricos sociais. Para estes, a luta de classes pode ser considerada um exemplo da luta natural do indivíduo para sobreviver. E a luta natural do indivíduo serve, como seleção natural, para aperfeiçoar a espécie. O credo racial de Hitler é o exemplo mais aterrorizante do que acontece quando os princípios da teoria de Darwin são aplicados à sociedade humana. Hitler propôs, entre outras atrocidades, a “eutanásia” para os casos afetados de males incuráveis, porque: “a natureza não tem piedade das criaturas mais fracas que são destruídas, sobrevivendo apenas os aptos. Ir contra a natureza causa a ruína ao homem... e isso é um pecado contra a vontade do Eterno Criador... somente o descaramento judeu pode exigir que dominemos a natureza!” (Mein Kampf).
A razão mais importante para a ampla aceitação da teoria da evolução entre os seculares é o fato de que ela é lecionada nas escolas – e mesmo nas universidades – como um fato cientificamente comprovado. Ela é descrita através de impressionantes termos latinos e reconstruções gráficas. Sua natureza hipotética, entretanto, suas inconsistências, as questões sem respostas e a crítica dos cientistas acerca dela são ignoradas. Acrescente o fato de que é lecionada por cientistas. Assim, não é de se espantar que muita gente acredite que esta teoria seja uma verdade incontestável.
O público em geral, bem como muitos cientistas, sabe muito pouco sobre os fundamentos da ciência, a validade das hipóteses, ou a base axiomática do método científico. Em conseqüência, muitas pessoas têm a impressão de que, se um cientista diz alguma coisa, deve ser verdade. Por outro lado, as pessoas tendem a confundir a ciência aplicada com a ciência teórica. Os surpreendentes avanços tecnológicos que a ciência logrou não lhe outorgam crédito a hipóteses no terreno da biologia.
A maior dificuldade é entender o modo de pensar dos grandes cientistas. Em vista dos fatos, eles devem decidir se é correta a teoria da evolução ou se é mais lógico aceitar a existência de um supremo criador, que criou o mundo para um fim determinado.
Ao contrário de uma questão como: “poderia uma moeda, perfeitamente balanceada, cair 84.000 vezes seguidas sobre o mesmo lado?” Cuja resposta na teria sérias implicações para ninguém, a questão da origem da vida certamente tem. Se a resposta for que a teoria de Darwin não é racional, então dependemos de um supremo Criador que criou o mundo para um fim determinado, e precisa de nós para cumprir alguma função. A aceitação de que a vida tem um sentido e uma finalidade implica em admitir que o homem não é uma ocorrência acidental. Se a vida possui um sentido, então existem conseqüências às ações do homem e ele deve ser responsável por seus atos, esta é a concepção da fé religiosa, em oposição à visão de um mundo sem sentido e, portanto, niilista.
Seria de se esperar que uma pessoa decidisse esta questão crucial somente com base numa análise intelectual, pura e determinada, e só então determinasse qual seu papel e o que deveria desempenhar durante sua vida. Mas, na prática, isso não ocorre. Pelo contrário! É comum que os desejos do homem ditem suas decisões intelectuais.
A inclinação do homem para esquivar-se de responsabilidades e de sua dependência de Deus condicionam, de certa forma, sua mente, seus desejos lhe ensinam que “o mundo não é de ninguém; pegue o que quiser e desfrute dele o máximo possível”. É como o “suborno que cega os olhos dos sábios” (Devarim 16.19).
Este estranho fato, de que o intelecto de uma pessoa e sua lógica sejam distorcidos por seus desejos, também foi observado pela psicologia moderna. A Psicologia criou o termo “racionalização” para o processo pelo qual uma pessoa idealiza explicações racionais de suas ações, quando não está em condições de admitir seus motivos reais, ou quando está renitente em relação a eles. Um bom exemplo disto é o caso de um homem hipnotizado, a quem foi ordenado tirar a camisa quando o hipnotizador estalasse seus dedos futuramente. Também lhe foi dito que esquecesse que esteve hipnotizado. No entanto, quando o hipnotizador estala seus dedos futuramente, o homem começa a tirar sua camisa sem saber porquê. Hesita por um instante mas, ao completar a ação, exclama: “que calor, não é verdade?!”. Em seu desejo de ser lógico, uma pessoa recorre freqüentemente a explicações de uma lógica duvidosa. O Talmud sabia tudo sobre a “racionalização” muito antes de sua descoberta pela moderna psicologia. No tratado de San’hedrin (63b) está escrito: “O povo de Israel praticou a idolatria somente para poder cometer abertamente pecados relativos a sexualidade”, admitindo que o verdadeiro criador fosse uma estátua qualquer, estariam então autorizados pela estátua, a cometer tais atos imorais.
A base psicológica do suposto conflito entre ciência e religião é o seguinte: o desejo subconsciente do homem de evitar a responsabilidade por suas ações e negar um objetivo à vida. Através do processo de racionalização ele procura obter explicações que contradigam a crença religiosa.
O espaço disponível não nos permite dedicar a essas idéias toda a atenção que merecem, mas resultarão mais claras se considerados o que escreveram alguns cientistas notáveis.
Aldus Huxley, o famoso cientista e filósofo contemporâneo era um dos fortes defensores da Teoria da Evolução. No final de sua vida publicou um ensaio intitulado “Confissões de um Ateísta Profissional”, no qual afirmou entre outras coisas: “Eu tinha motivos para não aceitar que o mundo tem uma certa finalidade e, como conseqüência, supus que realmente não tinha, sendo que facilmente encontrei explicações satisfatórias para tal suposição... Para mim, como sem dúvida para muitos de minha geração, a filosofia da falta de finalidade era um instrumento de libertação... de um certo sistema moral. Nos opomos a moralidade porque ela interfere em nossa libertinagem”.
A isto podemos acrescentar as palavras do notável filósofo Herbert Spencer, o qual afirmou: “Se fossemos obrigados a escolher entre explicar manifestações metafísicas em termos físicos ou explicar manifestações físicas em termos metafísicos, a segunda alternativa nos parecia mais racional”. De qualquer modo, esta escolha entre a segunda (a da fé religiosa) e a primeira alternativa, não acontece em geral de forma intelectual e imparcial, mas sim através de desejos que escravizam a mente e distorcem o pensamento.
Em seu livro “A Onipotência da Seleção Natural”, o professor Weisman escreve: “Devemos aceitar o princípio da seleção natural porque oferece a única explicação da finalidade do mundo natural sem que necessitemos tomar consciência de que foi criado por uma força que assim o quis e o fez intencionalmente”. Eis aqui um argumento convincente!
Finalmente, observamos a ironia nesta proposição material para a vida, que rejeita a possibilidade de qualquer força sobrenatural no mundo. Como temos assinalado, esta visão se torna tão penetrante por causa do desejo do homem de libertar-se de sua dependência de Deus e considerar a si mesmo o mestre do Universo. Mas o que conseguiria com isso? De fato seria um “mestre do Universo”? Ao invés de se elevar, certamente se degradaria, convertendo-se em um aparato químico criado pelo mero acaso; um robô que se destaca no mundo inanimado somente pelo seu grau de complexidade.
5.1.4 Considerações finais
Muitos cientistas estão dispostos, erroneamente, a sair dos limites de suas disciplinas. Este fato tem sido a causa da cautela com que muitos sábios judeus consideraram as ciências através da história. Não por se oporem a ciência, mas por estarem inteirados da facilidade que é para uma pessoa ceder aos próprios desejos. A questão da atitude da Torá para com as ciências é muito ampla para ser tratada aqui em profundidade, portanto, concluiremos considerando apenas alguns pontos chave:
Quando Deus disse a Adam: “Encha a terra domine-a”, ordenou-lhe um preceito que visava utilizar seus recursos criativos a fim de modificar o meio e utilizar as leis da natureza como instrumentos para servir a Deus.
Os dados científicos são freqüentemente necessários para resolver problemas de halachá, a lei judaica. Elaborar calendário judaico e determinar as horas do dia, por exemplo, requer conhecimentos de astronomia. Também é necessário grande conhecimento de medicina para assuntos relacionados com o transplante de órgãos ou para estabelecer quem não deve jejuar em Yom Kipur.
Outro aspecto do estudo da ciência é que, quanto mais uma pessoa aprende da obra da natureza, tanto mais sente veneração pelas maravilhosas realizações de Deus. Deste modo, seu conhecimento acerca do criador e sua fé nele se fortalecem. As palavras do Rei David (Tehilim 8.3-4): “Quando considero teus céus, obra de teus dedos, e a lua e as estrelas que tu criaste, o que é o homem para que tenhas lembrança dele?” encontram eco nas palavras pronunciadas por Albert Einstein, quando afirmou: “a essência da minha religião é um sentimento de humildade e admiração pelo infinito e supremo poder metafísico, que se revela em pobres fatos compreensíveis para nossa infantis e débeis mentes”. Em “Hilchot Yessodê Hatorá”, o Rambam (Maimônides) escreve: “Qual é o caminho do amor e temor a Deus? Quando o homem observa Suas grandiosas a admiráveis proezas e criaturas, vê através delas sua imensa e infinita sabedoria. Imediatamente louva-O, exalta-O e adora-O, sentindo uma intensa satisfação por conhecer Deus”.
5.2 Teorias Criacionistas
O criacionismo foi durante muito tempo à explicação mais aceita sobre a Criação e desenvolvimento do Universo e da vida. Mas durante vários séculos até a era contemporânea, com o avanço das ciências naturais e o seu posterior desvinculamento da religião, novas explicações foram deduzidas sobre a origem do Universo, do planeta Terra e da vida. Essas transformações geraram e até hoje geram um enorme conflito entre certos grupos religiosos, onde os cristãos se configuram como os principais proponentes dessa polêmica que pode ser definida pelo seu mais famoso embate: Criacionistas x Evolucionistas.
Criacionismo é um termo geral utilizado para definir o sistema de crenças em que se afirma que o Universo e tudo contido nele (galáxias, planetas, a vida, etc.) foram criados por uma entidade inteligente. O criacionismo em si é dividido em várias vertentes e sub-vertentes, dependendo da religião que ele se origina (certos tipos de criacionismo não têm ligações com religiões), e na interpretação que cada grupo de criacionistas dá à Criação do Universo ou do mundo. Normalmente ligando a Deus o papel da entidade inteligente.
5.2.1 Tipos de Criacionismo
Grupos criacionistas podem ser classificados das mais variadas formas já que o critério escolhido para dividi-los sempre será subjetivo. Os criacionistas podem ser divididos em três grandes categorias
Os que acreditam que a entidade inteligente é Deus ou deuses. Os representantes desse grupo são normalmente relacionados a religiões. Teoricamente todas as religiões que englobam a criação do Universo por deuses podem ter adeptos que se denominam criacionistas. Nessa categoria, o cristianismo é a religião mais participativa, tendo como principais grupos: O Young-Earth Creationism (Criacionismo da Terra Jovem, conhecidos como YEC´s na sigla em inglês) e o; Old-Earth Crationism (Criacionismo da Terra Antiga, conhecidos como OEC, na sigla em Inglês). Vale fazer uma pequena observação aqui. Embora YEC´s e OEC´s serem grupos cristãos, nada impede de grupos de outras religiões estimarem a idade da Terra ou do Universo, e também serem classificados pelo mesmo termo.
Os que acreditam que a entidade inteligente seja uma forma de vida inteligente (alienígenas). Esse ramo do criacionismo afirma que o ser humano foi criado a partir de manipulações genéticas de espécies ancestrais, realizados por alienígenas. Esses alienígenas foram considerados Deuses pelas primeiras civilizações da antiguidade, devido a sua superioridade tecnológica, os colocando como seres "sobrenaturais" e inexplicáveis. Portanto dentro dessa visão de criacionismo, todos os livros sagrados relatando a relação sobre os homens e os deuses são na verdade os relatos históricos mistificados desses povos com as civilizações alienígenas. Esse grupo é basicamente alimentado pelas idéias de autores que ficaram famosos pela criação da Hipótese dos Antigos Astronautas por autores como Erich von Däniken e Zecharia Sitchin, embora os mesmo não se denominam como criacionistas.
Os que acreditam na entidade inteligente, mas deixam sua identidade em aberto. Esse grupo já é um ramo um tanto separado do criacionismo em geral. Eles acreditam que o Universo a vida, ou certos sistemas que compõe a vida, são complexos demais para terem surgido pelas simples convergência da natureza, inferindo então que uma entidade inteligente foi necessário para criá-los. O ponto interessante desses grupos é de que eles não dão uma identidade a sua entidade inteligente, fazendo com que muitas das alegações que eles façam sejam usadas por outros grupos criacionistas para legitimar suas hipóteses.
5.2.2 Criacionismo judaico
O criacionismo judeu não se difere muito do criacionismo cristão, já que compartilham da mesma história da Criação. As vertentes também não se alteram, existindo criacionistas e evolucionistas teístas. As únicas coisas que se alteram são as interpretações dadas a Criação e como ela vem refletir na religiosidade do adepto. A maior parte dos judeus se considera evolucionista teísta, embora os criacionismo mais literais ganhassem enorme espaço entre os segmentos Ortodoxos do judaísmo.
5.2.3 Criacionismo islâmico
O criacionismo islâmico se difere muito pouco dos demais. Em questões de Criacionistas literalistas, divergem em algumas passagens do Gênesis da Bíblia já que o Alcorão é que apresenta um relato mais sofisticado, enquanto a Criação contida na Bíblia seria uma corrupção do verdadeiro relato. Movimentos mais liberais dentro do islamismo apresentam um ponto de vista evolucionista teísta em relação a criação, sendo o homem diretamente criado por Deus. O criacionismo mais literal tem maior apoio entre as populações da Malásia, Indonésia, e entre algumas comunidades no Ocidente. A capital do criacionismo literalista é a Turquia onde seu maior proponente, Harun Yahya (pseudônimo de Adnan Oktar) organiza conferências, palestras e é chefe de uma Organização de Pesquisa Criacionista.
5.2.4 Exocriacionismo
O exocriacionismo postula que em um determinado período da pré-história, civilizações alienígenas conduziram experiências de manipulação genética nos primatas ancestrais de nossa espécie, misturando DNA alienígena e primata, formando assim o Homo Sapiens e alguns de seus ancestrais mais próximos no processo. Depois do período de criação, essas civilizações permaneceram na Terra, exercendo suas influências nos seres humanos, em um processo de aprendizagem e transmissão de conhecimento. Desde astronomia, as ciências naturais, ao uso de utensílios, esse grupo particular acredita que a maior parte da tecnologia e cultura das civilizações e grupos humanos do passado foi de origem alienígena. Essa crença é apoiada pelos incríveis monumentos criados por civilizações que aparentemente não apresentam o aparato tecnológico parar realizá-las, como as pirâmides tanto egípcias quanto das civilizações da América central, quanto os gigantes de pedra da ilha de Páscoa.
O principal grupo exocriacionista é o Movimento Raeliano. Raelismo é um sistema de crenças promovido pelo Movimento Raeliano, uma seita que acredita que alienígenas cientificamente avançados conhecidos como Elohim (nome retirado dos textos hebreus da Bíblia Cristã e da Torá normalmente traduzido como Deus é traduzido pelo movimento raeliano como “aqueles que vieram do céu”) criaram a vida na Terra através de engenharia genética, e que a combinação de clonagem humana e “transferência de mente” podem promover a imortalidade. Raelismo é classificado como um novo movimento religioso pela maioria dos estudiosos e governos, mas tem sido vista por alguns como uma seita. Tem sido também caracterizada por muitos observadores como um tipo de “Religião OVINI” (UFO religion). Além dos Raelianos existem grupos ou pessoas que acreditam que existiu uma influência alienígena na vida da Terra.
5.2.5 Desenho Inteligente
O Desenho Inteligente (Intelligent Design) postula que certas características do Universo e dos seres vivos são mais bem explicadas por uma causa inteligente, e não por um processo natural como a seleção natural. Seus defensores aclamam intelligent design como uma teoria científica que é considerada no mesmo nível, ou até superior, as teorias propostas pela comunidade científica em relação à origem da vida.
Suas divisões são tênues e pouco significativas. Enquanto alguns acreditam que toda a vida e o Universo foram criados por uma entidade inteligente, outros postulam que só certas partes dos organismos e do Universo foram criadas por essa entidade inteligente.
5.2.6 Criacionismo cristão
O criacionismo cristão é dividido em três grupos principais.
Criacionismo da Terra jovem: Os Young Earth Cretionists acreditam que o Universo e a Terra tenham sido criados recentemente (aproximadamente de 6 a 10 mil anos atrás) e toda a vida contida nele de acordo ao texto de Gênesis (literalistas). A maior parte aceita a "microevolução" enquanto um grupo menor não, mas todos em geral negam a "macroevolução". Dentro da microevolução existem os que defendem que Deus criou vários grupos de animais separados, chamados de tipos criados (created kind) e que através da microevolução, eles se adaptaram aos mais diversos ambientes, mas continuando o mesmo "tipo" de animal. Já existem outros que negam prontamente qualquer existência de evolução, afirmando que Deus criou todas as espécies como elas são até hoje sem modificações. Os YEC´s tendem a negar praticamente todas as bases de ciências como a Astronomia, Paleontologia, Biologia, Geologia e etc.
Criacionismo da Terra antiga: Os Old Earth Creationists compartilham a maior parte de suas características com os YEC´s mas divergem em certos pontos da interpretação bíblica e da idade da Terra. Os OEC´s acreditam que a Terra foi criada em um período remoto entrando em acordo com a idade estimada pela ciência de 4,5 bilhões de anos. Eles também defendem que certas partes do Gênesis devem ser interpretadas metaforicamente. Mesmo entrando em concordância com a maior parte das ciências, os OEC´s ainda não aceitam a Teoria da Evolução em sua totalidade, ou a repudiam totalmente.
Evolucionismo teísta: Os Theistic Evolutionists acreditam que o Universo, o planeta Terra e vida foram criados por Deus, mas diferem dos outros grupos criacionistas por aceitarem completamente a Teoria da Evolução, vendo ela como uma ferramenta para com a qual Deus construiu a vida na Terra. A maior parte do grupo aceita uma visão alegórica do relato do Gênesis e entram em conformidade com as ciências em si. Existem pequenas divergências sobre o papel do homem na evolução. Enquanto alguns grupos acreditam que os seres humanos evoluíram da mesma forma que outros animais, outros vêem que o homem foi à criação especial de Deus, tendo uma evolução mais "planejada" que as dos outros animais.
A evolução teísta contradiz a Bíblia. Em apoio ao papa, Donald Devine escreve: "O homem pré-humano aparentemente existiu por milhões de anos... Isso não é uma refutação da Bíblia, mas uma confirmação – pois indica que foi preciso que DEUS soprasse nele uma alma antes que o homem pudesse ser homem." Pelo contrário! A evolução teísta, que exige ancestrais pré-humanos para o homem (para os quais nenhuma evidência jamais foi encontrada), não contradiz apenas o livro de Gênesis, mas toda a Bíblia.
Moisés afirma que DEUS formou Adão "do pó da terra", e que depois formou Eva a partir de uma de suas costelas (Gn 2.7, 18-22). Ancestrais pré-humanos não podem ser reconciliados com o relato autenticado por JESUS: "Não tendes lido que o Criador desde o princípio os fez homem e mulher, e que disse: Por esta causa deixará o homem pai e mãe, e se unirá a sua mulher, tornando-se os dois uma só carne?" (Mt 19.4-5). CRISTO confirma o relato de Gênesis ao citá-lo em Seu ensino. Paulo também atesta a veracidade do relato ao declarar que "primeiro foi formado Adão, e depois Eva" (1Tm 2.13-14 – ver também 1Co 15.22, 45; Judas 14). Eles não eram um par de criaturas pré-humanas nas quais DEUS infundiu almas humanas.
Além disso, Paulo afirmou que o pecado entrou no mundo por meio de Adão, e pelo pecado a morte (Rm 5.12). Se Adão e Eva tivessem tido ancestrais que viveram e morreram por milhares (ou milhões) de anos de evolução até que DEUS os humanizasse, a morte teria operado na terra antes que Adão pecasse – uma contradição clara do relato de Gênesis, do ensino de CRISTO, da pregação de Paulo e do Evangelho. O cardeal de Nova Iorque, John O’Connor, diz que Adão e Eva podem ter sido "animais inferiores".
Argumentação criacionista. Apesar da predominância de correntes evolucionistas nos meios acadêmicos, alguns cientistas tornaram-se notados por defenderem o criacionismo clássico, que envolve a crença num criador. Note-se, contudo, que a Ciência não pode tratar de assuntos de fé, mas apenas daquilo que é observável e passível de experimentação. Um cientista pode defender princípios religiosos ou ideológicos, mas esses princípios religiosos ou ideológicos não passam a ser científicos por serem defendidos por um cientista. Os argumentos de pessoas pertencentes a comunidade científica em favor do criacionismo apontam para a organização e exatidão das leis naturais. Esta visão dá uma imagem que se parece com aquela proposta por Isaac Newton, ao comparar o mundo a um mecanismo que evidencia um projeto inteligente e sobrenatural. As novas tendências científicas têm, contudo, levado a uma diferente visão do universo, menos determinista e mecanicista. É comum dar como exemplo a distância propícia entre o Sol e a Terra, que permite temperaturas amenas que possibilitam a continuidade da vida - é interessante verificar que este mesmo argumento é utilizado pelos evolucionistas para referir o caráter excepcional da posição da Terra, não para uma suposta "continuidade" (palavra que implica a idéia de um projeto ou um plano para a Criação), mas para a sua emergência e evolução.
Indivíduos teístas, que aceitam as hipóteses científicas podem ver nas características e regularidades da natureza (como a regularidade verificada nos elementos químicos na tabela periódica ou o fato de os acontecimentos físicos obedecerem a leis que podem ser expressas em equações matemáticas "exatas"), base para se pressupor uma ordem, são citados e interpretados como prova da existência de um legislador que legisla e faz cumprir essas leis. Por essas mesmas leis, o universo teria vindo a existir, e teria se desenrolado sua história, sendo parte dela a origem e a evolução da vida na Terra. Criacionistas, no entanto, não acreditam que o universo e suas partes tenham sido criados segundo essas leis, mas que tudo foi criado do nada (ou "ex nihilo", termo em latim mais sofisticado) e só então essas leis passaram a vigorar.
A complexidade e organização estrutural das formas mais simples de matéria viva são apontadas pelos criacionistas como prova de uma criação determinada e não a conseqüência evolutiva de um caldo orgânico primordial desorganizado. De fato, a probabilidade matemática de que a vida tenha surgido espontaneamente de uma sucessão de eventos casuais numa ordem específica é considerada por alguns matemáticos pequena demais.
O método que permite recriar um organismo a partir de fragmentos do seu corpo (um dente fossilizado, por exemplo) é duramente criticado pelos criacionistas que consideram abusivas as conclusões como a apresentação de antepassados do Homo sapiens com traços simiescos.
Fraudes nos trabalhos e pesquisas envolvendo fósseis (como o 'Homem de Orce', ou o Homem de Piltdown) têm sido também usadas para desacreditar a teoria da evolução.
Alguns criacionistas questionam também experiências, relacionadas à demonstração da seleção natural, como aquela relativa às mariposas cujas cores foram influenciadas pelas mudanças advindas da Revolução Industrial. Nesse caso especificamente, apontam falhas na metodologia como confirmação de que não existiria seleção natural. Isso implica na defesa de espécies absolutamente fixas, como um ideal platônico.
Um dos principais argumentos dos criacionistas baseia-se na refutação da geração espontânea. Louis Pasteur demonstrou experimentalmente que a vida não surge espontaneamente de matéria sem vida, na sua forma moderna, como havia sido proposto por cientistas da época. Estendendo os resultados destes experimentos, argumenta-se que foi provado que nenhum mecanismo pode gerar vida de qualquer matéria sem vida. Como evidência, aponta-se que nenhum experimento foi capaz de demonstrar o contrário, a despeito de várias décadas de tentativas.
A afirmação de que nenhuma vida pode surgir de não-vida foi recentemente desafiada a partir de experimentos onde um vírus é sintetizado em laboratório, mas a questão de se um vírus pode ou não ser considerado um ser vivo nunca foi um consenso entre cientistas. Outra questão levantada pelos criacionistas é que esse tipo de experimento na verdade comprovaria a necessidade de uma inteligência e intencionalidade por trás do processo.
6- A CONSTITUIÇÃO DO HOMEM
6.1 Descrição Bíblica
Os dois primeiros capítulos de Gênesis fornecem a descrição bíblica no que diz respeito à criação do homem. A primeira narrativa que é encontrada em Gênesis 1.26,27 é de natureza mais geral. A Segunda, em Gênesis 2.4-25, fornece alguns detalhes a mais; é o complemento da primeira. Deus é o criador do homem. Foi Ele quem, num ato especial, o fez em conjunto com os demais elementos constituintes da criação, porém o homem é a coroa, o dominador; assim foi destinado pelo criador que, segundo o relato sagrado, ao criá-lo, usou uma linguagem especial: “Façamos o homem à nossa imagem”.
A Bíblia afirma que os seres humanos foram criados à imagem de Deus. Gn 1.26 registra as palavras do Criador: “Façamos o homem [´adam - “humanidade”] à nossa imagem, conforme a nossa semelhança”. Outros textos bíblicos demonstram com clareza que os seres humanos, embora descendentes de Adão e Eva e já caídos (ao invés de criados diretamente por Deus), continuam a levar a imagem de Deus (Gn 9.6; 1Co 11.7; Tg 3.9).
Os termos hebraicos em Gn 1.26 são tseleme e demuth. Tseleme, empregado 16 vezes no Antigo Testamento refere-se basicamente a uma imagem ou modelo funcional. Demuth, empregado 26 vezes, refere-se, de modo variado, a semelhanças visuais, audíveis e estruturais num desenho, padrão ou forma. Esses termos parecem estar explicados na continuação (vv. 26-28), quando a humanidade recebe poder para subjugar a Terra (ou seja, controlá-la pelo conhecimento, por saber aproveitá-la) e governar (de modo benéfico) as demais criaturas.
O Novo Testamento emprega as palavras eikõn (1Co 11.7) e hemoiõsis (Tg 3.9). Eikõn geralmente significa “imagem”, “semelhança”, “forma” ou “aparência” em toda a sua gama de usos. Homoiõsis significa “semelhança”, “correspondência”, “aparência semelhante”. Posto que os termos, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, parecem ter sentido amplo e intercambiável, devemos olhar para além dos estudos lexicógrafos a fim de determinar a natureza da imagem de Deus.
Ao estudarmos as partes constituintes da natureza do homem, desejamos reiterar que cremos ser ele o resultado de uma criação especial de Deus, e é assim que consideraremos toda a constituição do homem, como vindo da parte de Deus.
6.2.1 A Teoria Monista
Antes de ventilarmos acerca da dupla constituição da natureza humana, a parte material e a parte imaterial apresentamos a teoria monista ou simplesmente monismo, cosmovisão que remonta “aos filósofos pré-socráticos que apelavam a um único princípio unificador para explicar toda a diversidade da experiência observada”. No entanto, pode adotar um enfoque muito mais estreito e o faz quando se aplica ao estudo dos seres humanos. Os monistas teológicos argumentam que os vários componentes dos seres humanos descritos na Bíblia perfazem uma unidade indivisível e radical. Parcialmente o monismo era uma reação neo-ortodoxa ao liberalismo, que havia proposto uma ressurreição da alma, mas não a do corpo.
Os monistas defendem que, onde o Antigo Testamento emprega a palavra “carne” (basar), os escritores no Novo Testamento aparentemente empregam tanto “carne” (sarx) quanto “corpo” (soma). Qualquer desses termos pode referir-se ao ser humano inteiro porque, nos termos bíblicos, ele era considerado um ser unificado. Segundo o monismo, pois, devemos considerar o ser humano como um todo unificado, e não como vários componentes que podem ser individualmente identificados e classificados. Quando os escritores sagrados falam de “corpo e alma...” deve-se considerar uma descrição exaustiva da personalidade humana. No conceito do Antigo Testamento”, cada pessoa individual “ é uma unidade psico-física, carne animada pela alma”.
A dificuldade do monismo, obviamente, é o fato de não deixar lugar para um estado intermediário entre a morte e a ressurreição física no futuro. Esse ponto de vista discorda de numerosos textos bíblicos. Jesus também faz clara referência ao corpo e à alma como elementos divisíveis quando adverte: “Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma” (Mt 10.28).
6.2.2 A Parte Material
Em Gênesis 2.4-7, a narração da origem de todos os seres, a atenção vai concentrar-se no homem. Houve quem julgasse tratar-se duma segunda narrativa da criação, mas em vão, pois estamos em presença apenas duma versão mais pormenorizada de Gn 1, embora possa admitir-se que Moisés, divinamente inspirado, escrevesse a sua história sagrada baseado em várias relações já existentes. Sabemos que a inspiração não exclui a utilização de fontes. Nada impede, portanto, que uma segunda narração venha completar a primeira. Vejamos: Na primeira atende-se mais ao universo; na segunda ao homem, centro desse universo. Não admira, portanto, que em Gn 1.1-2.3 se descreva, sobretudo, a criação dos céus e da terra, e que a partir daí a origem do homem seja apresentada duma forma mais humana o mais íntima, o que não quer dizer que as ações sejam menos divinas, mas o estilo é mais pormenorizado.
Pela primeira vez aparece o nome de Yahweh (2.4), com que Deus a Si-próprio se designou na História e na Redenção. O uso das duas palavras em conjunto (Yahweh Heloym) identificam o Criador com o Deus histórico, como na expressão "Jeová teu Deus". No versículo 7 “...e formou o Senhor Deus o homem do pó da terra e soprou em seus narizes o fôlego da vida; e o homem foi feito alma vivente”, destaca-se a palavra “formou” heb. yatsar, rigorosamente "formou" ou "fez". O corpo do homem não é certamente diferente à restante criação material, e Deus aparece agora a formar esse corpo duma substância já existente, “pó da terra”. A semelhança entre a estrutura física dos animais e a do homem deve atribuir-se, não a uma espécie de desenvolvimento natural, mas a um ato especial de Deus em conformidade com os Seus eternos desígnios, e que poderiam ter sido muito diferentes. A finalidade desta narração é explicar melhor o significado do ato divino indicado por bara em 1.27, sobretudo para frisar que, ao contrário do que se passara com a criação dos outros seres, Deus formou o homem "soprando-lhe nos narizes o fôlego da vida" (2.7). A expressão pó da terra (7). heb. 'adamah, significa a terra ou solo arável, que se encontra na superfície da terra. E daí deriva o nome do homem. Excetuando os casos do 1.26 e 2.5, onde o artigo seria inadmissível, a narração hebraica emprega sempre o artigo ("o Adão") até 2.20, onde o termo passou a ser um nome próprio, sem artigo, portanto.
6.2.3 Composição espiritual do ser humano
Existem duas outras correntes teológicas de interpretação para a composição físico-espiritual do ser humano. Essas correntes de interpretação se identificam como dicotomistas e tricotomistas.
6.2.3.1 Os Dicotomistas
A palavra dicotomista significa duas partes ou divisões. Esta teoria é seguida por um grande número de teólogos (entre eles os calvinistas): que o homem se compõe de duas partes ou divisões: a material e a espiritual. Mesmo sobre esta teoria dicotômica há pontos de vista diferentes. A corrente mais forte da teoria dicotômica é a que considera o homem composto de duas substâncias: a material e a imaterial. Alma e espírito são, nessa teoria, a mesma coisa.
Os dicotomistas defendem que cada ser humano neste mundo é dotado de um corpo material por um eu pessoal imaterial. Tomam por certo que as Escrituras chamam isso de “alma" ou "espírito". Entendem que "alma” dá ênfase àquilo que é distinto na personalidade consciente de uma pessoa; e que o "espírito" carrega consigo não só as nuances da personalidade derivadas de Deus, mas também a dependência dele e a distinção do corpo como tal.
O uso bíblico desses termos leva-nos a dizer que temos e somos tanto corpo, quanto alma e espírito, mas é erro pensar que alma e espírito são duas coisas diferentes. O ponto de vista tricotômico do homem como corpo, alma e espírito é incorreto. A idéia comum de que a alma é apenas um órgão de percepção deste mundo, enquanto o espírito é um órgão distinto, que nos permite estabelecer comunhão com Deus, conduzido à vida na regeneração, está fora dos padrões do ensino bíblico, concluem. Além do mais, tal ponto de vista nos leva a um antiintelectualismo aleijado, que separa a intuição espiritual da reflexão teológica, empobrecendo a ambos – pois a teologia passa a ser considerada como “coisa da alma” e não espiritual, enquanto a percepção espiritual é vista como não relacionada com a tarefa de ensinar e aprender a verdade revelada de Deus. A personificação da alma faz parte do desígnio de Deus para.a humanidade. Através do corpo experimentamos nosso meio, usufruímos e controlamos as coisas que estão ao redor de nós e relacionamo-nos com outras pessoas. Nada havia de mau ou corruptível no corpo que Deus criou no início. Se o pecado não tivesse ocorrido, o envelhecimento físico e o declínio que conduz à morte, como conhecemos, não seriam parte da experiência humana (Gn 2.17; 3.19,22; Rm 5.12). Agora, porém, a corrupção atingiu a todos na sua natureza psico-física, como claramente mostram os desejos desordenados da mente e do corpo, guerreando um contra o outro, bem como contra todas as regras da sabedoria e da justiça. Na morte, a alma deixa o corpo, mas isso não é a libertação feliz que a filosofia grega e algumas seitas têm imaginado. A esperança cristã não consiste na redenção da alma em relação ao corpo, mas consiste na redenção do corpo. Aguardamos nossa participação na ressurreição de Cristo em e através da ressurreição do nosso corpo. Ainda que desconheçamos, no presente, a exata composição do nosso futuro corpo glorificado, sabemos que haverá uma continuidade com nosso corpo atual (1Co 15.35-49; Fp 3.20-21; CI 3.4) (Bíblia de Estudo de Genebra, p.11).
6.2.3.2 Os Tricotomistas
O conceito popular da constituição dos seres humanos é dualística: alma e corpo. Segundo este pensamento a alma é a parte espiritual invisível, interior, enquanto que o corpo é a parte corpórea visível, exterior. Embora haja alguma verdade nisso, ela não é, todavia, precisa. Tal opinião procede do homem caído, não de Deus; à parte da revelação de Deus, nenhum conceito é digno de confiança. Que o corpo é o revestimento exterior do homem é, sem dúvida, correto, mas a Bíblia nunca confunde espírito e alma como se fossem idênticos. Não somente são diferentes em termos, mas suas próprias naturezas diferem entre si. A Palavra de Deus não divide o homem em duas partes, isto é, alma e corpo. Ela trata o homem antes como sendo tripartido: espírito, alma e corpo. Assim, lemos em 1 Tessalonicenses 5.23: “E o próprio Deus de paz vos santifique completamente; e o vosso espírito, e alma e corpo sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo.” Este verso mostra precisamente que o homem todo é dividido em três partes. O apóstolo Paulo refere-se aqui à santificação completa dos crentes dizendo “vos santifique completamente”. Como, segundo o Apóstolo, uma pessoa é santificada completamente? Pela conservação do seu espírito, alma e corpo. Por isso podemos facilmente entender que a pessoa toda abrange essas três partes. Esse verso faz também uma distinção entre o espírito e a alma, senão Paulo teria simplesmente dito “vossa alma”. Visto que Deus distinguiu o espírito humano da alma humana, nós concluímos que o homem é composto não de duas, mas de três partes: espírito, alma e corpo.
Será assunto de qualquer conseqüência dividir espírito e alma? É uma questão de suprema importância, pois afeta grandemente a vida espiritual de um crente. Como um crente pode entender a vida espiritual se não sabe qual é a extensão da esfera do espírito? Sem tal entendimento, como pode ele crescer espiritualmente? Falhar em distinguir o espírito da alma é fatal para a maturidade espiritual. Os cristãos freqüentemente consideram o que é da alma como sendo espiritual, e por isso permanecem num estado pertencente à alma, não buscando o que é realmente espiritual. Como escaparemos do prejuízo, se confundirmos o que Deus separou?
O conhecimento espiritual é muito importante para a vida espiritual. Devemos acrescentar, entretanto, que é igualmente importante, se não mais, que o crente seja humilde e esteja desejoso de aceitar o ensino do Espírito Santo. Se assim for, o Espírito Santo lhe concederá a experiência da divisão do espírito e alma, mesmo que ele não tenha muito conhecimento a respeito desta verdade. Por um lado, o cristão mais ignorante, sem a menor idéia da divisão do espírito e alma, pode, contudo, experimentar tal divisão na vida real; por outro lado, o crente mais informado e completamente versado na verdade concernente ao espírito e alma, pode, não obstante, desconhecer tal experiência. O ideal é que a pessoa possua tanto o conhecimento como a experiência. A maioria, entretanto, carece de tal experiência. Portanto, no início, é bom conduzi-los no conhecimento das diferentes funções do espírito e alma, para depois encorajá-los a buscar o que é espiritual.
Outras porções das Escrituras fazem a mesma diferença entre espírito e alma. “Porque a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até a divisão de alma e espírito, e de juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e intenções do coração” (Hb 4.12). O escritor, neste verso, divide os elementos não corpóreos do homem em duas partes: “alma e espírito”. A parte corpórea é aqui mencionada como que incluindo as juntas e medulas - órgãos de movimento e sensação. Quando o sacerdote usa a espada para cortar e dissecar completamente o sacrifício, nada no interior pode ficar escondido. Cada junta e medula é separada. Da mesma forma o Senhor Jesus usa a Palavra de Deus em Seu povo para separar completamente, para penetrar até à divisão do que é espiritual, da alma e do físico. Visto que alma e espírito podem ser divididos, conclui-se que eles devem ser diferentes em natureza. Aqui é evidente, portanto, que o homem é um composto de três partes.
“E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou-lhe nas narinas o fôlego de vida; e o homem tornou-se alma vivente” (Gn 2.7). No início, quando Deus criou o homem, Ele o formou do pó da terra e depois soprou “o fôlego de vida” em suas narinas. Tão logo o fôlego de vida, que se tornou o espírito do homem, entrou em contato com o corpo do homem, a alma foi produzida. Portanto, a alma é a combinação do corpo e do espírito do homem. As Escrituras, por isso, chamam o homem de “alma vivente”. O fôlego de vida tornou-se o espírito do homem, isto é, o princípio de vida dentro dele. O Senhor Jesus nos diz que “é o espírito que vivifica” (Jo 6.63). Este fôlego de vida vem do Senhor da Criação. Todavia, não devemos confundir o espírito do homem com o Espírito Santo de Deus. O último é diferente do nosso espírito humano. Romanos 8.16 manifesta esta diferença declarando que “o Espírito mesmo testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus”. O original da palavra “vida” em “fôlego de vida” é chay e está no plural. Isto pode ser uma indicação para o fato de que o sopro de Deus produziu uma vida dupla: a vida da alma e a vida do espírito. Quando o sopro de Deus entrou no corpo do homem, ele se tornou o espírito do homem; mas quando o espírito reagiu com o corpo, a alma foi produzida. Isto explica a origem da vida do nosso espírito e da nossa alma. Devemos admitir, entretanto, que este espírito não é a Própria vida de Deus, pois, “o sopro do Todo-Poderoso me dá vida” (Jó 33.4). Ele não é a entrada da vida não criada de Deus, no homem, nem tampouco a vida de Deus que recebemos na regeneração. O que recebemos no novo nascimento é a Própria vida de Deus, como tipificada pela árvore da vida. Mas, nosso espírito humano, embora existindo permanentemente, está destituído da “vida eterna”.
A expressão “formou o homem do pó da terra”, refere-se ao corpo do homem; “soprou em suas narinas o fôlego de vida” refere-se ao espírito do homem, conforme ele veio de Deus; e “o homem tornou-se alma vivente” refere-se à alma do homem quando o corpo foi vivificado pelo espírito e levado a ser um homem vivo e consciente de si mesmo. O homem completo é uma trindade - o composto de espírito, alma e corpo. De acordo com Gênesis 2.7, o homem foi feito de apenas dois elementos independentes: o corpóreo e o espiritual. Mas, quando Deus colocou o espírito dentro do revestimento da terra, a alma foi produzida. O espírito do homem tocando o corpo morto produziu a alma. O corpo separado do espírito estava morto, mas, com o espírito, o homem passou a viver. O órgão, assim estimulado, foi chamado de alma.
“O homem tornou-se alma vivente”, expressa não apenas o fato de que a combinação do espírito e corpo produziu a alma, como sugere também que o espírito e o corpo estavam completamente fundidos nessa alma. Em outras palavras, a alma e o corpo estavam juntos com o espírito, e o espírito e o corpo fundidos na alma. Adão “em seu estado antes da queda, nada sabia dessas incessáveis lutas de espírito e carne, que são coisas da experiência diária para nós. Havia uma perfeita combinação das suas três naturezas em uma e a alma, como fator de unidade, tornou-se a causa da sua individualidade, da sua existência como um ser distinto” (Pember's Earth's Earliest Ages). O homem foi denominado alma vivente, porque era lá que espírito e corpo se encontravam e através da qual sua individualidade era conhecida. Talvez possamos usar uma ilustração imperfeita: derrame um pouco de tinta num copo d'água. A tinta e a água misturar-se-ão formando uma terceira substância chamada tinta de escrever. Da mesma forma os dois elementos independentes do espírito e corpo, unem-se para tornar-se alma vivente. (A analogia falha nisso: a alma produzida pela combinação do espírito e do corpo torna-se num elemento independente e indissolúvel, tanto quanto o espírito e o corpo).
Deus considerou a alma do homem como algo singular. Assim como os anjos foram criados como espíritos, o homem foi criado predominantemente como alma vivente. O homem tinha não apenas um corpo, um corpo com o fôlego de vida; ele tornou-se uma alma vivente também. Por isso, mais tarde, nas Escrituras, encontramos Deus freqüentemente referindo-se aos homens como “almas”. Por quê? Porque aquilo que o homem é depende de como é sua alma. Sua alma o representa e expressa sua individualidade. É o órgão da vontade livre do homem, o órgão no qual o espírito e corpo estão completamente unidos. Se a alma do homem deseja obedecer a Deus, ela permitirá que o espírito governe esse homem, conforme ordenado por Deus. Se ela escolher, pode também reprimir o espírito e aceitar algum outro prazer, como dominadora do homem. Esta trindade de espírito, alma e corpo pode ser parcialmente ilustrada por uma lâmpada elétrica. Dentro da lâmpada, que pode representar o homem total, existem eletricidade, luz e fio. O espírito é como a eletricidade, a alma como a luz e o corpo como o fio. A eletricidade é a causa da luz enquanto que a luz é o efeito da eletricidade. O fio é a substância material para conduzir a eletricidade como também para manifestar a luz. A combinação do espírito e corpo produz a alma, aquilo que é singular no homem. A eletricidade, conduzida pelo fio, é manifesta na luz; assim, o espírito atua sobre a alma e a alma, por sua vez, expressa-se a si mesma através do corpo.
Entretanto, devemos nos lembrar bem de que, enquanto a alma é o ponto de encontro do elemento do nosso ser nesta vida presente, em nosso estado ressurreto, o espírito será o poder governante. Porque a Bíblia nos diz que “semeia-se corpo físico, é ressuscitado corpo espiritual” (1Co 15.44). Todavia, aqui está um ponto vital: nós que fomos unidos ao Senhor ressurreto podemos, mesmo agora, ter nosso espírito no governo de todo o nosso ser. Não estamos unidos ao primeiro Adão, que foi feito alma vivente, mas, ao último Adão que é espírito vivificante (v. 45).
6.4 Funções respectivas do Corpo, Alma e Espírito
É através do corpo físico que o homem entra em contato com o mundo material. Portanto, podemos classificar o corpo como aquela parte que nos dá consciência do mundo. A alma inclui o intelecto, que nos ajuda no presente estado de existência e as emoções, que procedem dos sentidos. Visto que a alma pertence ao próprio ego do homem e revela sua personalidade, ela é denominada a parte de autoconsciência. O espírito é aquela parte pela qual nós temos comunhão com Deus e somente pela qual podemos compreendê-Lo e adorá-Lo. Por indicar nosso relacionamento com Deus, o espírito é denominado o elemento da consciência de Deus. Deus habita no espírito, o eu habita na alma, enquanto que os sentidos habitam no corpo.
Conforme já mencionamos, a alma é o ponto de encontro do espírito e corpo, porque lá eles são unidos. Por meio do seu espírito, o homem mantém comunicação com o mundo espiritual e com o Espírito de Deus, ambos recebendo e expressando o poder e vida da esfera espiritual. Através do seu corpo o homem está em contato com o mundo exterior e sensual, afetando-o e sendo afetado por ele. A alma permanece entre esses dois mundos e ainda pertence a ambos. Ela está ligada ao mundo espiritual, através do espírito, e ao mundo material, através do corpo. Ela possui também, o poder do livre arbítrio, sendo, por isso, capaz de escolher dentro do seu meio ambiente. O espírito não pode atuar diretamente sobre o corpo. Ele precisa de um intermediário, e este intermediário é a alma, produzida pelo contato do espírito com o corpo. Portanto, a alma fica entre o espírito e o corpo, unindo-os. O espírito pode subjugar o corpo, através da mediação da alma, para que ele obedeça a Deus; da mesma forma o corpo, através da alma, pode atrair o espírito para amar o mundo.
Destes três elementos, o espírito é o mais nobre porque ele se une com Deus. O corpo é mais inferior porque tem contato com a matéria. A alma estando entre eles, os une e recebe o caráter deles como sendo dela própria. A alma torna possível a comunicação e cooperação entre o espírito e o corpo. O trabalho da alma é manter esses dois em seu funcionamento próprio, a fim de que não percam seu relacionamento correto - a saber, que o mais inferior, o corpo, possa ser subordinado ao espírito, e que o mais elevado, o espírito, possa governar o corpo através da alma. O elemento principal do homem é, definitivamente, a alma. Ela assiste ao espírito para dar-lhe o que ele recebeu do Espírito Santo, a fim de que a alma, após ter sido aperfeiçoada, possa transmitir ao corpo aquilo que recebeu; então o próprio corpo pode também, participar da perfeição do Espírito Santo, tornando-se, assim, um corpo espiritual.
O espírito é a parte mais nobre do homem e ocupa a região mais interior do seu ser. O corpo é a mais inferior e recebe o lugar mais exterior. Entre estes dois habita a alma, servindo como intermediária. O corpo é o abrigo externo da alma, enquanto que a alma é o revestimento exterior do espírito. O espírito transmite seu pensamento à alma e a alma exercita o corpo a obedecer a ordem do espírito. Este é o significado da alma como intermediária. Antes da queda do homem, o espírito controlava todo o ser por meio da alma.
O poder da alma é muito grande, visto que o espírito e o corpo, unidos lá, fazem dela o centro da personalidade e influência do homem. Antes do homem cometer pecado, o poder da alma estava completamente sob o domínio do espírito. Sua força era portanto, a força do espírito. O espírito mesmo não pode atuar sobre o corpo; somente por meio da mediação da alma. Isso podemos ver em Lucas 1.46,47: “A minha alma engrandece ao Senhor e o meu espírito exultou-se em Deus, meu Salvador” (Darby). “Aqui a mudança nos tempos verbais mostra que primeiro o espírito concebeu a alegria em Deus, e, depois, comunicando com a alma, levou-a a dar expressão ao sentimento por meio do órgão humano” (Pember's Earth's Earliest Ages).
Repetindo, a alma é o lugar da personalidade. A vontade, o intelecto e as emoções do homem estão lá. Como o espírito é usado para comunicar com o mundo espiritual e o corpo com o mundo natural, assim a alma fica no meio e exercita seu poder para discernir e decidir se deve reinar o mundo espiritual ou o natural. Algumas vezes também, a alma mesma exerce controle sobre o homem, através do seu intelecto, criando assim um mundo ideativo que reina. A fim do espírito governar, a alma precisa dar seu consentimento; senão o espírito fica sem recursos para regular a alma e o corpo. Mas esta decisão depende da alma, porque nela reside a personalidade do homem.
Na verdade a alma é o eixo de todo o ser, porque a vontade do homem pertence a ela. Só quando a alma se dispõe a assumir uma posição humilde é que o espírito pode dirigir todo o homem. Se a alma se rebela contra tal tomada de posição, o espírito ficará sem poder para governar. Isso explica o significado do livre arbítrio do homem. O homem não é um autômato que se move conforme a vontade de Deus. Pelo contrário, o homem tem pleno e soberano poder de decidir por si mesmo. Ele possui o órgão da sua própria vontade e pode escolher seguir a vontade de Deus, ou resistir e seguir a Satanás. Deus deseja que o espírito, sendo a parte mais nobre do homem, controle todo o seu ser. Todavia, a vontade - a parte decisiva da individualidade - pertence à alma. É a alma que determina se o espírito, o corpo, ou ela mesma deve governar. Devido ao fato da alma possuir tal poder e por ser o órgão da individualidade do homem, a Bíblia chama o homem de “uma alma vivente”.
6.4.1 O Espírito do Homem
É Imperativo que um crente saiba que tem um espírito e que toda comunicação de Deus com o homem ocorre ali. Se o crente não discerne seu próprio espírito, ele, invariavelmente, desconhece como comungar com Deus no espírito. Substitui, facilmente, os pensamentos ou emoções da alma pelas obras do espírito. Dessa forma, ele confina a si mesmo à esfera exterior, sempre incapaz de alcançar a esfera espiritual. Os versos a seguir das Escrituras são suficientes para provar que nós, seres humanos, possuímos um espírito humano. Este espírito não é sinônimo da nossa alma, nem é o mesmo que o Espírito Santo. Nós adoramos a Deus neste espírito: 1 Coríntios 2.11 fala do “espírito do homem que nele está”; 1 Coríntios 5.4 menciona “meu espírito”. Romanos 8.16 diz “nosso espírito”; 1 Coríntios 14.14 usa “meu espírito”; 1 Coríntios 14.32 fala dos “espíritos dos profetas”; Provérbios 25.28 faz alusão ao “seu próprio espírito”; Hebreus 12.23 registra “os espíritos dos justos aperfeiçoados”; Zacarias 12.1 declara que “o Senhor... formou o espírito do homem dentro dele”.
Segundo o ensino da Bíblia e a experiência dos crentes, pode-se dizer que o espírito humano inclui três partes, ou em outras palavras, pode-se dizer que ele tem três funções principais: consciência, intuição e comunhão.
A consciência é o órgão de discernimento, que distingue o certo e o errado, mas não por meio da influência do conhecimento acumulado na mente, senão por um julgamento espontâneo e direto. Freqüentemente o raciocínio justifica coisas que nossa consciência julga. O trabalho da consciência é independente e direto; não se curva às opiniões exteriores. Se o homem agir errado, ela levanta sua voz de acusação.
A Intuição é o órgão sensitivo do espírito humano. É tão diametralmente diferente do sentido físico e da alma, que é chamado intuição. Ela envolve um sentimento direto e independente de qualquer influência exterior. Aquele conhecimento que chega a nós, sem qualquer ajuda da mente, emoção ou vontade, chega intuitivamente. Nós realmente “conhecemos” através da nossa intuição; nossa mente simplesmente nos ajuda a “entender”. As revelações de Deus e todos os movimentos do Espírito Santo tornam-se conhecidos do crente por meio da sua intuição. O crente deve, portanto, estar atento a estes dois elementos: a voz da consciência e o ensino da intuição.
Comunhão é adorar a Deus. Os órgãos da alma são incompetentes para adorar a Deus. Deus não é percebido pelos nossos pensamentos, sentimentos ou intenções, pois Ele só pode ser conhecido diretamente em nosso espírito. Nossa adoração a Deus e as comunicações de Deus conosco são diretamente no espírito. Elas acontecem no “homem interior” e não na alma ou no homem exterior.
Podemos concluir então que estes três elementos da consciência, intuição e comunhão estão profundamente correlacionados e funcionam coordenadamente. O relacionamento entre a consciência e a intuição é que a consciência julga segundo a intuição; ela condena toda conduta que não segue as direções dadas pela intuição. A intuição está relacionada com a comunhão ou adoração, visto que Deus é conhecido pelo homem intuitivamente e revela Sua vontade ao homem na intuição. Medida alguma de expectativa ou dedução nos concede o conhecimento de Deus.
Pode-se observar imediatamente, dos seguintes três grupos de versos bíblicos, que nosso espírito possui a função da consciência (não dizemos que o espírito é a consciência), a função da intuição (ou sentido espiritual), e a função da comunhão (ou adoração).
A Função da Consciência no Espírito do Homem: “O Senhor teu Deus lhe endurecerá o espírito” (Dt 2.30); “Salva os contritos de espírito” (Sl 34.18); “Põe um espírito novo e reto dentro de mim” (Sl 51.10); “Tendo Jesus dito isto, turbou-se em espírito” (Jo 13.21); “Revoltava-se nele o seu espírito, vendo a cidade cheia de ídolos” (At 17.16); “O mesmo Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus” (Rm 8.16); “Presente no espírito, já julguei, como se estivesse presente” (1Co 5.3); “Não tive descanso no meu espírito” (2Co 2.13); “Porque Deus não nos deu o espírito de covardia” (2Tm 1.7).
A Função da Intuição no Espírito do Homem: “O espírito na verdade está pronto” (Mt 26.41); “Mas Jesus logo percebeu em seu espírito” (Mc 2.8). “Ele, suspirando profundamente em seu espírito” (Mc 8.12); “Comoveu-se (Jesus) em espírito” (Jo 11.33); “Paulo foi pressionado no espírito” (At 18.5). “Sendo fervoroso de espírito” (At 18.25); “Eu, constrangido no meu espírito, vou a Jerusalém” (At 20.22). “Pois, qual dos homens entende as coisas do homem, senão o espírito do homem que nele está” (1Co 2.11). “Porque recrearam o meu espírito assim como o vosso” (1Co 16.18). “O seu espírito tem sido recreado por vós todos” (2Co 7.13).
A Função da Comunhão no Espírito do Homem: “Meu espírito exulta em Deus meu Salvador” (Lc 1.47). “Os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade” (Jo 4.23). “Deus, a quem sirvo em meu espírito” (Rm 1.9). “Para servirmos em novidade de espírito” (Rm 7.6). “Recebestes o espírito de adoção, pelo qual clamamos: Aba, Pai” (Rm 8.15). “O Espírito mesmo testifica com o nosso espírito” (Rm 8.16). “O que se une ao Senhor é um espírito com ele” (1Co 6.17). “Cantarei com o espírito” (1Co 14.15). “Se bendisseres com o espírito” (1Co 14.16). “E levou-me em espírito” (Ap 21.10).
Por estas Escrituras podemos saber que nosso espírito possui, pelo menos, estas três funções. Embora os não regenerados ainda não possuam vida, eles, todavia, possuem estas funções (mas o culto deles é de espíritos maus). Algumas pessoas manifestam mais destas funções enquanto que outras menos. Entretanto, isto não implica que não estejam mortos em delitos e pecados. O Novo Testamento não considera os que têm uma consciência sensitiva, intuição aguda ou tendência e interesse espiritual, como sendo indivíduos salvos. Tais pessoas apenas nos provam que, à parte da mente, da emoção e da vontade da nossa alma, também temos um espírito. Antes da regeneração, o espírito está separado da vida de Deus; só depois dela é que a vida de Deus e do Espírito Santo habita em nosso espírito. Eles foram, então, vivificados para serem instrumentos do Espírito Santo.
Nosso alvo, ao estudar a importância do espírito, visa capacitar-nos a entender que nós, como seres humanos, possuímos um espírito independente. O espírito não é a mente, nem a vontade, nem a emoção do homem; pelo contrário, ele inclui as funções da consciência, da intuição e da comunhão. É aqui no espírito que Deus nos regenera, nos ensina e nos conduz ao Seu descanso. Mas, lamentavelmente, devido aos longos anos de cativeiro à alma, muitos cristãos conhecem muito pouco do seu espírito. Devemos estremecer diante de Deus e pedir a Ele que nos ensine através da experiência, o que é espiritual e o que é da alma.
Antes do crente nascer de novo, seu espírito torna-se tão submerso e cercado por sua alma, que é impossível para ele distinguir se algo emana da alma ou do espírito. As funções do último misturam-se com as da anterior. Além disso, o espírito perdeu sua função primária - para com Deus; pois está morto para Deus. Assim parecia que ele se tornou um acessório da alma. E quando a mente, emoção e vontade se fortalecem, as funções do espírito tornam-se tão eclipsadas a ponto de fazê-las quase desconhecidas. É por isso que deve haver a obra de separação entre a alma e o espírito depois que o crente é regenerado.
Examinando as Escrituras, parece que um espírito não regenerado funciona do mesmo modo que a alma. Os seguintes versos ilustram isto: “Seu espírito estava perturbado” (Gn 41.8). “Então o espírito deles se abrandou para com ele” (Jz 8.3). “O que é de espírito precipitado exalta a tolice” (Pv 14.29). “O espírito abatido seca os ossos” (Pv 17.22). “Os errados de espírito” (Is 29.24). “Uivareis pela angústia de espírito” (Is 65.14). “Seu espírito se endureceu” (Dn 5.20).
Estas passagens mostram-nos as obras do espírito não regenerado e indicam como são semelhantes às da alma. A razão porque o espírito, e não a alma, é mencionado, visa revelar o que aconteceu nas profundezas do homem. Isto mostra como o espírito do homem veio a ser controlado e influenciado completamente por sua alma, com o resultado de que ele manifesta as obras da alma. O espírito, entretanto, ainda existe porque estas obras procedem do espírito. Embora governado pela alma, o espírito não deixa de ser um órgão.
6.4.2 A Alma do Homem
Além de ter um espírito que o capacita a ter comunhão com Deus, o homem também possui uma alma, sua consciência própria. Ele torna-se consciente da sua existência pela obra da alma. Ela é a sede da sua personalidade. Os elementos que nos fazem seres humanos pertencem à alma. Intelecto, pensamento, ideais, amor, emoção, discernimento, escolha, decisão etc., são apenas as várias experiências da alma.
Já foi explicado que o espírito e o corpo estão fundidos na alma, a qual, por sua vez, forma o órgão da nossa personalidade. É por isso que, às vezes, a Bíblia chama o homem de “alma”, como se o homem tivesse apenas esse elemento. Por exemplo: Gênesis 12.5 refere-se às pessoas como “almas”. Quando Jacó trouxe sua família inteira para o Egito, novamente é registrado que “todas as almas da casa de Jacó, que vieram para o Egito eram setenta” (Gn 46.27). Inúmeros exemplos ocorrem na linguagem original da Bíblia, onde “alma” é usado em lugar de “homem”. Porque a sede e essência da personalidade é a alma. Compreender a personalidade do homem é compreender sua pessoa. A existência, características e vida do homem estão todas na alma. A Bíblia, por conseguinte, chama o homem de “uma alma”.
O que constitui a personalidade do homem são as três principais faculdades: vontade, mente e emoção. Vontade é o instrumento para nossas decisões e revela nosso poder de escolha. Ela manifesta nossa disposição ou indisposição: “queremos” ou “não queremos”. Sem ela o homem é reduzido a um autômato. A mente, o instrumento para nossos pensamentos, manifesta nosso poder intelectual. Dela surge a sabedoria, o conhecimento e o raciocínio. A falta dela faz o homem tolo e embotado. O instrumento para os nossos gostos e antipatias é a faculdade da emoção. Por meio dela somos capazes de expressar amor ou ódio e sentir alegria, ira, tristeza ou felicidade. Qualquer falta dela tornará o homem tão insensível como pau ou pedra. Um estudo cuidadoso da Bíblia fornecerá a conclusão de que essas três faculdades principais da personalidade pertencem à alma.
6.4.2.1 A Vida da Alma
Alguns eruditos da Bíblia indicam-nos que existem três palavras diferentes empregadas no grego para designar “vida”: (1) bios, (2) psiqué, (3) zoe. Todas elas descrevem a vida, mas exprimem significados bem diferentes. Bios refere-se aos meios de vida ou subsistência. Nosso Senhor Jesus usou esta palavra quando elogiou a mulher que havia lançado no tesouro do templo toda a sua subsistência. Zoe é a vida mais elevada, a vida do espírito. Sempre que a Bíblia fala de vida eterna ela usa esta palavra. Psiqué refere-se à vida animada do homem, sua vida natural ou a vida da alma. A Bíblia emprega este termo, quando descreve a vida humana.
Aqui devemos observar que as palavras “alma” e “vida da alma”, na Bíblia, são uma só e a mesma palavra no original. No Antigo Testamento a palavra hebraica para “alma” - nefesh - é usada igualmente para “vida da alma”. O Novo Testamento conseqüentemente emprega a palavra grega psiqué tanto para “alma” como para “vida da alma”. Por isso sabemos que a “alma” não é apenas um dos três elementos do homem, mas também a vida do homem, sua vida natural. Em muitos lugares na Bíblia “alma” é traduzida como “vida”. Exemplo: A carne, porém, com sua vida, isto é, com seu sangue (Gn 9.4,5); os que buscavam a vida do menino estão mortos (Mt 2.20); é lícito no sábado... salvar a vida ou tirá-la? (Lc 6.9); têm exposto as suas vidas pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo (At 15.26); em nada tenho a minha vida como preciosa (At 20.24); para dar a sua vida em resgate de muitos (Mt 20.28); o bom pastor dá a sua vida pelas ovelhas (Jo 10.11, 15, 17). A palavra “vida” nestes versos é “alma” no original. Foi traduzida assim porque seria mais difícil de entender de outra forma. A alma é realmente a própria vida do homem.
Conforme já mencionamos, a “alma” é um dos três elementos do homem. A “vida da alma” é a vida natural do homem, aquilo que o faz existir e que o estimula. É a vida pela qual o homem vive hoje; é o poder pelo qual o homem vem a ser o que ele é. Visto que a Bíblia aplica os termos nefesh e psiqué tanto para a alma como para a vida do homem, é evidente para nós que estes dois, embora distinguíveis, não são separáveis. São distinguíveis porque em certos lugares psiqué (por exemplo) deve ser traduzido ou como “alma” ou como “vida”. As traduções não podem ser intercambiadas. Por exemplo: “alma” e “vida” em Lucas 12.19-23 e Marcos 3.4 são na verdade a mesma palavra no original, entretanto, traduzi-las com a mesma palavra em português ficaria sem sentido. São inseparáveis, no entanto, porque estas duas estão completamente unidas no homem. Um homem sem alma, não vive. A Bíblia nunca nos diz que o homem natural possui outra vida além da alma. A vida do homem é apenas a alma permeando o corpo. Quando a alma é unida ao corpo, ela torna-se a vida do homem. Vida é o fenômeno da alma. A Bíblia considera o atual corpo do homem como um “corpo da alma” (1Co 15.44, original), pois a vida do nosso corpo atual é a da alma. A vida do homem é, portanto, simplesmente uma expressão de um composto das suas energias mentais, emocionais e volitivas. A “personalidade”, na esfera natural, engloba estas diferentes partes da alma, mas apenas isto. A vida da alma é a vida natural do homem. Reconhecer que a alma é a vida do homem, é um fato muito importante, pois relaciona-se grandemente com a espécie de cristão que nos tornamos, se espirituais ou da alma.
6.4.2.2 A Alma e o Ego do Homem
Vimos como a alma é a sede da nossa personalidade, o órgão da vontade e da vida natural e, por isso, podemos facilmente concluir que esta alma é também o “verdadeiro Eu” - Eu mesmo. Nosso ego é a alma. Isto pode ser demonstrado também pela Bíblia. Em Números 30, a frase “ligar a si mesmo” ocorre dez vezes. No original é “ligar sua alma”. Disso somos levados a entender que a alma é o nosso próprio eu. Em muitas outras passagens da Bíblia nós vemos que a palavra “alma” é substituída por pronomes. Por exemplo: nem neles vos contaminareis (Lv 11.43); não vos contaminareis (Lv 11.44); por si e pela sua descendência (Et 9.31); oh tu, que te despedaças na tua ira (Jó 18.4); este se justificava a si mesmo (Jó 32.2); eles mesmos vão para o cativeiro (Is 46.2); ao que cada um (original, “cada alma”) houver de comer; somente isso poderá ser feito por vós (Êx 12.16); o homicida que tiver matado alguém (original, “alguma alma”) involuntariamente (Nm 35.11,15); que eu (original, “minha alma”) morra a morte dos justos (Nm 23.10); quando alguém (original, “alguma alma”) trouxer uma oferta de cereais (Lv 2.1); tenho feito acalmar e sossegar a minha alma (SI 131.2); não imagines que, por estares no palácio do rei (tu) (original, “alma”) escaparás (Et 4.13); Jurou o Senhor Deus por si mesmo (original, “jurou por sua alma”) (Am 6.8). Estas Escrituras do Antigo Testamento nos informam de várias maneiras como a alma é o ego do homem.
O Novo Testamento transmite a mesma impressão. A tradução “oito pessoas” em 1Pe 3.20 no original é “almas” e também em Atos 27.37 “duzentos e setenta e seis pessoas”. A frase em Rm 2.9 traduzia como “todo ser humano que pratica o mal” no original é “toda a alma de todo o homem que pratica o mal”. Daí, advertir a alma de um homem que pratica o mal é advertir o homem mal. Em Tiago 5.20 o salvar uma alma é considerado como salvar um pecador. Lucas 12.19 mostra o homem tolo dizendo palavras de conforto à sua alma, como falando a si mesmo. Está claro, portanto, que a Bíblia, no todo, considera a alma do homem ou a vida da alma como o próprio homem.
Podemos encontrar uma confirmação disso nas palavras do Senhor Jesus, dadas em dois Evangelhos diferentes. Assim lemos em Mateus 16.26: Pois que aproveitará ao homem se ganhar o mundo inteiro e perder a sua vida (psiqué)? Ou que dará o homem em troca da sua vida (psiqué)? Ao passo que Lucas 9.25 assim o traduz: Pois, que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro e perder-se ou prejudicar-se a si mesmo (eautou)? Os dois evangelistas registram a mesma coisa, todavia, um usa “vida” (ou “alma”) enquanto que o outro usa “si mesmo”. Isto quer dizer que o Espírito Santo está usando Mateus para explicar o sentido de “si mesmo” em Lucas e Lucas para explicar o sentido de “vida” em Mateus. A alma ou vida do homem é o próprio homem, e vice-versa.
Tal estudo nos capacita a concluir que, para ser um homem, devemos participar daquilo que está incluído na alma do homem. Todo homem natural possui este elemento e qualquer coisa que ele inclua, pois a alma é a vida comum partilhada por todos os homens naturais. Antes da regeneração, tudo o que estiver incluído na vida - seja o ego, vida, força, poder, escolha, pensamento, opinião, amor, sentimento - pertence à alma. Em outras palavras, a vida da alma é a vida que o homem herda no nascimento. Tudo o que esta vida possui e tudo o que ela possa vir a ser está na esfera da alma. Se, distintamente, nós reconhecermos o que é da alma, então mais tarde será mais fácil reconhecermos o que é espiritual. Será possível separar o espiritual do que é da alma.
7- A QUEDA DO HOMEM
O homem que Deus formou era notavelmente diferente de todos os outros seres criados. O homem possuía um espírito semelhante àquele dos anjos e ao mesmo tempo tinha uma alma parecida com a dos animais inferiores. Quando Deus criou o homem Ele lhe deu uma liberdade perfeita. Ele não fez dele um autômato, controlado automaticamente por Sua vontade. Isto é evidente em Gênesis 2, quando Deus instruiu o homem original a respeito de qual fruto ele poderia ou não comer. O homem que Deus criou não era uma máquina dirigida por Deus; pelo contrário, ele possuía perfeita liberdade de escolha. Se ele escolhesse obedecer a Deus, assim seria; se decidisse rebelar-se contra Deus, poderia fazer isso também. O homem tinha em sua posse uma soberania pela qual poderia exercitar sua vontade escolhendo obedecer ou não. Este é um ponto muito importante, pois devemos reconhecer que em nossa vida espiritual Deus nunca nos priva da nossa liberdade. A menos que cooperemos ativamente, Deus não realizará nada em nós. Nem Deus , nem o diabo podem fazer qualquer obra, sem primeiro obterem nosso consentimento, porque a vontade do homem é livre.
O espírito do homem era, originalmente, a parte mais elevada de todo o seu ser ao qual alma e corpo deviam se submeter. Sob condições normais o espírito é como a patroa, a alma como o mordomo e o corpo como o criado. A patroa entrega as coisas ao mordomo que por sua vez ordena ao criado que as faça. A patroa dá as ordens em particular ao mordomo; mordomo as transmite abertamente ao criado. O mordomo parece ser o senhor de tudo, mas na realidade quem domina sobre tudo é a patroa. Infelizmente o homem caiu; ele foi vencido e pecou; conseqüentemente, a ordem correta de espírito, alma e corpo ficou misturada.
Deus concedeu ao homem um poder soberano e outorgou muitos dons à alma humana. Pensamento, vontade ou intelecto e intenção estão entre as porções mais proeminentes. O propósito original de Deus é que a alma humana receba e assimile a verdade e a essência da vida espiritual de Deus. Ele concedeu dons aos homens para que pudessem receber o conhecimento e vontade de Deus como sendo deles mesmos. Se o espírito e alma do homem mantivessem sua perfeição original, saúde e vigor, então seu corpo poderia continuar para sempre sem mudança. Se ele exercitasse sua vontade tomando e comendo do fruto da vida, a Própria vida de Deus indubitavelmente entraria em seu espírito, penetraria sua alma, transformaria completamente seu homem interior e converteria seu corpo em incorruptibilidade. Ele estaria então, literalmente, de posse da “vida eterna”. Naquele acontecimento, sua vida da alma seria totalmente cheia com a vida espiritual e seu ser inteiro seria transformado naquilo que é espiritual. De forma contrária, se a ordem do espírito e alma fosse invertida, então o homem precipitaria nas trevas e o corpo humano não poderia resistir muito tempo e logo se corromperia.
Sabemos que a alma do homem escolheu a árvore do conhecimento do bem e do mal, ao invés da árvore da vida. Porém, não está claro que a vontade de Deus para Adão era que ele comesse do fruto da árvore da vida? Sim, porque antes de proibi-lo de comer do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal e adverti-lo que no dia em que dele comesse morreria (Gn 2.17), Ele primeiro ordenou que Adão comesse livremente de toda árvore do jardim e propositalmente mencionou a árvore da vida no meio do jardim. Quem pode dizer que isto não é assim?
“O fruto do conhecimento do bem e do mal” eleva a alma e abafa o espírito. Deus não proíbe o homem de comer deste fruto apenas para testá-lo. Ele o proíbe por saber que ao comer esse fruto, a alma do homem será tão estimulada a ponto de abafar a vida do espírito. Isso quer dizer que o homem perderá o verdadeiro conhecimento de Deus e estará assim morto para Ele. A proibição de Deus revela Seu amor. O conhecimento do bem e do mal neste mundo é em si mesmo mal. Tal conhecimento surge do intelecto da alma do homem. Ele incha a vida da alma e conseqüentemente esvazia a vida do espírito ao ponto de perder qualquer conhecimento de Deus e tornar-se tal como morto.
Um grande número dos servos de Deus considera esta árvore da vida, como sendo Deus oferecendo vida ao mundo em Seu Filho , o Senhor Jesus. Isto é vida eterna, natureza de Deus, Sua vida não criada. Por isso, temos aqui duas árvores - uma germina vida espiritual enquanto que a outra desenvolve a vida da alma. O homem em seu estado original não é nem pecaminoso, nem santo e justo. Ele fica entre os dois. Ele pode aceitar a vida de Deus tornando-se assim um homem espiritual e participante da natureza divina, ou pode inchar sua vida original tornando-se da alma, impondo conseqüentemente, morte ao seu espírito. Deus concedeu um perfeito equilíbrio às três partes do homem. Sempre que uma parte se desenvolve em excesso, as outras são contristadas.
Nosso andar espiritual será grandemente ajudado, se entendermos a origem da alma e seu princípio de vida. Nosso espírito vem diretamente de Deus, pois é dado por Deus (Nm 16.22). Nossa alma não é tão diretamente recebida; ela foi produzida depois que o espírito entrou no corpo. Está portanto, distintamente relacionada com o ser criado. É a vida criada, a vida natural. A utilidade da alma é realmente extensa, se ela mantiver seu devido lugar como mordomo, permitindo que o espírito seja a patroa. O homem pode então receber a vida de Deus e estar relacionado com Deus em vida. Se , todavia, esta esfera da alma torna-se dilatada, o espírito igualmente é abafado. Todos os feitos do homem serão confinados à esfera natural do criado, incapaz de estar unido à vida não criada e sobrenatural de Deus. O homem original sucumbiu à morte, porque comeu do fruto do conhecimento do bem e do mal, desenvolvendo assim, de forma anormal, sua vida da alma.
Satanás tentou Eva com uma pergunta. Ele sabia que isto despertaria o pensamento da mulher. Se ela estivesse completamente sob o controle do espírito, rejeitaria tal interrogação. Por tentar responder, ela exercitou sua mente em desobediência ao espírito. Sem dúvida, que a pergunta de Satanás estava cheia de erros, pois seu motivo principal era simplesmente incitar o esforço mental de Eva. Ele esperava que Eva até o corrigisse, mas lamentavelmente, ela ousou mudar a Palavra de Deus em sua conversa com Satanás. Conseqüentemente o inimigo foi encorajado a tentá-la no sentido de comer sugerindo que, ao comer, seus olhos seriam abertos e ela seria como Deus - conhecendo o bem e o mal. “Então, vendo a mulher que aquela árvore era boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento, tomou do seu fruto e comeu” (Gn 3.6). Foi assim que Eva considerou a pergunta. Satanás provocou seu pensamento da alma primeiro e depois avançou para apoderar-se da sua vontade. Resultado: ela caiu em pecado.
Satanás sempre usa a necessidade física como o primeiro alvo de ataque. Ele mencionou simplesmente o comer do fruto a Eva, uma coisa totalmente física. Em seguida, ele prosseguiu para seduzir sua alma, insinuando que pela satisfação seus olhos seriam abertos para conhecer o bem e o mal. Embora tal busca pelo conhecimento fosse perfeitamente legítima, a conseqüência, não obstante, conduziu seu espírito a uma rebelião franca contra Deus, pois ela compreendeu erradamente a proibição de Deus, como se brotasse de uma má intenção. A tentação de Satanás alcança primeiro o corpo, depois a alma e finalmente o espírito.
Após ser tentada Eva deu sua decisão. Primeiro: “a árvore era boa para se comer”. Isto é a “cobiça da carne”. Sua carne foi a primeira a ser despertada. Segundo: “era agradável aos olhos”. Isto é a “cobiça dos olhos”. Agora tanto seu corpo como sua alma haviam sido seduzidos. Terceiro: “a árvore era desejável para dar entendimento”.
Isto é a “soberba da vida”. Tal desejo manifestou a agitação da sua emoção e vontade. Sua alma estava agora agitada além do controle. Ela não mais dava apoio como um espectador, mas havia sido incitada a desejar o fruto. Quão perigosa é uma emoção humana dominadora!
Por que devia Eva cobiçar o fruto? Não era simplesmente a cobiça da carne e a cobiça dos olhos, mas também o impulso da curiosidade pela sabedoria. Na busca da sabedoria e conhecimento, mesmo do assim chamado “conhecimento espiritual”, as atividades da alma podem ser freqüentemente detectadas. Quando alguém procura aumentar seu conhecimento, por meio de ginásticas mentais nos livros, sem esperar em Deus e sem buscar a condução do Espírito Santo, sua alma está claramente em plena atividade. Isso vai reduzir sua vida espiritual. A queda do homem foi ocasionada pela busca de conhecimento, por isso, Deus usa a loucura da cruz para “destruir a sabedoria do sábio”. O intelecto foi a causa principal da queda, por isso, para alguém ser salvo é preciso que creia na loucura da Palavra da cruz, em vez de depender da sua inteligência. A árvore do conhecimento provoca a queda do homem, por isso Deus emprega a árvore da loucura (1Pe 2.24) para salvar almas. “Se alguém dentre vós se tem por sábio neste mundo, faça-se louco para se tornar sábio. Porque a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus” (1Co 3.18-20; veja também 1.18-25).
Tendo revisto cuidadosamente o registro da queda do homem, podemos ver que, ao rebelar contra Deus, Adão e Eva desenvolveram suas almas ao ponto de substituírem seus espíritos e precipitarem-se nas trevas. As partes proeminentes da alma são a mente do homem, vontade e emoção. A vontade é o órgão da decisão, portanto, o senhor do homem. A mente é o órgão do pensamento, enquanto que a emoção é o órgão da afeição. O apóstolo Paulo nos diz que “Adão não foi enganado”, indicando que a mente de Adão não foi confundida naquele dia fatal. Quem tinha a mente fraca era Eva: “a mulher sendo enganada, caiu em transgressão” (1Tm 2.14). Segundo o registro de Gênesis está escrito que “a mulher disse: a serpente enganou-me e eu comi” (Gn 3.14); mas que “o homem respondeu: a mulher que me deste por companheira deu-me (não enganou-me) da árvore e eu comi” (Gn 3.12). Adão, obviamente, não foi enganado; sua mente estava clara e ele sabia que o fruto era da árvore proibida. Ele comeu por causa da sua afeição pela mulher. Adão sabia que as palavras da serpente eram nada mais que o engano do inimigo. Pelas palavras do Apóstolo, somos levados a ver que Adão pecou de liberadamente. Ele amava Eva mais do que a si mesmo. Ele fez dela o seu ídolo e por amor a ela estava disposto a rebelar-se contra o mandamento do seu Criador. Que lamentável que sua mente tenha sido anulada por sua emoção e seu raciocínio vencido por sua afeição! Por que é que os homens “não creram na verdade?” Porque “tiveram prazer na injustiça” (2Ts 2.12). Não é que a verdade seja irracional, mas, sim, que não é amada. Por isso, quando alguém verdadeiramente volta-se para o Senhor, ele “crê com o coração (não a mente) para a justiça” (Rm 10.10).
Satanás moveu Adão a pecar apoderando-se da sua vontade através da sua emoção; enquanto que Eva foi tentada a pecar apoderando-se ele da sua vontade através do canal de uma mente obscurecida. Quando a vontade, mente e emoção do homem foram envenenadas pela serpente e o homem seguiu após Satanás ao invés de seguir a Deus, seu espírito, que era capaz de comungar com Deus, sofreu um golpe fatal. Aqui podemos ver a lei que governa a obra de Satanás. Ele usa as coisas da carne (comer o fruto) para seduzir a alma do homem a pecar; tão logo a alma peca, o espírito cai em trevas absolutas. A ordem da sua operação é sempre assim: do exterior para o interior. Se não começar com o corpo, então ele começa trabalhando na mente ou na emoção, a fim de alcançar a vontade do homem. No momento em que a vontade do homem se sujeita a Satanás, ele toma posse de todo o seu ser e executa o espírito. Mas, não é assim com a obra de Deus, que é sempre do interior para o exterior. Deus principia Sua obra no espírito do homem e prossegue iluminando sua mente, despertando sua emoção e levando-o a exercitar sua vontade sobre seu corpo, a fim de levar à realização a vontade de Deus. Todas as obras satânicas são feitas do exterior para o interior; todas as obras divinas são do interior para o exterior. Desta forma, podemos distinguir aquilo que vem de Deus e o que vem de Satanás. Tudo isso nos ensina, adicionalmente, que uma vez que Satanás captura a vontade do homem, então ele está no controle sobre aquele homem.
Devemos observar, cuidadosamente, que a alma é onde o homem expressa sua vontade livre e exerce seu próprio domínio. Por esta razão, a Bíblia sempre registra que é a alma que peca. Por exemplo: “o pecado da minha alma” (Mq 6.7), “a alma que pecar” (Ez 18.4,20). E nos livros de Levítico e Números freqüentemente menciona-se que a alma peca. Por quê? Porque é a alma que escolhe pecar. Nossa descrição de pecado é: “A vontade aceita a tentação”. O pecar é um vontade da alma; por conseguinte, a expiação deve ser para a alma: “Quando derem a oferta do Senhor, para fazerdes expiação por vossas almas” (Êx 30.15); “Porque a vida da carne está no sangue; pelo que vo-lo tenho dado sobre o altar, para fazer expiação pelas vossas almas” (Lv 17.11); “Para fazer expiação pelas nossas almas perante o Senhor” (Nm 31.50). Visto que a alma é que peca, conclui-se que é a que precisa ser expiada. E ela só pode ser expiada além disso, por uma alma:
“Foi do agrado de Jeová moê-lo; ele o sujeitou ao sofrimento... tu farás sua alma uma oferta pelo pecado... Ele verá o fruto do trabalho da sua alma e ficará satisfeito... ele derramou a sua alma na morte...; ele levou o pecado de muitos e pelos transgressores intercedeu” (Is 53.10-12).
Examinando a natureza do pecado de Adão, nós descobrimos que, à parte da rebelião, existe também um certo tipo de independência. Não devemos perder de vista aqui a vontade livre. Por um lado, a árvore da vida implica um sentido de dependência O homem naquela ocasião não possuía a natureza de Deus, mas se tivesse participado do fruto da árvore da vida, poderia ter obtido a vida de Deus; o homem poderia ter alcançado seu ápice possuindo a própria vida de Deus. Isto é dependência. Por outro lado, a árvore do conhecimento do bem e do mal sugere independência, porque o homem esforçou-se pelo exercício da sua vontade, pelo conhecimento não prometido, por algo não outorgado a ele por Deus. Sua rebelião declarou sua independência. Rebelando-se, ele não precisava depender de Deus. Além disso, sua busca pelo conhecimento do bem e do mal também manifestou sua independência, pois não estava satisfeito com o que Deus já havia concedido. A diferença entre o espiritual e o que é da alma é clara como cristal: o espiritual depende completamente de Deus, e satisfaz-se totalmente com o que Deus deu; o da alma foge de Deus e cobiça o que Deus não concedeu, principalmente o “conhecimento”. A independência é uma característica especial daquilo que é da alma. Não importa quão boa seja determinada coisa; pode ser até o culto a Deus. Porém, se para fazê-la completa confiança em Deus não é exigida, mas, pelo contrário, a confiança está depositada na própria força da pessoa, ela é inquestionavelmente da alma. A árvore da vida não pode crescer dentro de nós junto com a árvore do conhecimento. Rebelião e independência explicam todo pecado cometido pelos pecadores e pelos santos.
7.2.Espírito, alma e corpo após a queda
Adão vivia pelo fôlego de vida tornando-se o espírito nele. Pelo espírito ele percebia a Deus, conhecia a voz de Deus e comungava com Deus. Ele possuía uma consciência muito aguda de Deus, mas depois de sua queda seu espírito morreu.
Quando Deus falou com Adão no princípio Ele disse: “no dia em que dela comeres (o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal) certamente morrerás” (Gn 2.17). Entretanto, Adão e Eva continuaram a viver por centenas de anos depois de comerem do fruto proibido. Obviamente, isto indica que a morte predita não era física. A morte de Adão começou no seu espírito.
O que é a morte realmente? Segundo a definição científica, morte é “a suspensão da comunicação com o ambiente”. A morte do espírito é a suspensão da sua comunicação com Deus. A morte do corpo é a interrupção da comunicação entre este e o espírito. Por isso, quando dizemos que o espírito está morto, não significa que não haja mais espírito; quer dizer simplesmente que o espírito perdeu sua sensibilidade para com Deus e assim está morto para Ele. A situação exata é que o espírito está incapacitado de ter comunhão com Deus. Usemos como ilustração um mudo: ele tem boca e pulmões, mas algo está errado com suas cordas vocais tornando-o sem capacidade para falar. No tocante à linguagem humana, sua boca pode ser considerada como morta. Semelhantemente o espírito de Adão morreu por causa da sua desobediência a Deus. Ele ainda tinha seu espírito, todavia estava morto para Deus porque havia perdido seu instinto espiritual. Isto ainda é assim: o pecado destruiu o aguçado e intuitivo conhecimento de Deus que o espírito possuía tornando o homem espiritualmente morto. Ele pode ser religioso, respeitável, educado, capaz, forte e sábio, mas está morto para Deus. Ele pode até mesmo falar sobre Deus, raciocinar sobre Deus e pregar a Deus, mas ainda assim está morto para Ele. O homem não pode ouvir ou sentir a voz do Espírito de Deus. Por isso, no Testamento, Deus freqüentemente se refere àqueles que estão vivendo na carne como mortos.
A morte que iniciou no espírito de nosso antepassado gradativamente até alcançar seu corpo. Embora continuado a viver por muitos anos depois que seu espírito morreu, a morte, todavia, continuou operando nele até que seu espírito, alma e corpo estivessem mortos. Seu corpo que poderia ter sido transformado e glorificado, retornou ao pó. Porque seu homem interior precipitou-se no caos, seu corpo exterior deve morrer e ser destruído. A partir dali o espírito de Adão (como também os de todos os seus descendentes) caiu sob a opressão da alma até que, gradativamente, uniu-se com a alma tornando-se as duas partes intimamente unidas. O escritor de Hebreus diz que a Palavra de Deus vai penetrar e dividir alma e espírito (4.12). A separação é necessária porque o espírito e a alma tornaram-se um. Enquanto estiverem intimamente unidos o homem será lançado por eles no mundo psíquico. Tudo é feito segundo os preceitos do intelecto ou sentimento. O espírito perdeu seu poder e impressão, como se estivesse em profundo sono. Qualquer instinto que ele tenha para conhecer e servir a Deus, está completamente paralisado. Ele permanece em coma como se não existisse. Este é o significado de Judas 19: “naturais, não tendo espírito” (literal). Certamente isso não quer dizer que o espírito humano deixa de existir, pois Números 16.22 diz claramente que Deus é “o Deus dos espíritos de toda carne”. Todo ser humano ainda tem em sua posse um espírito, embora esteja obscurecido pelo pecado e impotente para manter comunhão com Deus.
Por mais morto que esse espírito esteja para com Deus, ele ainda pode permanecer tão ativo como a mente ou o corpo. Ele é considerado morto para Deus, mas ainda é muito ativo em outros aspectos. Algumas vezes o espírito de um homem caído pode ser até mais forte do que sua alma ou corpo e ganhar domínio sobre todo o seu ser. Tais pessoas são “espirituais”, da mesma forma que muitas pessoas são grandemente da alma ou do corpo, pois seus espíritos são muito maiores do que os das pessoas comuns. Estes são os feiticeiros e bruxos, e verdadeiramente mantém contatos com a esfera espiritual, só que realizam isso através do espírito maligno e não pelo Espírito Santo. Desta forma, o espírito do homem caído está aliado com Satanás e seus espíritos maus. Está morto para Deus, entretanto bem vivo para Satanás e segue o espírito mal que agora opera nele.
Rendendo-se à exigência das suas paixões e cobiças, a alma tornou-se escrava do corpo de tal forma que o Espírito Santo considera inútil contender pelo lugar de Deus neste alguém. Daí a declaração da Escritura: “Meu Espírito não pleiteará para sempre com o homem; porque ele é realmente carne” (Gn 6.3). A Bíblia refere-se à carne como sendo o composto da alma regenerada e a vida física embora mais freqüentemente indique o pecado que está no corpo. Uma vez que o homem esteja totalmente sob o domínio da carne, ele não tem possibilidade de liberar-se. A alma tomou o lugar de autoridade do espírito. Tudo é feito independentemente e segundo as ordens da sua mente. Mesmo em questões religiosas, na mais acalorada busca de Deus, tudo é realizado pela força e vontade da alma do homem, sem a revelação do Espírito Santo. A alma não está apenas independente do espírito; adicionalmente ela está sob o controle do corpo. Ela é solicitada a obedecer, a executar e cumprir as cobiças, paixões e exigências do corpo. Cada filho de Adão está, não somente morto em seu espírito, mas ele é também “da terra, terreno” (1Co 15.47). Os homens caídos são governados completamente pela carne, andando em reação aos desejos das suas vidas da alma e das paixões físicas. Estes estão incapacitados de ter comunhão com Deus. Às vezes eles exibem sua inteligência, em outras ocasiões suas paixões, porém, o mais freqüente são ambas: inteligência e paixão. Sem impedimento, a carne está em rígido controle sobre o homem total.
Isto é o que está esclarecido em Judas: “... escarnecedores, andando segundo as suas ímpias concupiscências. Estes são os que se põem à parte, homens naturais, não tendo espírito”. Ser da alma é antagônico ao ser do espírito, nossa parte mais nobre, a parte que pode unir-se a Deus e que deve regular a alma e o corpo, está agora sob o domínio da alma, aquela parte em nós que é terrena tanto no motivo como no alvo. O espírito foi despojado da sua posição original. A condição atual do homem é anormal, por conseguinte, ele é descrito como não tendo espírito. O resultado de ser da alma é que ele se torna um escarnecedor, buscando paixões ímpias e criando divisões.
1 Coríntios 2.14 fala de tais pessoas não regeneradas desta forma: “O homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque para ele são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente.” Tais homens, sob o controle de suas almas e com seus espíritos oprimidos, estão em contraste direto com as pessoas espirituais. Eles podem ser excessivamente inteligentes, capazes de apresentar idéias ou teorias magistrais, todavia não aprovam as coisas do Espírito de Deus. São inadequados para receber revelação do Espírito Santo. Tal revelação é amplamente diferente das idéias humanas. O homem pode pensar que o intelecto e o raciocínio humanos são todo-poderosos, que o cérebro é capaz de compreender todas as verdades do mundo, mas o veredicto da Palavra de Deus é: “vaidade de vaidades”.
Enquanto o homem está em seu estado da alma, ele freqüentemente sente a insegurança desta era, e, por isso, também busca a vida eterna da era vindoura. Mas mesmo que o faça, ainda é impotente para descobrir a Palavra da vida pelo seu muito pensar e teorizar. Quão indignos de confiança são os raciocínios humanos! Freqüentemente observamos como pessoas muito inteligentes colidem em suas diferentes opiniões. As teorias conduzem o homem facilmente ao erro. São castelos no ar, atirando-o nas trevas eternas.
Quão verdadeiro é que, sem a liderança do Espírito Santo, o intelecto não é apenas indigno de confiança, mas também extremamente perigoso, porque freqüentemente confunde a questão do certo e errado. Um pequeno descuido pode provocar não só a perda temporária, mas até danos eternos. A mente entenebrecida do homem muitas vezes o conduz à morte eterna. Se as almas não regeneradas apenas pudessem ver isto, quão bom seria!
Enquanto o homem é carnal, ele pode ser controlado por mais do que simplesmente a alma; ele pode estar sob a direção do corpo também, porque a alma e o corpo estão intimamente entrelaçados. Pelo fato do corpo de pecado estar abundando em desejos e paixões, o homem pode cometer os mais hediondos pecados. Visto que o corpo é formado do pó, assim sua tendência natural é em direção à terra. A introdução do veneno da serpente no corpo do homem transforma todos os seus desejos legítimos em lascívia. Tendo cedido uma vez ao corpo, em desobediência a Deus, a alma vê-se compelida a ceder toda vez. Os baixos desejos do corpo podem ser freqüentemente manifestados por meio da alma. O poder do corpo torna-se tão irresistível que a alma não consegue senão ser o escravo obediente.
A idéia de Deus é que o espírito tenha a preeminência, governando nossa alma. Mas uma vez que o homem torna-se carnal, seu espírito afunda em servidão à alma. Maior degradação sucede quando o homem torna-se “material” (do corpo), pois o corpo, mais baixo, ergue-se para ser soberano. O homem desceu então do “controle do espírito” para o “controle da alma”, e do “controle da alma” para o “controle do corpo”. Ele afunda cada vez mais profundamente. Quão lamentável deve ser quando a carne ganha o domínio.
O pecado matou o espírito: morte espiritual então, torna-se a porção de todos, pois todos estão mortos em delitos e pecados. O pecado levou a alma a ser independente: a vida da alma é, portanto, uma vida egoísta e obstinada.
O pecado finalmente deu autoridade ao corpo: a natureza pecaminosa conseqüentemente reina através do corpo.
8- O HOMEM SOBRE TRÊS ASPECTOS
Deus classifica os seres humanos sob três planos como veremos no decorrer deste capítulo. Não temos como escapar dessa classificação. Ou somos o homem natural, o homem espiritual ou o homem carnal.
8.1 O Homem natural
Embora o plano mais elevado para o homem seja o espiritual, Deus começa, em sua Palavra , pelo plano mais inferior: o natural. Isto é, começa a falar do homem que vive a vida a natural, a vida deste mundo, e que não tem o Espírito Santo no seu viver.
Ele é chamado natural porque ainda não experimentou a regeneração. Vive segundo a natureza pecaminosa e decaída desde a queda ocorrida no Éden. Ele está perdido. A menos que aceite a Jesus, não há solução para ele. Esse homem não pode ser reformado nem melhorado. Ele tem de ser transformado pelo poder do Espírito Santo (Rm 8.9; 7.18). Não importa quão bom, culto, educado, experiente, moralista e religioso seja, se não aceitar a Cristo, estará irremediavelmente perdido e morto em seus pecados (Sl 14.1- 3; Rm 3.23-,8.9).
(a) O mesmo termo traduzido natural em 1Co 2.14, é traduzido animal, em 1Co 15.44, referindo-se ali ao corpo impulsionado e controlado pela alma humana e suas paixões. O nosso termo “alma” vem do latim ánima, e nada têm a ver com animal e, sim, criatura especial de Deus (Gn 1.26,27; Sl 8.4-6);
(b) O mesmo termo é traduzido por sensual em Jd v.19, no sentido de ser governado apenas pelos sentidos naturais da alma, e não pelo Espírito Santo. “Sensual”, aqui, não se refere à volúpia, lascívia, cobiça carnal ou à incontinência, mas ao que é percebido pelos sentidos;
(c) O mesmo termo é ainda traduzido por animal em relação à sabedoria que não procede do Espírito Santo, e sim da capacidade puramente humana; inteiramente da alma humana. Esses fatos bíblicos ajudam a descrever o homem chamado natural.
Natural também significa não trabalhado, ou seja: não transformado, não modificado, não processado, não cultivado. Exemplo: a madeira tal qual cortada do tronco; não trabalhada, bruta. Vamos dar um outro exemplo: a pedra como se encontra na pedreira; não polida, nem esculpida. Assim é o homem natural. Ele se acha morto em seus pecados; ainda não foi transformado pelo Espírito Santo. Ele precisa nascer de novo para tornar-se agradável aos olhos de Deus.
8.1.1 O Homem Natural e seus Impedimentos
O Homem Natural não compreende as coisas de Deus. Sua mente carnal não alcança nem valoriza as coisas divinas porque não tem o Espírito Santo. Ele não entende as coisas de Deus. Para entender é preciso primeiro compreender. Ele não discerne as coisas de Deus porque elas são espirituais. Na natureza carnal, não habita bem algum de ordem espiritual (Rm 7.18). Eis mais alguns textos sobre o homem natural: em Ef 2.3; At 26.14; 2Pe 2.12. Ele desconhece completamente as coisas sobrenaturais de Deus. Ele só entende as coisas físicas, materiais; as coisas deste mundo; desta vida.
8.2 O Homem espiritual (1Co 2.15)
O homem espiritual é assim chamado por ser impulsionado, controlado e dirigido pelo Espírito Santo. O seu “eu” está vivo, mas se acha crucificado com Cristo (Gl 2.20, Rm 6.11). O plano (e a vontade) de Deus é que sejamos espirituais (Rm 12.1,2). Ver mais sobre o homem espiritual em Gl 6.1; 1Pe 2.5; Hb 5.14.
O Relacionamento do Homem Espiritual com Deus. O homem espiritual é exatamente o inverso do homem natural. Este relacionamento é tríplice: O homem espiritual aceitou a Cristo como seu Salvador e “nasceu de novo” espiritualmente (Jo 3.5). Ele submete-se inteiramente a Cristo como seu Senhor, em todas as áreas da sua vida. Ele é cheio do Espírito. Tem vigor e vida espiritual abundante, como ocorre entre o tronco e os ramos da videira (Jo 15.5).
O homem espiritual é cheio do Espírito Santo, o qual possibilita-o a viver para Deus. Sendo cheio do Espírito Santo, esse crente dá fruto espiritual automática e abundantemente para Deus, uma vez que esse fruto, de que fala a Bíblia, não vem do esforço humano: vem da natureza divina do Espírito que age com toda a liberdade na vida do crente (2Pe 1.4). O homem espiritual tem a mente de Cristo. E, pelo Espírito Santo, discerne bem a tudo (1Co 2.16).
Essa é a vontade de Deus para todo crente. A Bíblia descreve a condição do homem espiritual como sentado nas “regiões celestiais” com Cristo (Ef 1.3; 2.6).
8.3 O homem carnal
Pelo contexto desta passagem e de outras congêneres, vê-se que o homem carnal é crente e salvo. Não obstante, sua vida cristã é mista, dividida e marcada por constantes subidas e descidas. Ele é um crente que “começa pelo Espírito e termina pela carne” (Gl 3.3). É chamado carnal porque a velha natureza adâmica, herdada da raça humana, nele prevalece; ainda não foi subjugada pelo Espírito Santo (Rm 8.13).
A natureza humana pecaminosa, existente em todo crente, embora não possa ser mudada, precisa ser mortificada e vencida pelo poder do Espírito Santo (Cl 3.5; Gl 2.19; 6.14; Rm 8.13). Nem todo crente vive uma vida consagrada, nem se acha disposto a vencer plenamente a natureza adâmica. Na igreja de Corinto, muitos crentes eram carnais. A sua velha natureza estava livre para agir ao invés de “levar cativo todo pensamento à obediência de Cristo” (2Co 10.3-5). Isso só há de ser obtido por nossa inteira submissão a Cristo, como nosso Senhor, e pela obra santificadora do Espírito Santo em nosso ser (Rm 6.13; Gl 5.16).
Conforme está escrito em Rm 6.11, não é o pecado que morre dentro do crente, o crente é que deve morrer para o pecado e viver para Deus. Também, conforme Gl 6.14, não basta o mundo estar crucificado para o crente; o crente é que tem de estar crucificado para o mundo. Um dos grandes perigos na vida cristã consiste em se descer da cruz. Essa é uma mensagem para quem já é discípulo de Cristo (Mt 16.24; Lc 14.27).
O relacionamento do homem carnal com Deus. Ele entristece o Espírito Santo, fazendo o que bem quer. O Espírito Santo não pode levá-lo à vida cristã abundante, poderosa e triunfante, porque o tal crente é imaturo e acha-se preso às coisas desta vida e deste mundo.
A condição do homem carnal diante de Deus. Ele está dividido: em parte vive para Deus, e em parte vive para agradar a si mesmo. Enquanto o homem espiritual vive no plano superior das “regiões celestiais”, o carnal vive mais na esfera do terreno, porque a sua visão está voltada para o natural.
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9-A ORIGEM DA ALMA E DO ESPIRITO DO HOMEM
9.1 Introdução
A Bíblia afirma que o homem foi criado por Deus, e que Deus soprou o fôlego de vida e o homem passou a ser alma vivente (Gn 2.7). Enquanto isso não há dúvida. Mas quando se trata da afinidade da alma com a raça, surgem várias dúvidas. Muitos afirmam que somos filhos do nosso pai somente enquanto corpo, enquanto outros que somos filhos dos nossos pais enquanto a toda natureza e até outros que afirmam que as almas já existiam antes que tivessem um corpo.
O objetivo deste capítulo, não é só responder as perguntas, mas sim procurar trazer também uma melhor compreensão sobre tal assunto. Um assunto que na verdade é pouco falado, mas uma vez analisado profundamente tem uma grande luz esclarecedora por traz dele.
Os recentes debates em torno do uso de embriões na pesquisa trouxe ao cenário contemporâneo uma questão metafísica. O embrião é apenas "algo" ou é "alguém"? Ou dito de outra forma: por detrás do pequenino "algo" que é o embrião esconde-se "alguém"? Nas igrejas cristãs os fiéis perguntam aos pastores e padres: "O embrião tem alma?" Que não é senão outra forma de perguntar se o embrião é "algo" ou "alguém".
O embrião tem alma? Em que momento a alma começa a existir? Para responder a questão, peço licença para aborrecê-los com um pouco de teologia com cheiro de Idade Média. São três as opiniões que circularam na história do pensamento cristão: A Preexistencialista afirma que as almas preexistem ao seu nascimento. A Criacionista afirma que cada alma é criada diretamente por Deus, em algum tempo antes do nascimento da criança. A Traducionista afirma que o homem transmite aos filhos todo o seu ser, corpo e alma, reproduzindo-se, conforme todos os animais, segundo a sua espécie.
Para Aurélio Agostinho sempre encontrou dificuldades na questão da origem da alma. Certo está de que a alma não pode emanar de Deus no sentido do panteísmo neoplatônico, pois então seria de algum modo parte de Deus. Também corrige Orígenes, cuja doutrina da preexistência não adaptou suficientemente o platonismo ao pensamento cristão. Antes, a alma deve ser criada. Mas aqui surgem várias dificuldades. Ou as almas provêm da alma de Adão (generacionismo); ou cada alma é criada diretamente na sua individualidade (criacionismo); ou as almas existem em Deus e são infundidas no corpo; ou existem em Deus e se unem voluntariamente ao corpo (doutrina cristã da preexistência). O criacionismo oferece dificuldades à teologia de Agostinho, porque então não se poderia explicar bem a transmissão do pecado original. O generacionismo seria melhor adequado a essa transmissão, mas corre o perigo de cair no materialismo. Mesmo mais tarde ainda Agostinho confessa que não encontra nenhuma clareza nessa explicação (Retr. I, 1, 3). Essas aporias (dificuldades de ordem racional) já existiam em Platão, para quem a alma, de um lado, deve ser algo do corpo, i. é, o princípio da sua vida sensível; mas, de outro, deve ser completamente distinta dele (Hist. Fil. Antigüidade, pág. 107). Elas emergem de novo em Aristóteles e no Peripato (1. c., págs. 189, 259) e se fortalecem com a mais acentuada afirmação da substancialidade da alma, no pensamento cristão.
Agostinho afirma-se incapaz de solucionar a questão da origem da alma e, embora tão influenciado por Platão, não acha a matéria por si mesma condenável, assim como não encara como castigo a união da alma com o corpo. Não seria este, como se disse tanto, a prisão da alma: o que faz do homem prisioneiro da matéria é o pecado, do qual deve libertar-se pela vida moral, pelas virtudes cristãs. O pecado leva o corpo a dominar a alma; a religião, porém, é o contrário do pecado, é a dominação do corpo pela alma, que se orienta livremente para Deus, assistida pela graça.
Muitos antropólogos bíblicos têm debatido sobre a origem do espírito e a alma dentro do homem, como já foi dito sabe-se que em Adão Deus soprou sobre suas narinas, mas a partir de Adão como tem acontecido para que o espírito e a alma pudessem estar nele? Se a alma é a personalidade do homem, como ela nasce dentro do corpo humano? O corpo sim é gerado através de uma relação sexual, mas e a parte espiritual do homem, e sua alma, como acontecem sua aparição dentro do corpo humano? E o caso de Eva, o corpo foi feito de uma costela de Adão, mas a alma e o espírito? Deus não soprou em suas narinas também! A resposta para tais perguntas tem surgido muitos debates, e há muitos pensamentos sobre o assunto, mas buscando dar um maior entendimento sobre o assunto, apresentaremos a seguir algumas teorias acerca da origem da alma e espírito dentro do homem.
9.2 Teoria do Preexistencialismo
De acordo com esta teoria as almas já tiveram uma existência separada, consciente e pessoal, em um estado prévio; que havendo pecado nesse estado pré-existente, elas são condenadas a nascer nesse mundo em um estado de pecado e em conexão com um corpo material em algum ponto do começo do seu desenvolvimento. Muitos acham que os discípulos de Cristo foram influenciados por essa idéia quando disseram a respeito do homem que havia nascido cego: "Mestre quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego?" (João 9.2).
Apesar desta visão preexistencialista ser defendida por alguns filósofos tais como Platão, Sócrates e grandes nomes do cristianismo tais como Orígenes (185-254) e Scotus Erígena (810-877), nunca foi incorporada pela fé cristã. Observemos algumas dessas posições.
Platão. Platão de Atenas (428/27 a.C. — 347 a .C.) foi um filósofo grego, discípulo de Sócrates, fundador da Academia e mestre de Aristóteles. Acredita-se que seu nome verdadeiro tenha sido Aristócles. Platão era um apelido que, provavelmente, fazia referência à sua característica física, tal como o porte atlético ou os ombros largos, ou ainda a sua ampla capacidade intelectual de tratar de diferentes temas. Πλάτος (plátos), em grego significa amplitude, dimensão, largura. Sua filosofia é de grande importância e influência.
Para Platão o homem era dividido em corpo e alma. O corpo era a matéria e a alma era o imaterial e o divino que o homem possuía. Ao passo que o corpo sempre está em constante mudança de aparência e forma. A alma não muda nunca, a partir do momento em que nascemos temos a alma perfeita, porém não sabemos. As verdades essenciais estão escritas na alma eternamente, porém ao nascermos esquecemos, pois a alma é aprisionada no corpo.
A alma é divida em 3 partes: (a) raciona: região da cabeça; esta tem que controlar as outras duas partes; (b) tórax: irascível; parte dos sentimentos; (c) abdômen: concupiscível; desejo, mesmo carnal (sexual), ligado ao libido.
Platão acreditava que a alma depois da morte reencarnava em outro corpo, mas a alma que se ocupava com a filosofia e com o Bem, esta era privilegiada com a morte do corpo. A ela era concedida o privilégio de passar o resto de seus tempos em companhia dos deuses. O conhecimento da alma é que dá sentido à vida. Tudo foi criado pelo Demiurgo (seu criador), um divino artesão que criou o mundo real e sua aparência. A ação do homem se restringe ao mundo material; no mundo das idéias o homem não pode transformar nada. Porque se é perfeito não pode ser mais perfeito como se fosse apenas algo material que nos segue.
A antropologia filosófica de Platão sugere que o verdadeiro homem é um ser imortal, cujo nome próprio é a alma, que entra na comunhão dos deuses. O homem é uma união do corpo e da alma, sendo o corpo considerado apenas um veículo da alma. A alma é propriamente o homem, sendo o corpo uma sombra. Mas esta união é infeliz, pois o corpo serve como uma prisão para a alma, e ela só atingirá a verdade do que busca quando se desprender do corpo. Platão repete a expressão de Pitágoras que considerava o corpo como o túmulo da alma.
Segundo o pensamento de Platão, a origem da alma está no Demiurgo (Deus criador do Universo), todas as almas humanas são feitas pelo próprio Demiurgo, o qual criou todas individualmente, as entregou para o seu destino seqüencial, aos “deuses criados”, à terra e aos planetas, para introduzirem a alma na existência, revesti-la de um corpo, nutrir o homem e deixá-lo crescer para depois recebê-lo de novo quando deixar esta vida. Para Platão a alma é uma substância invisível, imaterial, espiritual. Só quando é entregue ao instrumento do tempo é que ela se une ao corpo, e só então nascem as percepções.
Orígenes. Orígenes, em grego Ὠριγένης, (185 — 253 d.C.) foi um teólogo e prolixo escritor cristão. Nasceu em Alexandria, Egito, e faleceu, segundo alguns dados em Cesaréia, na atual Palestina ou, mais provavelmente, segundo outras fontes, em Tiro.
Foi segundo J. Quasten, o maior erudito da Igreja antiga - nasceu de uma família cristã egípcia e teve como mestre Clemente de Alexandria. Assumiu, em 203, a direção da escola catequética em Alexandria - que havia sido fundada por um estóico chamado Panteno que se havia convertido à mensagem de Cristo - atraindo muitos jovens estudantes pelo seu carisma, conhecimento e virtudes pessoais. Depois de ter também freqüentado, desde 205, a escola de Amônio Sacas - fundador do neo-platonismo e mestre de Plotino -, apercebeu-se da necessidade do conhecimento apurado dos grandes filósofos. No decurso de uma viagem à Grécia, no ano de 230, foi ordenado sacerdote na Palestina pelos bispos Alexandre de Jerusalém e Teoctisto de Cesaréia. Em 231, Orígenes foi forçado a abandonar Alexandria devido à animosidade que o bispo Demétrio lhe devotava pelo fato de se ter feito eunuco no sentido literal e físico desta palavra. Orígenes, então, passou a morar num lugar onde Jesus havia, muitas vezes, estado: Cesaréia, na Palestina, onde prosseguiu suas atividades com grande sucesso abrindo a chamada Escola de Cesaréia. Na seqüência da onda de perseguição aos cristãos, ordenada por Décio, Orígenes foi preso e torturado, o que lhe causou a morte, por volta de 253.
Orígenes dedicava-se ao estudo e à discussão da filosofia, em especial Platão e os filósofos estóicos. No seu pensamento, podemos referir a tese da pré-existência da alma e a doutrina da "apocatastase", ou seja, da restauração universal (palingenesia), ambas posteriormente condenadas no Segundo Concílio de Constantinopla, realizado em 553, por serem formalmente contrárias ao núcleo irredutível do ensinamento bíblico -, embora estudiosos modernos e contemporâneos reconheçam inequivocamente que a primeira era mais «atribuída a Orígenes (por outros) do que propriamente defendida por ele.
Orígenes sustentava que Deus, conforme sua infinita justiça criou iguais todas as almas. A atual disparidade de condições dos seres humanos se deve ao diverso comportamento numa existência anterior.
Ao contrário do que afirmam certos teosofistas, Orígenes era totalmente contrário à doutrina da metempsicose (renascimento do ser humano em animais). Profundo conhecedor deste conceito a partir da filosofia grega, afirma que a metempsicose (transmigração) “é totalmente alheia à Igreja de Deus, não ensinada pelos Apóstolos e não sustentada pela Escritura” ("Comentário ao Evangelho de Mateus" XIII, 1, 46–53).
Scotus Erígena também sustenta que o pecado deu entrada no mundo da humanidade no estado pré-temporal, e que, portanto o homem começa a sua carreira na terra como pecador.
E Júlio Muller recorre à teoria, com o fim de conciliar as doutrinas da universalidade do pecado e da culpa individual. Segundo ele, cada pessoa necessariamente deve ter cometido pecado voluntário naquela existência anterior.
9.2.1 Objeções ao Preexistencialismo
(a) É absolutamente vazia de bases bíblicas e filosóficas e, pelo menos nalgumas de suas formas, baseia-se no dualismo de matéria e espírito como ensinado na filosofia pagã, fazendo da ligação da alma com o corpo uma punição para a alma.
(b) Faz realmente do corpo uma coisa acidental. A alma estava inicialmente sem o corpo, recebendo-o posteriormente. O homem era composto sem o corpo. Isto elimina virtualmente a distinção entre o homem e os anjos.
(c) Destrói a unidade da raça humana, pois presume que todas as almas individuais existiam muito antes de entrarem na vida presente. Elas constituem uma raça.
(d) Não acha suporte na consciência de uma tal existência anterior; tampouco sente que o corpo é uma prisão ou um lugar de punição para a alma. De fato; ele teme a separação de corpo e alma como uma coisa antinatural.
(e) A Bíblia jamais atribui nossa presente condição a alguma causa anterior ao pecado de nosso primeiro pai, Adão (Rm 5.12-21; 1Co 15.22).
(f) Tal idéia tende a nos fazer encarar a vida presente como transicional ou pouco importante, e nos faz pensar que a vida no corpo é menos desejável, e a criação de filhos, menos importante.
9.3 Teoria do Criacionismo
De acordo com esta escola, a alma e o espírito são criados por Deus e agregados ao corpo do minúsculo ser, no momento do ato gerativo, ou ao longo do desenvolvimento fetal ou, ainda, no dia do nascimento. O criacionismo não deve confundir-se com a teoria preexistencialista, a qual preconiza que as almas e os espíritos foram criados antes da geração humana, e ficaram à espera de corpos que lhes fossem preparados para sua agregação. O criacionismo, ao contrário, ensina que Deus cria um espírito para cada corpo, no momento da geração. Entre os adeptos da teoria do criacionismo estão Ambrósio, Jerônimo, Pelágio, Anselmo, Aquino e a maioria dos católicos romanos e luteranos.
9.3.1 Pontos Favoráveis ao Criacionismo
(a) O relato original da criação indica marcante distinção entre a criação do corpo e da alma. Aquele é tomado da terra, ao passo que esta vem diretamente de Deus. Esta distinção se mantém através de toda a Bíblia, onde o corpo e a alma não somente são apresentados como substâncias diferentes, mas também como tendo origens diferentes (Ec 12.7; Is 42.5).
(b) É claramente mais coerente com a natureza da alma humana. A natureza imaterial e espiritual, e portanto indivisível, da alma do homem, geralmente admitida por todos os cristãos, é expressamente reconhecida pelo criacionismo.
(c) Evita perigos latentes na área da cristologia, e faz maior justiça à descrição escriturística da pessoa de Cristo. Ele foi verdadeiro homem, possuindo verdadeira natureza humana, corpo real e alma racional, nasceu de mulher, fez-se semelhante a nós em todos os pontos e, todavia, sem pecado. Diversamente de todos os outros homens, Ele não participou da culpa e corrupção da transgressão de Adão. Isso foi possível porque Ele não compartilhou a mesma essência numérica que pecou Adão.
(d) O Salmo 127.3 diz: "Herança do Senhor são os filhos; o fruto do ventre, seu galardão". Isso indica que não só a alma, mas também toda a pessoa da criança, incluindo seu corpo, é dádiva de Deus.
(e) Não é possível conceber que a mãe e o pai sejam somente eles responsáveis por todos os aspectos da existência do filho. Disse o salmista: Salmo 139.13 "Tu me teceste no seio de minha mãe".
(f) Isaías 42.1 O profeta afirma que Deus dá fôlego às pessoas da terra e "espírito aos que andam nela".
9.3.2 Objeções ao Criacionismo
(a) O criacionismo não pode explicar o fatos dos filhos se parecerem com os pais nos aspectos intelectuais e espirituais tanto quanto nos físicos.
(b) As referências que falam de Deus como Criador da alma dão a entender criação imediata. Deus é, com igual clareza, mostrado como o Criador do corpo (por ex. Sl 139.13,14; Jr 1.5), e nem por isso interpretamos isto como se significasse criação imediata, mas sim mediata.
(c) Não explica a tendência que todos os homens têm de pecar. Ou Deus deve ter criado cada alma em uma condição de pecaminosidade, ou o simples contato da alma com o corpo deve tê-la corrompido. No primeiro caso, Deus é o autor do pecado, e no segundo, o indireto. Tudo isto prova que a teoria da criação é insustentável.
9.4 Teoria Traducionista
O termo "traduciano" provém do verbo latino traducere ("levar ou trazer por cima", "transportar", "transferir"). Sustenta que a raça humana foi criada imediatamente em Adão, no que diz respeito à alma como também ao corpo, e que ambos são propagados da parte dele para a geração natural. Em outras palavras, Deus outorgou a Adão e Eva os meios pelos quais eles (e todos os seres humanos) teriam descendentes à sua própria imagem, perfazendo, assim, a totalidade da pessoa material e imaterial.
Essa teoria baseia-se na Bíblia, que parece apresentar este pensamento através de vários de seus textos: Gn 1.28 e 1.22; Gn 2.2 que fala do término da obra criativa de Deus; Gn 2.7 nos fala da origem da alma de Adão, enquanto que os versos 21-23 mencionam a origem da alma de Eva; outros textos são: Gn 46.26; Sl 52.5; Rm 1.3; 1Co 11.8; Hb 7.9,10.
O Traducionismo se baseia ainda na hereditariedade do pecado de Adão e na hereditariedade de traços mentais, físicos e morais que os filhos têm dos pais.
Na igreja Primitiva Tertuliano, Rufino, Apolinário e Gregório de Nissa eram traducionistas. Desde os dias de Lutero o traducionismo tem sido o conceito geralmente aceito pela Igreja Luterana. Entre os reformados (calvinistas), tem apoio de H. B. Smith e Shedd. A. H. Strong também tem preferência por ele.
9.4.1 Pontos a Favoráveis do Traducionismo
(a) Pela descrição bíblica segundo a qual Deus uma única vez soprou nas narinas do homem o fôlego de vida, e depois deixou que o homem reproduzisse a espécie (Gn 1.28; 2:7).
(b) A criação da alma de Eva estava incluída na de Adão, desde que se diz que ela foi feita "do homem" (1Co 11.8), e nada se diz acerca da criação da sua alma (Gn 2.23).
(c) Deus cessou a obra de criação depois de haver feito o homem (Gn 2.2).
(d) As Escrituras afirmam que os descendentes estão nos lombos dos seus pais (Gn 46.56; Hb 7.9,10).
(e) Tem o apoio da analogia da vida vegetal e animal, em que o aumento numérico é assegurado, não por um número continuamente crescente de criações imediatas, diretas, mas pela derivação natural de novos indivíduos de um tronco paterno (Sl 104.30).
(f) A teria procura também apoio na herança de peculiaridades mentais e tipos familiais, tantas vezes tão notórios e notáveis como semelhanças físicas, que não podem ser explicados pela educação ou pelo exemplo, desde que se evidenciam mesmo quando seus pais não vivem para criar seus filhos.
(g) Oferece maior base para explicação da herança da depravação moral e espiritual, que é assunto da alma, e não do corpo. É muito comum combinar o traducionismo com a teoria realista para explicar o pecado original.
(h) Explica a universalidade do pecado. Entre os anjos, alguns caíram e outros não, porque não havia conexão racial, nem transmissão de natureza pecaminosa, de um para o outro.
9.4.2 Objeções ao Traducionismo
(a) Parte do pressuposto de que, depois da criação original, Deus só age mediatamente. Depois dos seis dias da criação a Sua obra criadora cessou. A contínua criação de almas, diz Delitzsch, é incoerente com a relação de Deus com o mundo. Pode-se porém levantar a questão: Que será, então da doutrina da regeneração, que não é efetuada por causas secundárias.
(b) Geralmente se alia à teoria do realismo, uma vez que é o único modo pelo qual pode explicar a culpa original. Fazendo isso, afirma a unidade numérica da substância de todas as almas humanas, posição insustentável e também deixa de dar uma resposta satisfatória à questão, por que os homens são responsabilizados somente pelo primeiro pecado de Adão, e não pelos seus pecados subseqüentes, nem pelos pecados dos seus outros antepassados.
(c) É contrária à doutrina filosófica da simplicidade da alma. A alma é uma substância puramente espiritual que não admite divisão. A reprodução da alma pareceria implicar que a alma do filho se separa de algum modo da alma dos pais. Além disso, levanta-se a questão se ela origina da alma do pai ou da mãe. Ou provém de ambos? Sendo assim, não é um composto?
(d) A idéia de que Levi estava já no corpo de Abraão (Hb 7.10) deve ser entendida num sentido representativo ou figurado, não literal. Além disso, não se fala nesse caso somente da alma de Levi, mas da pessoa integral, incluindo seu corpo e sua alma, embora seu corpo não estivesse fisicamente presente de modo concreto no corpo de Abraão, pois não haveria naquela época uma combinação distinta de genes que se pudesse atribuir a Levi e a ninguém mais.
(e) A teoria leva dificuldades no campo da cristologia. Se em Adão a natureza humana pecou globalmente, e esse pecado foi, portanto, o verdadeiro pecado de cada parte dessa natureza humana, não se pode fugir à conclusão de que a natureza humana de Cristo também foi pecadora e culpada, porque teria o pecado de fato em Adão.
9.5 Considerações finais
A Bíblia ensina que o homem veio à existência por um ato criativo de Deus, e nesse ato criativo, conforme o relato bíblico, encontramos certas particularidades que fazem com que o homem se diferencie dos outros seres vivo.
Em Gn 2.7 diz: "Então, formou o Senhor Deus ao homem do pó da terra e lhe soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem passou a ser alma vivente", fica evidente que o ser humano é constituído de dois elementos: material e imaterial.
Na união destes dois elementos o homem passa a ser alma vivente. Essa união deu origem a três grandes teorias que buscam explicar a origem da alma e se tem ou não afinidade com a raça. Ficou claro que a teoria preexistencialista não tem fatos que à apóiem. Enquanto as teorias criacionista e traducionista têm respaldo bíblico.
De acordo com os pontos favoráveis e as objeções apresentadas, a teoria traducionista merece preferência porque ela melhor se harmoniza com a Escritura, com a teologia e com uma concepção apropriada da natureza humana. Ao mesmo tempo, conforma-se com o teor geral das Escrituras, que dizem ter sido a humanidade criada por Deus em Adão. Faz do homem um todo homogêneo, e livra o Criador Supremo da responsabilidade direta ou indireta, no atual estado moral e espiritual da humanidade.
E as muitas objeções apresentadas podem ser respondidas como por ex. a participação de Cristo ter tomado a natureza pecaminosa de Maria. A isto replicamos que Sua natureza foi perfeitamente santificada em e por Sua concepção pelo Espírito Santo; ou melhor, a natureza humana que Ele tomou de Maria foi santificada antes dEle tê-la tomado para Si (Lc 1.35; Jo 14.30; Rm 8.3; 2Co 5.21; Hb 4.15; 7.26; 1Pe 1.19; 2.22), foi livrada tanto da condenação quanto da corrupção do pecado. Alegam também que se o primeiro pecado de Adão e Eva foi imputado ao homem devido à chefia natural de nossos primeiros pais.
E mais o ato criador do corpo e do espírito é atribuído a Deus, indistintamente, sem qualquer diferença. O homem, porém, dotado de protoplasma genético, é o meio instrumental, usado por Deus, para consecução dos seus planos criativos. Sendo assim, Deus cria e o homem, em cumprimento da lei divina da genética, gera filhos e filhas na sua composição biológica integral.
Em suma segundo a Bíblia, Deus é o Criador da relva, das ervas e das árvores (Gn 1.11), embora criasse primeiro a terra e a mandasse, depois, produzir erva. Assim também Deus é o Criador de cada indivíduo por intermédio dos pais.
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